“Controlo de qualidade às auditoras deve focar-se em fatores de risco”

O bastonário da OROC considera que é preciso ajustar a forma de selecionar as auditorias a serem alvo do controlo de qualidade, deixando para trás o sorteio e passando a focar-se em fatores de risco.

Todos os anos, a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) faz um controlo de qualidade junto das auditoras, com o objetivo de promover maior transparência da atividade e melhorar os serviços prestados. Mas Virgílio Macedo, bastonário da OROC, considera que é preciso mudar a forma de selecionar as entidades alvo de “exame” a partir do próximo ciclo, passando do atual sorteio público para uma escolha com base em fatores de risco.

“Independentemente de todos os revisores terem de ser obrigatoriamente objeto de controlo de qualidade num intervalo de tempo de seis anos, pensamos que a forma como é feita a seleção dos auditores deve basear-se em fatores de risco e não num sorteio puro e duro, tipo Euromilhões”, afirma o bastonário em entrevista ao EContas. Fatores que podem incluir honorários baixos ou a falta de recursos nas empresas, esta última sendo uma área que considera ser prioritária.

Estas mudanças já fazem parte das conversas entre a OROC e a CMVM, sendo a expectativa da Ordem começar a apresentar o novo modelo ao supervisor no final deste ano ou início do próximo, “para que, no novo ciclo que se abre, já se possa realizar” com o novo controlo de qualidade.

Depois dos casos mais polémicos que envolveram auditoras no passado, como vê esta atividade atualmente?

A auditoria hoje está muito melhor do que há uns anos. Está muito mais profissionalizada, os auditores têm ainda mais cuidado na realização dos seus trabalhos. E, em termos de mercado, estamos num mercado maduro, ou seja, num mercado estabilizado. O mercado de auditoria cresce com a economia.

Como sabemos, nos últimos anos, a economia portuguesa tem crescido de forma intensa. Portanto, o mercado de auditoria tem um nível de crescimento idêntico à economia portuguesa. No meu entender, os serviços que são prestados pelos auditores hoje em dia são de muito maior qualidade do que eram, por exemplo, há 10 anos ou 15 anos. Não é que não fizessem um bom trabalho, mas hoje as exigências são diferentes.

O que tem sido feito pela Ordem em termos de melhoria da qualidade?

Temos dois níveis no sentido de melhorar a qualidade. Através do programa de formação obrigatória. Todos os anos os auditores são obrigados a realizar formação profissional. E depois através da realização do controlo de qualidade que tem duas vertentes. Uma vertente pedagógica e, obviamente, outra vertente menos agradável, que é quando alguém, de alguma forma, não realiza o seu trabalho de forma apropriada tem de ser penalizado.

Felizmente, a esmagadora maioria dos trabalhos que controlámos têm um nível satisfatório em termos de realização e de cumprimento das normas da auditoria. O nosso objetivo é sempre melhorar, num processo de melhoria constante, mas, claramente, temos feito um trabalho de muita proximidade com todos os auditores e todos os revisores, no sentido de todos continuarem a adaptar-se às novas realidades, E, dessa forma, continuarmos a poder prestar os serviços que nos são exigidos por todos.

Fernando Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, em entrevista ao EContasHugo Amaral/ECO

Houve agora um novo sorteio público para controlo de qualidade, mas há vontade por parte da OROC de mudar a forma como isto é feito. O que poderá mudar e porque sentem essa necessidade de fazê-lo?

Esta forma de seleção dos auditores que são objeto de controlo de qualidade é uma forma datada de 2015, em que todos os anos é sorteado um sexto dos revisores para serem objeto de controlo de qualidade. A nossa visão é um pouco diferente.

Independentemente de todos os revisores terem de ser obrigatoriamente objeto de controlo de qualidade num intervalo de tempo de seis anos, pensamos que a forma como é feita a seleção dos auditores deve basear-se em fatores de risco e não num sorteio puro e duro, tipo Euromilhões.

Nós, Ordem, deveremos olhar para fatores como honorários baixos, para uma discrepância muito grande entre o número de clientes e o número de recursos na própria empresa ou para o tipo de relatórios que aquelas empresas emitem.

Pode dar um exemplo?

Por exemplo, se deteto que uma empresa faz auditoria a 100 empresas e tem dois técnicos de auditoria, e tem um revisor, pode ser um indício que existe ali uma insuficiência de meios. E, portanto, há um fator de risco. Ou então quando praticam honorários extremamente baixos, que é um problema da nossa profissão.

Se detetar empresas que praticam sistematicamente honorários extremamente baixos, nós, enquanto Ordem Profissional, temos a obrigação de verificar se a empresa cumpre, durante a realização do seu trabalho, exatamente as mesmas funções que outro revisor ao lado que tem uma estrutura, que paga a estrutura e que cumpre aquilo que está plasmado nas normas internacionais da auditoria.

Como é que isso vai melhorar o controlo de qualidade?

Acho que vai focalizar muito melhor o nosso controlo de qualidade e vai dar um sinal a todos de que, efetivamente, é importante a prestação de serviços de qualidade na auditoria porque essa é que é a mais-valia da nossa profissão. Temos trocado impressões com a CMVM. O supervisor está disponível para ouvir as ideias da Ordem relativamente a um eventual novo modelo de controlo de qualidade.

Esperamos começar no final deste ano ou início do próximo ano a apresentar à CMVM um novo modelo de realização desse controlo de qualidade para termos aqui uma base de entendimento para que, no novo ciclo que se abre, já se realizar sobre o novo modelo.

Esta forma de seleção dos auditores que são objeto de controlo de qualidade é uma forma datada de 2015. A forma como é feita a seleção dos auditores deve basear-se em fatores de risco e não num sorteio puro e duro, tipo Euromilhões.

Virgílio Macedo

E como é que acha que as auditoras vão receber este novo modelo?

Acho que vão receber muito bem.

Vão todas ser fiscalizadas?

Vão ser todas fiscalizadas no espaço de seis anos, mas numa base muito mais incisiva. Este modelo de fazer-se a cada seis anos um controlo sobre um dossiê total… Se calhar é mais importante ver as áreas críticas desse cliente a ver se o auditor realizou o trabalho apropriado nessas áreas.

Ou fazer questões relativamente ao funcionamento da sociedade, à forma como controla a qualidade dos trabalhos da auditoria ou os tempos gastos nos diversos trabalhos. Ou seja, como garante que está a cumprir a norma de qualidade dos trabalhos da auditoria. Vamos identificar um potencial risco e vamos fazer uma análise transversal a todas as sociedades que estejam dentro desse fator de risco.

Que áreas é que são prioritárias?

Acho que devemos atuar na falta de meios. Vamos ter de começar por aí e fazer um rácio entre o nível de faturação e número de colaboradores. Todas as sociedades de revisores oficiais de contas que estejam abaixo de determinado rácio serão objeto de controlo de qualidade.

Fernando Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, em entrevista ao EContasHugo Amaral/ECO

É um problema identificado pela Ordem?

Existem algumas diferenças em termos de estruturas que podem indiciar que os procedimentos podem não ser iguais em todas as sociedades. Eu penso que não. Penso que, no final, chegaremos à conclusão de que são cumpridas as normas internacionais da auditoria.

No entanto, enquanto Ordem, devemos pugnar pela qualidade dos nossos serviços e prever a existência de eventuais práticas menos corretas do ponto de vista profissional e concorrencial.

Os honorários baixos é outra questão que preocupa?

É uma questão que me preocupa muito. Porque nós vendemos serviços. Os serviços tiveram um aumento de custo, nos últimos quatro ou cinco anos, de 30% ou 40%. E não tínhamos refletido isso em termos dos honorários que são praticados pelos auditores. No último ano, começou a assistir-se a uma tendência de aumento dos honorários. E isso é algo a que as pessoas vão ter de se habituar.

Essa subida já compensa o aumento dos custos?

Ainda não compensa porque foram aqueles anos da inflação zero. O mercado habituou-se a que, como a inflação era zero, os honorários dos serviços não aumentavam. Nos últimos três ou quatro anos, os aumentos têm sido exponenciais no mercado de auditoria.

[Os honorários baixos] é uma questão que me preocupa muito. No último ano, começou a assistir-se a uma tendência de aumento. E isso é algo a que as pessoas vão ter de se habituar.

Virgílio Macedo

Bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas

Na sua perspetiva, porque é que são praticados honorários baixos?

Primeiro, porque temos o fator concorrencial. Por outro lado, também as empresas tornaram-se mais eficientes através da utilização de tecnologias de informação e, portanto, hoje gasto muito menos tempo a fazer a auditoria a uma empresa do que há uns anos. Houve uma certa resistência do mercado a ter a perceção de que os honorários da auditoria teriam de aumentar. Mas isso vai ser uma realidade.

Posso dizer que nós, Ordem, recebemos aqui um pedido do Tribunal para darmos a nossa opinião sobre os honorários que são pedidos por um perito para ver se são adequados. O ser adequado é muito relativo. Mas eu percebo a questão do tribunal.

Estranhou o valor?

Estranhou o valor por ser alto. As pessoas têm de se habituar que esse tipo de serviços especializados vai ser cada vez mais caro. E isso é transversal a todas as profissões especializadas. As próprias empresas começam a ter cada vez mais consciência de que têm de atualizar os seus honorários para que tenham a rentabilidade adequada e apropriada para pagar uma estrutura.

Além dos custos com pessoal, que é o maior custo numa empresa de auditoria, hoje em dia têm um grande custo com as tecnologias de informação. A sua prestação de serviços tem de ter rentabilidade para pagar esses investimentos que, obrigatoriamente, os auditores vão ter de fazer.

É um dos desafios da profissão?

[Um dos desafios] é acompanhar a revolução tecnológica. A auditoria deu um passo com a introdução da informática nos processos. Foi um passo gigantesco. Depois houve um pequeno passo que foi a introdução de programas aplicados à auditoria.

Mas agora estamos a dar outro passo gigantesco que é a aplicação de inteligência artificial aos processos da auditoria. Só que, como qualquer nova tecnologia, é extremamente cara e quem a quiser ter tem de fazer investimentos brutais que só estão, na sua maioria, reservados a grandes empresas.

Hoje é obrigatório que os novos auditores tenham estas novas skills?

O auditor não pode ser, hoje, um profissional que tenha só uma skill do ponto de vista financeiro ou contabilístico. Também tem que cada vez ter mais skill em termos de tecnologias de informação. Essa é outra batalha que temos que é desmistificar o que é que o auditor faz.

Quando dizemos que somos auditores ou revisores, as pessoas ficam com a ideia de que nós somos pessoas que passam o dia a olhar para um Excel, cheio de papéis de um lado e de outro, fato cinzento, gravata. Não é nada disso hoje em dia. Hoje em dia o auditor quase não mexe em papéis, está tudo informatizado.

Numa vertente mais política, o que espera do novo Governo? Tem algum pedido?

A única coisa que espero é que exista uma aposta clara no fomento e na dinamização da nossa economia, porque quando a economia cresce, o mercado de autoria cresce.

Que haja o reconhecimento e a consciência da importância que os auditores e os revisores oficiais de contas têm no mercado. É um trabalho que é feito muito silenciosamente por todos os auditores, sobretudo nas pequenas e médias empresas, e devia ser realçado e valorizado por parte do Governo pela importância que tem.

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