Vem aí o Diabo

Portugal segue para a crise da mesma forma que em 2010: com défices elevados, a 3ª maior dívida pública do mundo, nenhuma reforma estrutural ou plano de consolidação fiscal.

Historicamente, aqueles que preveem uma crise económica acabam sempre por sair vindicados. O diabo está nos detalhes — o difícil é prever quando é que a crise vai ocorrer. Daqui a um mês ou daqui a seis, a verdade é que há uma conjugação de factores que pode bem ser o catalisador da próxima crise económica.

A pandemia não teve um impacto apenas na saúde pública, teve um enorme impacto — que começa a ser visível — na economia. O sector dos serviços, sobretudo os não-transaccionáveis (os digitais mantiveram-se e até saíram reforçados, como vimos pela valorização bolsista das empresas tecnológicas), simplesmente parou. Produção que deixou de ocorrer. Alguma indústria aguentou-se, mas outra teve de reduzir substancialmente a sua capacidade instalada. Um exemplo, entre muitos outros: o maior operador de Ubers em Portugal teve de reduzir a sua frota de automóveis em 75%. Leu bem, uma redução de três quartos.

Paradoxalmente, muitas famílias viram o seu rendimento disponível aumentar, o que levou a um aumento inesperado das taxas de poupança. Isto foi resultado essencialmente de duas medidas: das moratórias e das transferências fiscais, estas últimas particularmente relevantes nos EUA. Os pacotes de estímulo fiscal nos EUA chegaram aos cinco triliões de dólares — 25% do PIB norte-americano —, sendo que em alguns casos foi entregue dinheiro directamente às pessoas.

Aqueles que detêm património, sobretudo financeiro, viram também o seu património crescer, fruto da maior experiência de expansionismo monetário da nossa história. Os balanços dos bancos centrais, que decidiram comprar todo o tipo de activos financeiros que apareciam para inundar os mercados, em particular os obrigacionistas, de liquidez, expandiram o seu balanço para máximos históricos. Mais ainda: a compra de títulos de tesouro ocorria ao mesmo tempo que o Governo fazia a sua emissão. Houve uma monetização encapotada dos défices — os défices foram financiados com dinheiro impresso pelos bancos centrais. Recorde-se que os estatutos da maior parte dos bancos centrais proíbem o financiamento directo dos Governos.

Entretanto, a pandemia começou a dissipar-se. A vacinação, a imunidade natural e uma capacidade acrescida para lidarmos com o vírus ajudou à retoma de alguma normalidade. A procura ajustou-se muito rápido: o consumo disparou e o investimento retomou. O problema é que a oferta é bem mais inelástica e demora muito mais a ajustar. Um exemplo: em 2019, o transporte de um contentor da China para Portugal custava entre 800 e 1000€. Hoje, as cotações variam entre os 16 e os 18 mil Euros. Leu bem: 18 vezes mais. Há muitos navios cargueiros parados, há muitos contentores empatados (sobretudo nos EUA).

O investimento na mineração atingiu também mínimos de 62 anos. Isto deve-se a dois factores:

  1. À quebra na procura, que justificou o encerramento, ainda que temporário, de muitas minas;
  2. E à agenda verde, que tem criado pressão para uma transição repentina.

O impacto? As matérias-primas estão a atingir máximos históricos. Em resultado disso, o custo de produção dos painéis solares aumentou 150%. O roubo dos catalisadores dos carros disparou — os metais preciosos, como o paládio, platina e ródio, são vendidos a um preço considerável. O cobre e a madeira também dispararam de preço. O preço da energia está também em máximos históricos. À data de hoje, 7 de Outubro, o preço da energia atingiu os 288 €/MWh no MIBEL, o mercado ibérico grossista. Um dos culpados é o preço do gás, que atingiu também máximos históricos.

O mesmo se passa no mercado imobiliário, onde os investidores, sobretudo particulares, têm encontrado refúgio. Perante taxas de juro reais negativas, a procura pelo rendimento (search-for-yield) acaba invariavelmente no mercado imobiliário e nos mercados financeiros, que continuam a atingir e a bater máximos históricos.

Temos então pressões inflacionistas do lado da procura, fruto da recuperação, do aumento do rendimento disponível e do expansionismo fiscal; e do lado da oferta, através do aumento do custo das matérias-primas, que é depois propagado pela cadeia de abastecimento.

O que irão fazer os Bancos Centrais? Só podem fazer uma coisa para garantir que as expectativas de inflação estão devidamente ancoradas e que os agentes não antecipam uma escalada do nível de preços: reduzir os estímulos monetários, o que se vai traduzir na redução da compra de activos, mas sobretudo no aumento das taxas de juro.

Esta reversão de políticas tem efeitos imediatos: o aumento das taxas de juro reduz a valorização actual dos cash flows futuros das empresas (leia-se, todas as empresas cotadas irão valer menos), o que reduz a atractividade por activos financeiros. Há um mercado que é particularmente afectado pelo aumento da inflação e da percepção de risco: o mercado obrigacionista, onde Portugal se financia.

O resto da história? Invarialmente, repete-se. Os países, sobretudo os mais frágeis, perderão o seu melhor comprador de títulos de dívida, os bancos centrais. O prémio de risco aumenta, sobretudo porque um país com uma dívida de 130% do PIB, défices orçamentais elevados e uma incapacidade crónica para fazer reformas estruturais não irá dar a segurança aos investidores para que estes queiram investir o seu dinheiro. As bunds alemãs voltarão a ser o safe haven.

Parece um dejá vu? De facto, é. É 2010 em esteroides. Portugal segue para a crise que se avizinha exactamente da mesma forma que em 2010: com défices elevados, a 3ª maior dívida pública do mundo, nenhuma reforma estrutural (citando António Costa, o primeiro-ministro, a expressão reformas estruturais «arrepia-o») ou plano de consolidação fiscal. Apenas e reiteradamente a navegação à bolina a que este governo nos habituou.

Boa noite e boa sorte.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico

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