Autárquicas em Sintra: a “herdeira” de Edite Estrela, o ex-proscrito do PSD e a pupila de Ventura

Desde Edite Estrela que não havia uma militante socialista na corrida a Sintra. No PSD, após a "teimosia" de Passos e Rio, regressa Marco Almeida. E num espaço que já foi do PCP, surge o Chega.

Vila sede do segundo concelho mais populoso do país, Sintra é, por múltiplas razões, uma joia do país e do mundo, reconhecida como património da UNESCO, e além do que a faz perdurar como grandiosa, tem, este ano, também um lado conjuntural como tira-teimas eleitoral dos três maiores partidos da cena política nacional.

No partido incumbente, Ana Mendes Godinho pode conseguir algo que não se verifica desde Edite Estrela, a vitória de alguém com cartão partidário socialista e mulher. O PSD repesca Marco Almeida, proscrito sob as lideranças nacionais de Passos Coelho e Rui Rio, e que se torna parceiro da IL e do PAN, afastando o CDS, que desde há 49 anos tem sido o parceiro dos social-democratas na ascensão à cadeira do poder.

Mais à direita, o Chega leva a deputada Rita Matias, estrela nas redes sociais e uma das grandes esperanças do partido. Apesar dos pergaminhos da jovem que cinco dias depois das eleições celebrará os seus 27 anos, nem assim Ventura se permite descansar em São Bento, tendo transportado a sua fama à primeira grande arruada sintrense, entre beijos e abraços, enquanto Rita Matias ficava em segundo plano no foco das câmaras da imprensa.

A pupila de Ventura tem a sua segunda experiência autárquica, depois de em 2021 ter sido quinta da lista do partido para a Câmara de Alcochete e sétima para a Assembleia Municipal, muito longe de lugares elegíveis, tendo o Chega amealhado apenas um deputado municipal no concelho do distrito de Setúbal, pelo qual Rita Matias tem sido eleita para São Bento.

À esquerda, o PCP mantém um experiente vereador, enquanto o Bloco de Esquerda vai sozinho, lamentando não conseguir replicar em Sintra a coligação de esquerda que Alexandra Leitão lidera em Lisboa.

Impedido, pela lei de limitação de mandatos, de concorrer a um quarto mandato consecutivo, a quem passará o atual presidente as chaves do concelho e os códigos online da conta bancária com 200 milhões de euros?

Para suceder a Basílio Horta, o PS puxou da cartada de uma ex-governante. O legado é pesado, perante as votações maioritárias obtidas pelo fundador do CDS, deputado da Constituinte, ex-candidato presidencial com chancela centrista – num ano em que o primeiro-ministro Cavaco Silva apoiou Mário Soares na recandidatura presidencial deste.

Ana Mendes Godinho surge coligada com o Livre, uma fórmula bipartidária que em 2021 ganhou a Câmara de Felgueiras e que este ano se repete ali sob o lema “Sim Acredita”. Já a união sintrense esteve prestes a ser rasgada à beira do “altar” e, escreveu o Público, levou a ex-ministra a ameaçar “bater com a porta” se a estrutura socialista local boicotasse a união. Talvez por isso, o intervalo entre o anúncio da candidatura e a apresentação demorou tanto que os dois atos foram feitos por dois líderes distintos do PS e em duas legislaturas distintas no país.

Caso a pretensão do BE tivesse sido atendida, a proposta eleitoral socialista ainda traria este outro símbolo político associado. Contudo, se o facto de incorporar o Livre já criou anticorpos, chamar o BE para uma coligação no concelho que o ex-centrista Basílio Horta governou ao longo de 12 anos poderia ter sido demais.

Numa nota no site do partido de Mariana Mortágua lê-se que “o Bloco de Sintra salienta que tentou ‘ao longo dos últimos meses’ construir soluções alargadas à esquerda para ‘enfrentar o risco real da extrema direita no município’. Mas PS e CDU ‘não mostraram interesse’ e o Livre optou por alinhar com o PS”. Sendo certo que não há coligações pós-eleitorais, e que governa o partido, coligação ou movimento de cidadãos com mais votos, o receio do “risco real da extrema direita” é a assunção de que, depois da vitória do Chega em Sintra nas legislativas de 18 de maio, ganharam tração os receios de vitória da candidatura encabeçada por Rita Matias.

Ainda estarão os sintrenses com Marco Almeida?

Mas nem só à esquerda houve desalinhamento. O PSD avança com um seu ex-proscrito, Marco Almeida. Ex-vice da governação de Fernando Seara, é um político que mostrou ser mais forte em Sintra que o próprio PSD nas autárquicas de 2013, quando Passos Coelho o preteriu e “obrigou” a ir a votos como independente no movimento “Sintrenses com Marco Almeida”. Em 2017, encabeçou a candidatura liderada pelo PSD e CDS, e em 2021 foi de novo dispensado, mas por Rui Rio, em favor de Ricardo Baptista Leite, e os números mostram que a votação pouco variou com e sem Almeida, mantendo os partidos da AD quatro vereadores, com a diferença de que no atual mandato Basílio Horta perdeu a maioria socialista, ao ver um vereador “fugir” para o Chega.

Regressado em 2025 como candidato do PSD, partido no qual se voltou a afiliar em 2018, Marco Almeida alia-se à Iniciativa Liberal e, surpresa da última semana, também ao PAN, que se veio somar à coligação de direita. PAN que, em Lisboa, onde se fez a união de esquerda que o BE queria para Sintra, está ao lado do PS. E no caso da cidade património da Humanidade, a fazer fé nos resultados de 2021, o partido de Inês Sousa Real vale mais cerca de 1000 votos que a IL.

Para Marco Almeida, vestir a camisola laranja é um regresso ao partido com o qual o sintrense se fez vereador e depois vice-presidente – a referência à naturalidade não é de somenos, já que o próprio a usa para se destacar face às “forasteiras” Mendes Godinho e Rita Matias. São precisamente estas as maiores ameaças à sua tão procurada vitória autárquica, segundo as sondagens internas do PSD, nas quais o Chega começou a aparecer à frente do PS após os resultados de 18 de maio, apurou o ECO/Local Online junto de fonte social-democrata.

Apesar de ser candidato oficial social-democrata, Marco Almeida tem a particularidade de se apresentar pelo concelho em cartazes onde não há qualquer logo de partidos. Isto, quando, no site oficial escreve “sou candidato à presidência da Câmara Municipal de Sintra pelo PSD”, enquanto em 2017 a mensagem era “apoio do PSD, em coligação com o CDS-PP, PPM e MPT”. A inexistência de símbolos partidários reflete a indefinição, aquando da colocação dos outdoors, sobre quem seria(m) o(s) parceiro(s) de coligação, ouviu o ECO/Local Online de socialistas de Sintra.

No site da candidatura lê-se que Marco Almeida se candidata “pelo PSD”, mas nada nos outdoors o indicia. Aqui, não entram os símbolos do PSD, nem da IL nem do PAN, membros da coligação

A união de facto com os liberais rompeu o casamento sintrense de 46 anos com o parceiro CDS, que, sentindo-se traído na falta de informação prévia da coligação, lança-se a solo com o seu atual vereador Maurício Rodrigues. Este fez a sua apresentação oficial nesta quinta-feira.

Marco e Maurício cultivam a inimizade da competição política, pelo menos desde que Rui Rio escolheu Ricardo Baptista Leite para candidato em 2021, frustrando a expectativa do atual candidato laranja de se candidatar com o apoio do PSD. Dessas autárquicas, Maurício Rodrigues saiu como vereador ao lado de Baptista Leite. E o centrista não poupou nas palavras quando, há dias, anunciou a candidatura do CDS a solo: Sintra, escreveu numa nota de imprensa, “merece também libertar-se de um projeto pessoal que se arrasta há mais de 16 anos — ora sozinho, ora com partidos, ora com coligações de matriz indefinida — e que continua a repetir as mesmas mensagens, como se o concelho tivesse ficado parado no tempo”. O “projeto pessoal” apontado é, claro, o de Marco Almeida.

Para o PSD, a eleição em Sintra enquadra-se num grande território que espera manter ou conquistar, com a particularidade de este ser o segundo mais populoso município do país, atrás da Lisboa que os sociais-democratas lideram. Além da capital, também em Cascais são incumbentes, enquanto que em Oeiras aliaram-se na vitória praticamente certa de Isaltino Morais, e na Amadora há expectativa na capacidade de a recandidata Suzana Garcia, uma fã de Isaltino, bater o presidente socialista, chegado ao cargo a meio do atual mandato.

Nesta medição de forças na Grande Lisboa, também para o PS reside em Sintra um valor preponderante.

A união com o Livre motivou acesa discussão nas estruturas do PS. De fora ficou o Bloco de Esquerda, que tem candidato próprio e lamenta a ausência de uma frente de esquerda, modelo em que os socialistas apostam em Lisboa

Afastados do Porto e de Lisboa há 25 e há quatro anos, respetivamente, os socialistas são obrigados a apresentar novos candidatos para as suas câmaras de Gaia e Sintra. Mas se em Gaia perderam Eduardo Vítor Rodrigues num polémico caso de utilização indevida do carro da câmara para “ir às compras”, em Sintra Basílio Horta é um incontestado líder.

Basílio, por opção, deixou há quase um século o partido que fundou, e em 2011 entrou nas fileiras do PS ao Parlamento nacional. No entanto, não se fez militante, o que torna Edite Estrela a última pessoa com cartão de militante a sentar-se na cadeira principal do largo dos Paços do Concelho.

A polémica autarca continua a ser a única a quebrar o ciclo masculino naquela câmara. Ana Mendes Godinho quer ser a segunda. Só que, para tal, tem de convencer os sintrenses que é melhor que o há muito vereador e ex-presidente Marco Almeida, e, em simultâneo, anular o efeito Chega, encabeçado por uma jovem política que também poderá entrar na história como a segunda “presidenta” no município.

Rita Matias poderá chegar à presidência, mas, ouve o ECO/Local Online entre a oposição nos corredores de São Bento, a deputada não se deixa encantar pela dimensão da tarefa que teria em mãos.

Como acontece ao longo do país, também em Sintra se puxa pelo presidente do partido nos cartazes, algo de invulgar em autárquicas, onde, por regra, os demais partidos e movimentos recorrem apenas à figura de quem se candidata a presidente (foto disponível na conta de Facebook de Rita Matias)

Tal como que se salienta no PS e no PSD, Basílio Horta deixa no banco 200 milhões de euros. Este valor permitiria ao Chega começar de imediato a fazer obra e a mostrar o que vale no poder executivo, que para já não tem em qualquer lugar ou órgão no país.

A 18 de maio, no furacão eleitoral conseguido pelo partido de Ventura, os sintrenses foram claros: vitória chegana, AD em segundo e PS em terceiro. O PCP, que chegou a ficar a 700 votos de uma vitória autárquica em Sintra nos anos 80 do século passado, quedou-se há dois meses pelos 3,14%. Rio de Mouro; Cacém e São Marcos; Queluz e Belas; Almargem do Bispo, Pêro Pinheiro e Montelavar; Casal de Cambra; e Algueirão-Mem Martins, freguesia natal de Ventura, deram vitória ao partido fundado por este, e que tem nestas autárquicas a grande prova de fogo para mostrar que não é o partido de um homem só.

A eleição de Matias é um dos exemplos da potencial sangria parlamentar que o Chega enfrenta, e que inclui, entre duas dezenas de outros deputados de São Bento, o líder parlamentar, Pedro Pinto, que por estes dias apareceu nos cartazes da capital algarvia, ao lado de André Ventura (uma constante na comunicação autárquica do partido) com a sugestiva mensagem de “Tornar Faro grande outra vez”.

PSD com IL e PAN mas sem o seu parceiro de sempre

Sabendo-se que, nas autárquicas, por um se ganha e por um se perde, o CDS, a ganhar câmaras ao lado dos social-democratas desde 1979, vai agora a solo. Há 46 anos, destronaram o primeiro autarca sintrense do tempo da democracia, eleito pelo PS e com Maria Barroso a encabeçar a Assembleia Municipal.

Em 2025, com o filho da ex-primeira-dama, João Soares, a seguir as pisadas da mãe e candidatar-se à liderança da assembleia municipal ao lado de Ana Mendes Godinho, não se pode colocar de parte que o CDS venha a amealhar os votos que poderão faltar a Marco Almeida, embora no PSD se acredite que a soma dos votos do partido e daqueles que Almeida já provou conseguir captar a solo na candidatura de 2013 – acrescidos à força eleitoral de IL e PAN – seja suficiente para bater o partido incumbente.

Foi o CDS que assegurou a manutenção da autarquia em 1982, quando a APU (antecessora da CDU) ficou a 1400 votos da vitória, e depois em 1985, ano em que os comunistas encurtaram a distância para 700 votos, numa altura em que contavam com Lino Paulo, símbolo da importância da proximidade na conquista de votos em autárquicas.

A “dinastia” laranja acabaria em 1993, quando o PS venceu uma AD ferida após a perda de mandato de João Justino. Surge então Edite Estrela, a autarca que celebrou a elevação de Sintra a Património da Humanidade (processo iniciado em 1988, com intervenção, entre outros, de Lino Paulo), que descerrou a placa do IC19, mas que teve mandatos com vários casos polémicos, denunciados, designadamente, por Fernando Seara, que lhe tirou as chaves da câmara em 2001 e é agora candidato a presidente da Assembleia Geral pela coligação PSD/IL.

No meio desta história, o PCP, que já foi um elemento de grande peso na cena política de Sintra, aparece em 2025 com um seu militante, vereador da câmara há 13 anos. Pedro Ventura tem no curriculum vários pelouros – Atividades Económicas, Licenciamentos e Gestão de Mercados; Serviço Municipal de Informação ao Consumidor e, atualmente, Gabinete de Intervenção das Cidades, Gabinete de Ambiente e Sustentabilidade Ambiental. Na sua biografia, o presidente da empresa de estacionamento de Sintra e ex-administrador dos SMAS Sintra e da Fundação CulturSintra, inclui a sua condição de sócio do Sport Lisboa e Benfica. Em caso de necessidade de consensos numa eventual liderança laranja, está encontrada uma potencial ponte com o PSD de Fernando Seara, o ocupante da cadeira do poder até à chegada de Basílio Horta.

Uma cadeira que o atual presidente não poderá ocupar após outubro. Na verdade, nada o impedirá de regressar à corrida autárquica em 2029, o que o próprio exclui, apesar de, como disse na Local Summit do ECO após as legislativas de 18 de maio, lamentar não poder ser recandidato a 12 de outubro: “Tenho pena de não ser. Eu, que estava a respirar fundo por não ser, agora, com isto [resultado do Chega nas legislativas], tenho muita pena de não ser!”

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