Em mar de piranhas, jacaré nada de costas (VIII)

Dos que aparecem sempre, invadindo fotografias e velórios, aos que são ignorados pela História.

Ao longo da minha vida, tenho-me cruzado com pessoas que se especializaram em aparecer em fotografias onde não era suposto estarem. Embora estes episódios me causem sempre uma sensação de incomodidade, confesso uma secreta admiração pela forma descarada como deslizam, com a agilidade de gazelas, de um periférico anonimato para dentro de uma fotografia.

Conheço também pessoas que são passageiros frequentes em velórios de famosos e, que sem nunca terem conhecido o morto, se abraçam pesarosos à viúva ou viúvo, que também desconhecem, e a todas as figuras públicas, que só viram em revistas ou na televisão, como se privassem com elas desde a infância, e, num toque de requinte final, assinam o livro de condolências para formalizar uma intimidade inexistente.

Ambas pertencem a uma espécie invasora, com desejos irreprimíveis de promoção e reconhecimento. Mas, é inquestionável que os participantes inesperados em fotografias demonstram um mais apurado sentido de oportunidade que se traduz em saltar, num ápice, de um canto da sala para o campo de visão do fotógrafo enquanto dão o braço a um surpreendido ministro, embaixador, orador ou artista, e sorriem como quando se está rodeado de família e amigos. A coisa fica mais estranha quando vemos uma pessoa efetivamente famosa fazer exatamente a mesma figura, aterrando numa celebração que não lhe pertence e incapaz de conter um ego que extravasa largamente o seu corpo. Imaginem alguém, com responsabilidades no plano internacional, não se afastar quando os vencedores de um evento desportivo erguem a taça. Imaginem a estupefação dos jogadores por o verem impor a sua presença num momento não lhe pertence e para o qual não contribuiu.

A cerimónia, a ética e a ideia de que o conteúdo deve sempre prevalecer sobre a forma, ou pelo menos ser seu par, são coisas de um mundo de ontem, em que aparecer na fotografia estava longe de ser a primeira de todas as prioridades. Recebi, há anos, um conselho de um velho banqueiro: «Cada macaco no seu galho». Digo-vos, agora, algo que aprendi pela observação e por experiência própria: esqueçam o banqueiro, saltem furiosamente do vosso galho para o galho dos outros, e tornem-se naturalmente invasores de fotografias – e excluo os velórios para não vos maçar demasiado. E o futuro, este futuro, será vosso.

Que história contará Larry?

Ninguém pode garantir que Napoleão terá proferido ou escrito a seguinte frase: “A História é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um consenso”. Muitos pensadores retomaram, ao longo do tempo, esta ideia da História como uma narrativa construída a partir de disputas de poder ou, simplesmente, como a versão dos vencedores sobre as suas glórias e triunfos.

Howard Zinn, um historiador e activista norte-americano, escreveu, no final do século passado, um best-seller intitulado ‘People’s History of the United States’, em que conta a história do seu país através da voz dos oprimidos e perdedores.

Em suma, a História contém muitas histórias, umas incensadas, outras ignoradas. E essa é a maior curiosidade que suscita o projecto que reúne o casal Obama, através da sua empresa Higher Ground, e o humorista Larry David (um dos criadores das séries de culto ‘Seinfeld’ e ‘Curb your enthusiasm’), e que pretende contar os 250 anos de História dos Estados Unidos da América em seis episódios.

Larry David, apesar de se ter licenciado em História, é conhecido pelo seu humor corrosivo e muitas vezes no limiar do absurdo. É difícil prever que história sairá da sua cabeça, sabe-se apenas que a série será transmitida pela HBO e que Larry recorrerá a personagens que não mudaram a História e foram olimpicamente ignorados por ela. Estará ele a pensar especificamente em alguém para o último dos seis episódios?

  • Colunista regular. Diretor Geral e Administrador da Fundação EDP

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