Nunca uma fábrica tinha ido à semana da moda. Mas Portugal levou cinco

Se a semana da moda não sabe o que é a indústria, a indústria têxtil vai a Paris

Fechamos os olhos. O ferro bate sem parar na estrutura. Tá tá tá tá. O som é ritmado, sempre igual. Não para. Tá tá tá tá. Estamos em Marais, no centro de Paris, mas a sensação dentro da Galerie Nikki Diana Marquardt é a de que bem podíamos estar numa fábrica. Quando os olhos se abrem, o cenário constrói-se com tecnologia de ponta: imagens de fábricas modernas, com mecanismos que existem em poucas partes do mundo e apenas uma localização: Fábrica, Portugal.

A ideia é mesmo essa: se Paris não conhece a indústria têxtil nacional, as fábricas tomaram a Semana da Moda da cidade luz para mostrar o melhor do setor a quem quiser ver. “O que aparece aqui é uma amostra da qualidade portuguesa”, diz Bruno Mineiro, da Twintex, empresa que, em 2018, faturou 30 milhões de euros, acrescentando: “O que fazemos aqui é representar aquilo que os portugueses são por convicção. Temos uma herança no setor do têxtil e do vestuário, as empresas que aparecem hoje são inspiradas e inspiradoras, e que estão prontas para levar este setor para a frente a todo o vapor”.

Em 2017, a indústria nacional de têxtil e vestuário viu aumentar as exportações em 4%, para um total de 5.237 milhões de euros, um recorde absoluto de vendas no estrangeiro, confirmou o INE. O anterior recorde tinha sido fixado em 2001, tendo chegado aos 5.073 milhões.

Agora, em outubro de 2019, é a primeira vez que empresas do setor têxtil se associam para, juntas, trabalharem a estratégia ModaPortugal, com o objetivo de afirmarem o país como “parceiro de excelência na produção mundial de moda”, explica o CENIT e a ANIVEC, parcerias na iniciativa.

A ideia vem de há meses. Cinco das principais empresas têxteis nacionais, gigantes que empregam juntas largos milhares de trabalhadores, exportam para todo o mundo e asseguram faturação de centenas de milhões de euros decidiram juntar-se para mostrar ao mundo o que de bom e de bem se faz na indústria nacional. Escolheram a Semana de Moda por excelência para levar as fábricas aos compradores que, tantas vezes, nunca tiveram a oportunidade de entrar em nenhuma.

“Resolvemos associar-nos para dar voz à nossa indústria. Precisamos de mostrar ao mundo o que é a indústria em Portugal. Tudo o que fez ao longo destes anos para evoluir com um nível de competência elevado, para estarmos mais bem preparados do que qualquer parceiro europeu. A maior parte dos compradores não sabe o que é a indústria, nunca viram uma fábrica. Sabem do produto final mas não têm conhecimento do que foi preciso para chegarem até ali. É importante que conheçam todo o processo industrial, e o que podemos fazer e mudar, para que fiquem satisfeitos”, analisa Luís Guimarães, da Polopique.

Também César Araújo, da Calvelex, se associou. “Nunca trouxeram uma fábrica para a semana da moda. Tivemos esta oportunidade de poder mostrar um Portugal moderno com uma indústria sofisticada. Porque moda sem indústria não existe, então trouxemos as fábricas sofisticadas e modernas para que o público em geral pudesse ‘visitá-las'”.

A projeção da indústria têxtil portuguesa no mundo não é de agora. Há muito que os industriais veem o mercado europeu como um alvo “doméstico” e, também, há muito que exportam para países que extravasam a União Europeia. Estados Unidos, Canadá, Japão, China e Coreia do Sul são alguns dos destinos da produção da Riopele, empresa que emprega cerca de 1.100 pessoas. “As coisas têm sido tão rápidas. Terei dito em algum momento que, para 2024, queria a empresa toda sustentável. Mas, num espaço de três meses, passámos muitas metas. Não contava que pudesse garantir hoje que parte de tudo o que eu estou a fiar da empresa é reciclado. Toda a matéria-prima é reciclada, o que representa a produção de 180 toneladas por mês de fiação, com poliéster e viscose reciclada”, explica José Alexandre Oliveira, da Riopele.

E se a guerra comercial tem afetado muitos negócios no mundo inteiro, há estruturas, em Portugal, que continuam imunes ao fenómeno. Um desses casos é a Polopique. A empresa integra na sua estrutura uma lógica verticalizada, o que quer dizer que a companhia portuguesa controla o processo do início ao fim, ou seja, da fibra ao produto acabado. “A instabilidade decorrente da guerra comercial não se tem sentido porque nos tornámos uma empresa vertical e conseguimos diversificar. E isso faz com que, da maneira como o mercado está, os clientes cada vez nos procurem mais porque estamos a entregar produto. Somos uma empresa que produz do início ao fim, desde o fio à tecelagem, ao produto acabado. Tem sido uma mais-valia, e vamos esperar que continue a ser”.

Não é, por isso, de estranhar, que a empresa liderada por Luís Guimarães consiga que 100% dos tecidos produzidos sejam feitos a partir de matérias-primas recicladas. E que, de todo o algodão produzido, 50% seja orgânico. “Somos uma empresa totalmente verticalizada, das poucas que existem no mundo. Isso quer dizer que, neste momento, asseguramos da fibra até à peça acabada”, detalha o responsável.

Luzes, câmaras e… sustentabilidade

Em matéria de sustentabilidade, Bruno Mineiro acredita que se trata de “exercitar uma convicção”. “Temos essa preocupação há mais de 10 anos e, durante esse período, investimos cerca de quatro milhões de euros no sentido de reduzir as emissões da fábrica. Numa década conseguimos diminuir em 60% as emissões”, explica o responsável pela empresa que conta com 400 trabalhadores. Atualmente, a Twintex produz cerca de 55% da energia elétrica com painéis fotovoltaicos e reconverteu as máquinas para utilização de gás natural. “Concluímos que todo este investimento na sustentabilidade é economicamente viável”, justifica.

A indústria não só tem de estar perto dessas pessoas como também mostrar aos clientes que vêm ver os desfiles que, por trás das peças há uma indústria, que está em Portugal, que cada vez mais é sustentável e que quer fazer parte deste passo da sustentabilidade”, sublinha José Alexandre.

É que, em 2019, vender uma indústria têxtil moderna ao mundo passa por tecnologia de ponta e, sempre, com preocupações com o ambiente. Consumos de água mais responsáveis assim como produção de energia in house são alguns dos passos dados pelos industriais para reduzir de forma significativa a pegada ambiental. “Em termos de produção, somos uma das empresas portuguesas com maior volume de painéis solares. Neste momento 35% da nossa energia elétrica é produzida pelos painéis solares”, diz Miguel Fernandes da Paulo de Oliveira.

Reconhecida internacionalmente e a exportar há mais de 40 anos, a Paulo de Oliveira tem sabido modernizar-se tanto na produção como no design. É que se, há alguns anos, as linhas mais clássicas eram as mais apreciadas, os clientes atuais e futuros preferem novas tendências, estilos mais arrojados e, claro, a mesma qualidade de produto. “A ideia é promover a imagem, a oferta, e cativar os clientes atuais e os futuros, passando a imagem de uma indústria capaz e que pode dar cartas no mundo da moda internacional”, sugere.

Também por isso, a empresa apostou recentemente numa nova linha de produtos sustentáveis, todos reciclados. “A procura é muito grande, porque a questão da sustentabilidade é um chavão que está na moda mas as pessoas estão realmente preocupadas”, assegura Miguel. Com uma faturação de 75 milhões de euros em 2018, o grupo conta com 1.200 trabalhadores e espera manter o mesmo nível de negócios nos próximos meses.

Além da indústria

Uma das oportunidades de crescimento da indústria nacional passa também pelo desenvolvimento de marcas próprias. Esse caminho começou em 2017 para César Araújo, à frente dos destinos da Calvelex, através do desenvolvimento de marcas como a Frenken, em exposição num showroom em Paris, em plena semana da moda.

“São produtos sofisticados porque, com estas marcas, estou a competir com os melhores, e no melhor sítio”, afirma o industrial. Quatro vezes por ano, as marcas desenvolvidas pela Calvelex em escritórios de design instalados em Dublin ou Amesterdão, entre outras cidades, e produzidas em Portugal, são apresentadas em mostras temporárias, que duram cerca de duas semanas. “Trabalhamos para 20 países, temos 100 clientes”, afirma César, sublinhando que o caminho está apenas a começar e que o peso destas marcas na faturação total da empresa é, por enquanto, “marginal”. “Nós somos um Lamborghini entre grandes marcas, mas o reconhecimento ainda não é esse”, alerta o industrial, que lidera uma equipa de cerca de 700 pessoas, a partir de Portugal mas sempre com os olhos no mundo.”

A campanha lançada esta semana, em Paris, é reflexo dessa intenção. “Cinco das maiores empresas portuguesas, que são motores do setor, vieram dar uma ideia aqui a Paris, o centro do mundo da moda, daquilo que realmente está a acontecer — do que o país está a fazer em termos de tecnologia e que nos leva a ir conquistando os clientes um pouco por todo o mundo”, explica Luís Hall Figueiredo, administrador do CENIT. “Tudo o que se vai passar agora vai conseguir concentrar o interesse e a maneira como Portugal está a trabalhar”.

O ecossistema da indústria têxtil nacional conta com uma rede de mais de 5.000 empresas e emprega cerca de 120.000 trabalhadores.

*A jornalista viajou a Paris a convite do CENIT.

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