Faturação eletrónica fomenta a inovação, mas custos travam as PME
Especialistas alertam que os adiamentos da faturação eletrónica obrigatória para as PME são uma “oportunidade perdida” para inovar. Do lado das empresas, há um protelar explicado pelos custos.
A obrigatoriedade da faturação eletrónica para as pequenas e médias empresas (PME) e microempresas tem sido constantemente adiada pelos Orçamentos de Estado (OE). Embora estas prorrogações deem mais tempo para que estas entidades se preparem para a mudança, deixando para trás as faturas em papel, os especialistas que isto pode estar a travar a sua aposta na inovação.
As obrigações sobre a emissão de faturas eletrónicas entraram em vigor para as grandes empresas em 2021. Para as restantes empresas, mais pequenas, esta data já foi adiada em três anos consecutivos, sendo que o novo prazo para aderirem à faturação eletrónica está, agora, fixado a 1 de janeiro de 2026. A partir desse momento, será também obrigatório que todas as faturas tenham assinatura digital qualificada.
“Os adiamentos podem ser compreendidos à luz dos desafios enfrentados pelas PME portuguesas, que continuam a lidar com constrangimentos orçamentais, escassez de recursos técnicos e a necessidade de adaptação a múltiplas alterações legais em prazos frequentemente curtos”, afirma Pedro Montez, Senior Manager Legal Watch na Cegid, ao ECOntas.
Esta obrigatoriedade vai representar um esforço financeiro para as empresas mais pequenas. “A faturação eletrónica para as micro e PME vai, seguramente, obrigar ao investimento em novos softwares ou ao desenvolvimento dos que já existem, a gastos acrescidos com o suporte técnico e à formação dos colaboradores, de forma a respeitar os requisitos legais”, refere Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP).
Ainda que os custos sejam relevantes, o adiar da adesão a esta nova forma de trabalhar digital “tem consequências que não podem ser ignoradas. Desde logo, adiam os benefícios tangíveis da faturação eletrónica, nomeadamente a maior transparência fiscal, a redução de custos administrativos, o reforço do controlo interno nas organizações e a melhoria do combate à evasão e fraude fiscal”, sublinha o especialista da Cegid.
"Os sucessivos adiamentos refletem a preocupação legítima com a preparação do tecido empresarial, sobretudo das micro e pequenas empresas. Contudo, esta prática recorrente adia investimentos em software, formação e novos processos, criando um efeito de incerteza que prejudica o planeamento das empresas e o avanço tecnológico do país. ”
“Esta prática recorrente adia investimentos em software, formação e novos processos, criando um efeito de incerteza que prejudica o planeamento das empresas e o avanço tecnológico do país. Portugal arrisca um desalinhamento com os calendários da União Europeia, atrasando-se face a práticas mais maduras de digitalização e sustentabilidade”, nota, por outro lado, António Santos.
“A faturação eletrónica não deve ser vista apenas como uma obrigação legal, mas como uma oportunidade para modernizar processos administrativos, reduzir burocracia e promover um funcionamento mais eficiente e ágil das empresas”, aponta o consultor sénior de oferta e operações da Minsait em Portugal, frisando que o “efeito negativo dos atrasos na publicação do regulamento torna duvidosa a aplicação do regulamento e faz com que as empresas não invistam até que ele seja uma realidade”.
“Cada adiamento representa uma oportunidade perdida para acelerar a modernização das empresas portuguesas. Em vez de se promover competitividade, eficiência e transparência, prolonga-se a incerteza e reforça-se a perceção de que o cumprimento pode ser eternamente adiado”, afirma, por sua vez, Rui Fontoura, managing director da Sovos Europa.
Perante o adiamento das novas regras e, com isso, da aposta na inovação, as empresas de menor dimensão ainda têm algum trabalho de preparação pela frente para conseguir cumprir esta obrigatoriedade. Um estudo divulgado pela Cegid em 2023 mostrava que apenas 39% das PME portuguesas tinha aderido à faturação eletrónica.
"A necessidade de investir em software específico, em formação de pessoal e na adaptação de procedimentos internos pode representar um esforço muito significativo, pelo que as empresas poderão não reconhecer, numa primeira fase, os benefícios desta transição, criando, naturalmente, uma resistência à mudança.”
“É certo que algumas empresas já estão a adotar soluções digitais e podem estar preparadas para a transição, dando resposta a esta exigência” que vai, a “longo prazo, permitir uma redução de custos, associados à impressão e envio postal, contribuindo simultaneamente para a sustentabilidade ambiental” e “melhorar a eficiência da empresa, tornando-a mais competitiva”, diz Luís Miguel Ribeiro. “As empresas poderão não reconhecer, numa primeira fase, os benefícios desta transição, criando, naturalmente, uma resistência à mudança”, alerta o presidente da AEP.
“As empresas portuguesas estão, de forma progressiva, a preparar-se, mas existe ainda um caminho considerável a percorrer”, refere António Santos, da Minsait. Entre as entidades de maior dimensão, este trabalho já está mais adiantado. “As grandes empresas e organizações com estruturas financeiras mais robustas têm, em regra, vindo a preparar-se com maior antecedência, adotando soluções de faturação eletrónica integradas, compatíveis com os requisitos legais em matéria de assinatura digital qualificada e arquivo eletrónico”, afirma Pedro Montez, da Cegid. Isto porque também já são obrigadas a cumprir as novas regras.
Faturação eletrónica para combater fraude fiscal
A expectativa entre os especialistas é de que o novo Governo liderado por Luís Montenegro mantenha o calendário relativo à faturação eletrónica obrigatória, ainda que não haja menção ao tema no programa que agora apresentou. Esta ferramenta, dizem os especialistas, vai também ajudar a combater a fraude fiscal.
“As mudanças políticas recentes e a entrada em funções do novo Governo suscitam expectativas renovadas relativamente ao futuro da faturação eletrónica”, indica Pedro Montez, Senior Manager Legal Watch na Cegid, pedindo ao Executivo que “mantenha o compromisso com a modernização do sistema fiscal português, nomeadamente através da consolidação da faturação eletrónica como instrumento central para a transparência, a simplificação e a eficiência fiscal”.
"Estamos expectantes que o novo Governo mantenha o compromisso com a digitalização da economia e garanta a previsibilidade na execução das medidas já calendarizadas. Portugal precisa de estabilidade regulatória para que as empresas possam planear com confiança e não fiquem reféns de sucessivos recuos.”
Esta posição é partilhada por Rui Fontoura, que diz estar “expectante que o novo Governo mantenha o compromisso com a digitalização da economia e garanta a previsibilidade na execução das medidas já calendarizadas. Portugal precisa de estabilidade regulatória para que as empresas possam planear com confiança e não fiquem reféns de sucessivos recuos”. Para o managing director da Sovos Europa, a faturação eletrónica deve ser “uma ferramenta essencial no combate à fraude fiscal por parte dos governos”.
Também António Santos pede estabilidade na nova legislatura. “Esperamos que o novo executivo defina uma estratégia clara e estável para a implementação da faturação eletrónica, garantindo previsibilidade e reforçando a confiança das empresas para investir”, aponta o consultor sénior de oferta e operações da Minsait em Portugal, apelando ainda que sejam “criadas medidas e incentivos específicos para acelerar a adoção, nomeadamente junto das PME, promovendo não só a conformidade legal, mas a transformação digital como um motor de competitividade e alinhamento com as melhores práticas da União Europeia”.
O EContas questionou o Ministério das Finanças sobre este tema, mas não obteve resposta.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Faturação eletrónica fomenta a inovação, mas custos travam as PME
{{ noCommentsLabel }}