Carreiras quer discutir Lei das Finanças Locais antes da descentralização

O presidente da Câmara de Cascais reuniu com Carlos Moedas e Isaltino Morais para avaliarem interesses comuns. Critica descentralização, mas rejeita o caminho escolhido por Rui Moreira.

Estamos a discutir a descentralização sem debater a lei das finanças locais que, até hoje, nunca foi aplicada”, alerta, em tom crítico, o presidente da Câmara Municipal de Cascais. Carlos Carreiras afirmou ao ECO Local que “a questão da descentralização está de pernas para o ar, porque não interessa discutir caso a caso, mas, sim, ter uma perspetiva geral do país”. Depois de uma reunião conjunta com os presidentes de Lisboa, Carlos Moedas, e de Oeiras, Isaltino Morais, o autarca de Cascais insiste que “não é a discutir município a município” que se vai resolver esta situação que já tem feito correr muita tinha no país.

A solução para este impasse e discordância entre muitos dos autarcas e o Governo, que o país está a viver relativamente ao processo de transferência de competências, passaria, então, “por algo consistente e com impacto nacional“. Caso contrário, avisa, “está-se a discutir município a município e quem recebe mais ou menos dinheiro”. Por isso mesmo, o edil de Cascais aponta a implementação de “uma política nacional para a própria descentralização” como resposta a este imbróglio que se está a tornar polémico.

Para Carlos Carreiras, Carlos Moedas e Isaltino Morais, há neste processo da descentralização uma questão fulcral que não se está a discutir e a que chegaram a acordo, na reunião que tiveram, na quarta-feira. “Queremos que o Governo informe qual a percentagem do Orçamento de Estado (OE) global que está disposto a afetar para a descentralização de competências que, neste momento, se situa entre 5 a 6%”, alerta o autarca de Cascais, referindo que “serão 12 mil milhões de euros afetos à descentralização”. Só depois, prossegue, “se podem definir quais são as áreas prioritárias a descentralizar”. Até porque, critica, “estamos a ir pela árvore e não estamos a olhar a floresta toda”, reitera, explicando que “depois ainda é preciso saber se os municípios gastam de forma eficaz esse dinheiro”.

Carreiras, como Moedas e Isaltino, subscreve as críticas de Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, à forma como o Governo está a conduzir o processo, mas distancia-se do caminho seguido, que tem outros adeptos, como como o autarca da Trofa, Sérgio Humberto, que já manifestou vontade de sair da ANMP. Ainda que os três presidentes de Câmara discordem de alguns aspetos da transferência de competências, o autarca de Cascais garante que não vai seguir o exemplo do autarca do Porto, quando desvinculou a autarquia da Associação Nacional de Municípios (ANMP), liderada pela socialista Luísa Salgueiro. Entretanto, há mais autarcas que ameaçam seguir-lhe os passos, não sendo de todo o caso de Lisboa, Cascais e Oeiras. O caminho não passa por aí, diz Carreiras. “Não pretendemos sair da ANMP, ainda que concordemos com os argumentos de Rui Moreira”, garante o social democrata de Cascais que, há dois mandatos, já foi presidente do Conselho Geral da ANMP.

Primeiro urge definir os objetivos estratégicos e depois delinear quais as políticas que sustentam o cumprimento desses mesmos objetivos.

Carlos Carreiras

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Ora, é aqui na forma como o processo está a ser conduzido e todas as dúvidas que tem suscitado que reside o calcanhar de Aquiles da descentralização. “Primeiro, urge definir os objetivos estratégicos e depois delinear quais as políticas que sustentam o cumprimento desses mesmos objetivos”, defende Carlos Carreiras em nome dos dois homólogos de Lisboa e Oeiras. Só assim os três presidentes de Câmara entendem que o processo de descentralização terá pernas para andar no país.

A descentralização foi, assim, um dos temas que esteve, em cima da mesa, da primeira de muitas reuniões mensais que o autarca de Cascais vai ter com os homólogos de Lisboa e de Oeiras. O objetivo destes encontros é criar sinergias e garantir “mais meios e autonomia” para cada um intervir em determinadas áreas que são problemáticas para os três concelhos. Uma delas é precisamente a descentralização de competências.

Os três autarcas estão dispostos a contribuir com o considerável e “enriquecedorknow-how que têm no terreno no que diz respeito a esta matéria. “Temos muita experiência acumulada nas áreas da educação e da saúde e, como tal, poderíamos contribuir com a nossa experiência para a discussão que está a haver a nível nacional”, frisa Carlos Carreiras, advertindo que esta é uma decisão unânime entre os três municípios. “Podemos partilhar os aspetos positivos e negativos desta nossa experiência“, assegura o autarca social democrata.

ANMP tem de ter outra postura com o Governo

Ainda assim, os presidentes de Câmara de Lisboa, Oeiras e Cascais defendem que, em matéria de transferência de competências, “a ANMP tem de ter outra forma de funcionar na relação que tem com o Governo”.

Este processo já tem feito correr muita tinta na praça pública e até suscitou as tomadas de posição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro António Costa. O chefe de governo já garantiu que só negocia esta matéria com a ANMP e, entretanto, Rui Moreira tirou da cartola uma última cartada ao pedir a Presidente da República que não promulgasse o OE 2022 até ser corrigido. Mas o Chefe de Estado recusou e deixou bem claro que, pela sua experiência, e “apesar de haver dúvidas ou objeções ou insuficiências para o futuro, o custo de não promulgar é muito superior à vantagem que se pode retirar de mandar para a Assembleia da República”. Marcelo Rebelo de Sousa prefere, sim, um debate alargado na Assembleia da República sobre o que se transfere de poderes e os recursos para a transferência, porque tem sido, até agora, um fator de unidade nacional”.

Além da descentralização, Carlos Moedas, Carlos Carreiras e Isaltino Morais têm outros temas a pôr em cima da mesa, particularmente com o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos. Entre elas, “questões que são comuns aos três municípios numa lógica de desenvolvimento”, estão pôr em marcha um plano comum para as zonas costeira e ribeirinha, assim como solucionar o problema da habitação dos três concelhos.

Os três autarcas estão encetar esforços no sentido de fazer ver o Governo que querem ter mais “meios e autonomia” com vista ao aumento da capacidade de intervenção de cada um dos municípios nestas áreas. “Os três municípios têm muita coisa em comum e representam uma parte substancial do PIB, além de terem um milhão de habitantes com um peso significativo na Associação Metropolitana de Lisboa (AML)”, realça Carlos Carreiras.

Queremos que os terrenos, que eram urbanos e passaram a rústicos, voltem a ser urbanos para se construir habitação pública.

Carlos Carreiras

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

A habitação, exemplifica, “é um problema grave e que pode ser uma bomba social na AML. Não é só uma questão de financiamento”, avisa. É muito mais grave do que isso. “Não há terrenos para construir habitação social e, por isso, propomos uma solução em termos do ordenamento”, revela ao ECO Carlos Carreiras. “Queremos que os terrenos, que eram urbanos e passaram a rústicos, voltem a ser urbanos para se construir habitação pública”, divulgou. Aliás, defende, “não se consegue resolver o problema da falta de habitação, que é uma obrigação do Estado central, se não houver colaboração dos municípios que precisam de terrenos. E se não há terreno, logo não conseguem dar essa ajuda”.

Por tudo isto, os três autarcas consideram que podem “ajudar o Governo a ultrapassar a crise económica e social que o país atravessa”, nomeadamente no que toca à problemática da habitação social. Lamentam ainda serem “os três únicos municípios do país que não recebem fundo geral municipal e fundo social municipal”. Por isso mesmo, querem saber a razão de tal discriminação. “Estas verbas iriam permitir reforçar as receitas do município e fazer investimentos em necessidades que temos nos concelhos”, frisa.

O autarca de Cascais tem outras reivindicações. Só para o seu concelho, gostaria de ter um polo da Universidade Nova, na área do direito marítimo, assim como uma praça financeira para tratar os assuntos do mar cuja criação já foi, aliás, referida pelo ministro da Economia e do Mar para a região de Lisboa. “Gostaríamos de ter isso em Cascais, porque temos capacidade e massa crítica já desenvolvida”, nota o social democrata.

O Governo encontrar uma solução para o problema da forma como é decidido “o próprio ordenamento e legislação dos assuntos do mar” é outra das questões que os três autarcas querem ver debatida. Assim como o tema mobilidade cujos projetos têm de sair, de uma vez por todas, do papel para arrancarem. “Desconhecemos como está o processo da linha ferroviária que liga Cascais, Oeiras e Lisboa, mas sabemos que está tudo muito demorado”, diz. Outro projeto que desconhecem como decorre “tem a ver com o elétrico que liga Lisboa ao Vale do Jamor. O objetivo é que haja melhorias ambientais e não entrem tantos carros em Lisboa”.

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