Virgílio Macedo defende que devia haver uma separação de poderes na supervisão da CMVM, que fiscaliza tanto auditoras como emitentes. Uma situação que o bastonário da OROC diz ser única na Europa.
Virgílio Macedo considera que devia haver uma separação de poderes da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), uma vez que supervisiona as auditoras e as empresas que estão em bolsa. “Há claramente um conflito de interesses”, diz o bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), em entrevista ao EContas, relativamente àquilo que diz ser um “elefante na sala”.
A Ordem diz que a CMVM garante haver medidas de mitigação para que haja uma separação entre áreas, mas “não deixa de haver esta situação que é única a nível europeu”, refere Virgílio Macedo, apontando também para o excesso de supervisão em Portugal. “Isso não pode ser interpretado como os revisores não quererem ter uma supervisão”, refere, mas defende que a CMVM devia focar a sua regulação nos auditores de empresas de interesse público.
Como é a relação da Ordem com a CMVM?
A relação entre supervisores e supervisionados nunca é uma relação pacífica. É sempre uma relação algo tensa. A CMVM tem uma visão muito purista da supervisão da auditoria. Tem uma supervisão muito mais exigente do que a esmagadora maioria dos supervisores europeus em termos de auditoria. E é por isso que muitas vezes estamos contra a opinião da CMVM.
Há um excesso de supervisão?
Há um excesso de supervisão. Isso não pode, em momento algum, ser interpretado como os revisores não quererem ter uma supervisão. Sou totalmente a favor de uma supervisão pública, independente, para além da supervisão que é feita pela OROC. Penso que cada vez mais seria útil haver uma distinção entre a supervisão que é realizada pela CMVM em termos de empresas de interesse público e a supervisão que é feita pela Ordem a auditores que não realizam trabalhos em empresas de interesse público.

A CMVM devia focar a sua supervisão em entidades de interesse público?
Exatamente. São as maiores empresas, com maior possibilidade de contágio. Quando existe algo que correu menos bem num processo de auditoria, sistematicamente estamos na presença de uma empresa de interesse público. Somos defensores de uma supervisão pública independente, mas também somos defensores de uma supervisão proporcional. Não podemos tratar da mesma forma aquilo que é diferente. Não podemos fazer o mesmo controlo de qualidade a um grupo grande que se faz a uma empresa que fatura 10 ou 20 milhões de euros. A supervisão devia ter em linha de conta esse fator de diferenciação.
Como é que a onda de desregulação na Europa pode mexer com a auditoria?
Há novos ventos em termos de supervisão europeia porque os europeus acordaram para o facto de haver excesso de supervisão. Não sou defensor de não haver regulação. Agora, não podemos ser exageradamente rigorosos. Quando estamos focados no pormenor esquecemo-nos da floresta. Sobre isso, temos diferentes opiniões em relação à CMVM.
A CMVM indica no mais recente relatório que “apesar da diminuição das irregularidades identificadas nas ações de supervisão, existem desafios, não sendo possível inferir uma melhoria definitiva na qualidade da auditoria”. Concorda?
Não concordo de todo. A CMVM sabe perfeitamente que a qualidade de serviço da auditoria tem tido um incremento enorme. Muitas vezes estamos a falar de findings que não têm nenhuma consequência ao nível da opinião dos auditores.
Seria útil haver uma distinção entre a supervisão que é realizada pela CMVM em termos de empresas de interesse público e a supervisão que é feita pela Ordem a auditores que não realizam trabalhos em empresas de interesse público.
A CMVM fala, por exemplo, de deficiências no processo de arquivo…
Todos os auditores sabem que os dôssies dos trabalhos têm de ser arquivados no prazo de 60 dias após a emissão da certificação. O que é um finding a esse nível para a CMVM? É o auditor não conseguir demonstrar que não é possível ninguém acrescentar um papel àquele dossiê. Estamos nesta discussão esotérica.
O supervisor fala também de ausência de ceticismo profissional quanto a operações entre partes relacionadas ou transações não usuais. O que é que isto significa na prática?
Se faço transações com uma empresa que tem o mesmo sócio, até que ponto aquelas transações são feitas na ótica de relação comercial de mercado normal, em que não há benefício.

Isso não está a ser feito?
Está a ser feito. Só que, muitas vezes, a CMVM acha que devia ser feito ainda mais. Nunca é suficiente na ótica deles.
Ainda em termos de supervisão, devia haver uma separação de poderes na CMVM, uma vez que fiscaliza os emitentes e os auditores?
Esse é o elefante no meio da sala, no meu entender. Nunca ninguém teve coragem para pôr essa questão, não como sendo um ataque à CMVM, porque não é. Quando a CMVM defende, e muito bem, a independência, como é que temos a mesma entidade a supervisionar o mercado de capitais e os auditores? Podem dizer-me que são departamentos diferentes. Existem medidas de mitigação que [garantem que] um departamento não influencia o outro. Mas eu ponho a questão ao contrário. Sabemos que uma empresa de auditoria ou de consultoria não pode fazer a contabilidade e a auditoria de uma sociedade. É uma questão de independência. Então não poderia haver medidas de separação completa para não haver essa situação?
Há claramente um conflito de interesses [na supervisão]. A CMVM garante que, internamente, há medidas fortes [de mitigação]. E eu acredito nisso. Mas não deixa de haver esta situação que é única a nível europeu.
Como é que esta separação devia ser feita?
A minha opinião é que deviam ser dois supervisores independentes.
A CMVM devia ficar apenas com o mercado de capitais?
Não digo isso. Só digo uma coisa. Quando ponho esta questão a nível europeu, todos ficam admirados como é possível haver uma situação destas. Há claramente um conflito de interesses. A CMVM garante que, internamente, há medidas fortes [de mitigação]. E eu acredito nisso. Mas não deixa de haver esta situação que é única a nível europeu.
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“Há claramente um conflito de interesses” na supervisão da CMVM
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