PRR acelera mas fica aquém das metas anuais no primeiro trimestre

A UTAO considera que a execução da "bazuca europeia" mantém-se aquém do desejável, com a lentidão dos processos e a insuficiente transparência a porem em risco a plena utilização dos fundos europeus.

A execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) no primeiro trimestre de 2025 evidenciou uma aceleração significativa face ao período homólogo, mas permanece muito aquém do ritmo necessário para cumprir os objetivos anuais.

Segundo o relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) divulgado esta sexta-feira, “a despesa do PRR financiada por fontes comunitárias ascendeu a 560 milhões de euros (0,8% do PIB), representando 7,2% do objetivo anual, tendo subjacente um ritmo de crescimento aquém do previsto”.

O documento técnico elaborado por Filipa Almeida Cardoso, Jorge Silva e Vítor Nunes Canarias revela uma fotografia alarmante da implementação do maior programa de investimento público das últimas décadas, cuja aplicação dos recursos está a cargo da Recuperar Portugal, liderada por Fernando Alfaiates, e sob a fiscalização da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência.

Apesar do crescimento de 67% face aos primeiros três meses de 2024, o baixo grau de execução face às metas anuais levanta questões sobre a capacidade de Portugal absorver integralmente os fundos europeus até ao prazo limite de 2026.

No apuramento dos efeitos do PRR, persiste a insuficiência de informação sobre o subsetor da Administração Local, o que impede o apuramento da natureza económica da despesa final, constituindo este o segundo subsetor mais importante na implementação deste plano.

UTAO

Relatório de acompanhamento da execução orçamental em contabilidade nacional referente ao primeiro trimestre de 2025

Um dos dados mais reveladores do relatório prende-se com a componente habitacional do PRR. A UTAO estima que “18% (cerca de 105 milhões de euros) da despesa do PRR no primeiro trimestre se destine à implementação da componente de habitação”, uma fatia considerável dos recursos aplicados. No entanto, os técnicos fazem um apelo “à divulgação de informação que permita apurar o impacto individualizado de cada uma das medidas que compõem esta componente”.

Esta lacuna informativa torna-se ainda mais relevante quando se considera que Portugal é o país da União Europeia que maior percentagem do seu PRR destinou à habitação. A falta de transparência sobre o impacto específico de cada medida habitacional dificulta a avaliação da eficácia dos diferentes programas em curso, alertam os autores do documento

Divisão equilibrada entre setor público e privado

A análise da UTAO mostra ainda que, “no primeiro trimestre de 2025, o PRR distribui-se em partes aproximadamente iguais entre o setor privado e público”. Concretamente, cerca de metade da despesa total (292 milhões de euros) destinou-se às Administrações Públicas, enquanto o remanescente (282 milhões) foi canalizado para os restantes setores da economia.

Esta distribuição equilibrada reflete a natureza dual do PRR, que combina investimento público direto em infraestruturas e serviços com apoios ao investimento privado nas transições climática e digital. “As ajudas ao investimento destinam-se maioritariamente aos outros setores da economia (71,6% do pacote num valor equivalente a 200 milhões de euros), sobretudo empresas (139 milhões de euros) e instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias (61 milhões de euros)”, detalha o relatório.

Um dos problemas mais graves identificados pela UTAO prende-se com a falta de informação sobre a Administração Local, que constitui o segundo subsetor mais importante na implementação do PRR. “No apuramento dos efeitos do PRR, persiste a insuficiência de informação sobre o subsetor da Administração Local, o que impede o apuramento da natureza económica da despesa final, constituindo este o segundo subsetor mais importante na implementação deste plano”.

Esta limitação tem consequências práticas para a avaliação e controlo da execução. Como refere o documento, “mesmo a autoridade estatística (INE) apenas consegue aceder à informação indiretamente, através das transferências feitas pela Administração Central (AdC) para a Administração Local (AdL). No entanto, este método não permite apurar a natureza final da despesa e dificulta a consolidação da informação e a avaliação futura dos efeitos do PRR”.

O problema é particularmente agudo na componente habitacional, onde a Administração Local desempenha um papel crucial. A UTAO alerta que esta “insuficiência de informação sobre este subsetor não permite fazer esta distinção, o que tem vindo a ser sinalizado pela UTAO em sucessivos relatórios”.

Financiamento quase integralmente comunitário

Do ponto de vista financeiro, a execução do primeiro trimestre foi quase integralmente suportada por fundos comunitários, com 80% da despesa total de 574 milhões de euros (0,8% do PIB) a ser garantido em subvenções, 18% por empréstimos do mecanismo NextGenerationEU e os restantes 2% por cofinanciamento nacional.

Esta estrutura de financiamento tem implicações orçamentais importantes. Enquanto as subvenções não afetam o saldo orçamental, os empréstimos agravam-no, representando um custo de 117 milhões de euros no primeiro trimestre, segundo cálculos da UTAO. A crescente utilização da componente de empréstimos – que registou um aumento de 88% face ao período homólogo – constitui um fator de pressão adicional nas contas públicas.

A estrutura da despesa executada mostra uma prevalência do investimento em capital fixo. “A despesa concentrou-se na componente de capital, que representou 76,6% (440 milhões de euros) do total, refletindo maioritariamente as ajudas ao investimento à economia (279 milhões de euros), mas também o investimento no setor público (160 milhões de euros), evidenciado em FBCF [investimento]”, referem os autores da análise.

O relatório da UTAO evidencia que, apesar dos progressos registados no primeiro trimestre, persistem desafios estruturais na implementação do PRR que exigem atenção urgente das autoridades.

Entre os projetos de maior destaque no trimestre, a UTAO identifica a modernização dos estabelecimentos de ensino superior e a ampliação da oferta pública habitacional para estudantes, através do Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior (30 milhões de euros) e os projetos Missing Links e Digitalização do transporte ferroviário (18 milhões de euros.

A previsão do Governo para este ano aponta para uma aceleração muito significativa da aplicação dos recursos do PRR, com a despesa programada a representar “o triplo da executada em 2024”. No entanto, os dados do primeiro trimestre sugerem que esta meta será difícil de alcançar sem uma mudança substancial no ritmo de execução nos trimestres seguintes.

O relatório da UTAO evidencia que, apesar dos progressos registados no primeiro trimestre, persistem desafios estruturais na implementação do PRR que exigem atenção urgente das autoridades. A combinação de metas ambiciosas, prazos apertados e deficiências no sistema de informação cria um cenário de risco para a plena absorção dos fundos europeus disponíveis.

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