Em mar de piranhas, jacaré nada de costas

A celebração da Arte e dos artistas, uma exposição que nos revela uma nova forma de ver a Natureza, um livro sobre a arte de colecionar moscas, a importância de informação e de opinião esclarecida.

Antes de começar. Fazer contas torna-nos velhos. Mas, ainda assim, junto aqui a minha contabilidade: deixei de escrever em jornais há quase quinze anos. Alguns deles desapareceram. Outros procuram sobreviver. O mundo dos media tem procurado adaptar-se a uma nova velocidade e a diferentes formas de consumir informação. Tudo se tornou mais reativo, mais rápido, mais efémero. A atenção é um recurso escasso e constantemente desafiado pelas redes sociais, pela informação inútil e por convites explícitos à preguiça e à ausência de pensamento. Nesta matéria, a oferta supera largamente a procura. Acresce que tudo o que nos rodeia está mais imprevisível. Quem presume saber hoje o que vai acontecer amanhã, está definitivamente mal informado. E, no entanto, o jornalismo continua a ser uma das mais nobres profissões e um dos mais eficazes escrutínios quando se centra na realidade e dela pretende fazer um retrato fiel.

Neste meu feliz regresso à escrita para jornais, só prometo não escrever sobre política e economia – o ECO já tem quem o faça muito bem. Felizmente, a vida tem outras coisas a que devemos atenção e merecem parte do nosso tempo. Esta não é uma coluna de um especialista, mas de alguém que vive com curiosidade e com prazer de partilhar o que vai observando e descobrindo. Hoje, o mar da opinião é muito mais concorrido do que há quinze anos. Mas não é por essa razão que o jacaré nada de costas. Teremos tempo para falar disso.

Opinião e paz de espírito

Tornei-me um consumidor moderado de televisão, mas posso asseverar o seguinte: o comentário e os comentadores estão a fazer à informação o mesmo que o Chega fez ao Partido Socialista nas últimas eleições. Os especialistas em antena são seguramente mais do que os apresentadores e começam a competir, em número, com os jornalistas que investigam e escrevem as notícias. Especialistas em relações internacionais, estrategas em questões militares, políticos que defendem os seus partidos e ex-futebolistas que alinham pelos seus clubes, desfilam diariamente em painéis, duelos ou simples solilóquios televisivos.

Nada tenho contra os comentadores. Pelo contrário. Admiro muitos deles pela sua independência, pela pertinência do que dizem e por nos ajudarem a formar uma opinião e a compreender a realidade. No entanto, esta overdose de comentário, mesmo quando feita por jornalistas, parece-me ter um efeito duplamente perverso: secundariza a informação e banaliza a opinião. É tanta e tão presente que nos retira espaço para pensar pela própria cabeça. Ou faz-nos descobrir, pelo cansaço, a paz de espírito que se obtém por não ter opinião. Com os riscos que essa abstinência encerra.

O que a ARCO fez por Lisboa

Esta é a semana da ARCOlisboa. A oitava edição desta feira de arte contemporânea tem números impressionantes: 83 galerias de 17 países, representando mais de 470 artistas. Mas, o mais relevante desta história é a resiliência de três pessoas que nunca desistiram de afirmar a ARCOlisboa no roteiro internacional das feiras de arte contemporânea: Carlos Urroz, Maribel Lopez Zembrana e Rita Sousa Tavares. Devemos à sua persistência e à sua capacidade de persuasão junto de instituições públicas e privadas, a continuidade da ARCOlisboa e o que ela representa para as galerias, para os artistas e para o ecossistema da arte contemporânea portuguesa, mas também para a sensibilização de um público generalista e para a reputação e visibilidade de Lisboa junto de uma vasta comunidade de art lovers. A ARCO traz-nos uma semana de festa, de divulgação cultural e de valorização de uma comunidade que é essencial para uma cidade mais cosmopolita e com mais vida e pensamento crítico dentro dela. O mínimo que lhe podemos desejar é uma longa vida.

  • A ARCOlisboa decorre de 29 de maio a 1 de junho na Cordoaria Nacional, em Lisboa. Dia 29 só para profissionais, 30 e 1 para o público em geral.

Arte e moscas

O PAN que me perdoe, mas as moscas sempre me irritaram. Mas a minha embirração com insectos atenuou-se substancialmente ao ler um livro delicioso de Frederik Sjoberg. Entre deambulações pela arte, a natureza e a solidão, o livro aborda em 172 páginas, repletas de histórias e ironia, as motivações de um colecionador. Além de escritor, Sjoberg é um entomólogo, especialista em moscas-das-flores, insectos que coleciona obsessivamente. A certa altura do livro, reconhece que “as pessoas que colecionam tudo, desde que sejam coisas originais, tornam-se propensas a um fetichismo que, de facto, alivia a ansiedade“. Ele próprio relata a vertigem que teve para comprar uma propriedade apenas porque se dizia que nela existia uma latrina degradada de um famoso poeta do século XIX. Numa recente entrevista ao Público, o escritor esclareceu que colecionar insectos é, para ele, “uma espécie de auto-medicação“. Mas, é bem mais do que isso: a sua coleção de moscas-das-flores foi mostrada na Bienal de Arte de Veneza, em 2009.

  • ‘A Arte de Colecionar Moscas’ de Frederik Sjoberg foi editada em Portugal pela Zigurate. Preço de capa: 18 euros e 20 cêntimos.

A natureza segundo Maria Capelo

A obra de Maria Capelo é um espaço privilegiado de observação e compreensão da Natureza. Os seus desenhos e pinturas só aparentemente ilustram as mesmas árvores, as mesmas montanhas, as mesmas nuvens, as mesmas paisagens, os mesmos caminhos. Neles vemos o vento e a chuva que as agitam, os invernos e as primaveras que as transfiguram, as outras formas que elas encerram dentro de si. Na Sociedade Nacional de Belas Artes, com a curadoria de Nuno Faria e o desenho do espaço expositivo de José Neves, a artista, que recentemente ganhou o Prémio FLAD de Desenho, mostra 12 novas pinturas, com cores intensas, e 57 desenhos a tinta-da-china sobre papel. O crítico José Marmeleira escreveu esta semana que Sombras Rosas Sombras é uma das exposições do ano. Acho que tem razão.

  • A exposição ‘Sombras Rosas Sombras’ está patente na Sociedade Nacional de Belas Artes até 7 de junho. A entrada é gratuita.
  • Colunista regular. Diretor Geral e Administrador da Fundação EDP

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Em mar de piranhas, jacaré nada de costas

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião