Existe, hoje, um organismo que junta os reguladores de auditores europeus, mas sem poderes. Gabriela Figueiredo Dias, presidente do IESBA, defende que se discuta uma centralização da supervisão.
Gabriela Figueiredo Dias afasta que haja um excesso de supervisão por parte da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) junto das auditoras nacionais, entidade que liderou e que está integrada num conjunto de 27 supervisores europeus que estão reunidos num organismo sem poderes efetivos, o Committee of European Auditing Oversight Bodies (CEAOB).
Em entrevista ao EContas, a presidente do International Ethics Standards Board for Accountants (IESBA) considera que esta “fragmentação da supervisão” é prejudicial para a economia, para as empresas e para os cidadãos dos vários países. Defende, por isso, que se discuta uma “centralização” da supervisão, como existe para os bancos, para que seja possível munir os reguladores dos “meios necessários para fazer uma supervisão eficaz”.
Depois dos casos mais polémicos que envolveram auditoras no passado, como vê esta atividade atualmente?
Há alguns casos que mancharam a reputação, a credibilidade e a confiança dos auditores. Continuam a existir. Portanto, tudo aquilo que possamos fazer para recuperar essa confiança e essa credibilidade é fundamental. E é exatamente isso que o IESBA procura fazer através da emissão de standards éticos e de independência, que procuram guiar os profissionais na sua atividade, de forma a evitar esse tipo de situações, como conflitos de interesse, conflitos financeiros e por aí fora.
A importância da auditoria e da contabilidade é devidamente reconhecida?
A nível global, aquilo que é importante destacar é a necessidade de reforçar e chamar a atenção para a importância destas profissões. Não são suficientemente valorizadas. A nível nacional – não quero pronunciar-me especificamente sobre a realidade nacional, porque, primeiro, penso que não devo, mas também não a tenho acompanhado muito de perto – não será muito diferente daquilo que é a realidade internacional. Persistem casos de comportamentos desadequados que levam depois a determinados problemas que conhecemos, mas há também um esforço, e isso é notório, quer dos contabilistas e dos auditores, no sentido de melhorarem e recuperarem a sua credibilidade e a sua reputação.

A recuperação da credibilidade ainda é um trabalho em curso, tanto a nível internacional como nacional?
É um trabalho em curso. Há a questão da recuperação da credibilidade, mas têm outros problemas para gerir. Têm problemas de captação de talento e de adaptação tecnológica.
A CMVM tem reforçado a sua fiscalização junto das auditoras. Há um excesso de supervisão, como aponta o bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas?
Não me vou pronunciar sobre a supervisão que existe em Portugal. O que é que posso dizer é que há sempre uma tensão que é absolutamente natural e universal entre a perceção do supervisionado e a perceção do supervisor. Na maioria dos casos, o supervisionado perceciona sempre a supervisão como um excesso. Agora, aquilo que me pareceu retirar das grandes linhas que vi da entrevista [ao bastonário da OROC] é que há uma convergência entre a Ordem e a supervisão relativamente ao modelo. A supervisão tem de existir, valoriza a profissão, credibiliza e tem de ser independente. A CMVM faz parte de um conjunto de supervisores europeus que estão reunidos numa espécie de regulador europeu, o CEAOB, que aglutina todos os reguladores de auditores europeus. Está completamente inserida no modelo europeu, que, se calhar, até devia ser reforçado.
Como é que podia ser reforçado?
[Devia haver uma discussão sobre] alguma centralização. Há uma questão de fragmentação regulatória desde logo e depois de fragmentação da supervisão que muitas vezes não é percecionada pelos próprios desta forma. Sobre isso tenho uma opinião absolutamente clara e definitiva: é altamente detrimental para todos. Para a economia, para as empresas, para os cidadãos dos países. Na área da auditoria, apesar de haver um regulamento europeu, há alguma fragmentação, designadamente na dimensão da ética e da independência. No caso da rotação, temos países onde a rotação obrigatória é de cinco anos e temos outros onde é de 25 anos.
[Devia haver uma discussão sobre] alguma centralização. Há uma questão de fragmentação regulatória desde logo e depois de fragmentação da supervisão [que é] é altamente detrimental para todos.
Em Portugal, são 10 anos. O prazo é adequado?
É o prazo standard. É um período suficiente para o auditor conhecer a empresa e fazer um trabalho de continuidade sem gerar aqueles problemas que a rotação visa abordar, que é o problema de familiaridade, de dependência económica. Mas voltando ao tema da fragmentação, a fragmentação regulatória e a fragmentação da supervisão é altamente detrimental para todos. Por vezes há uma perceção diferente.
É preciso haver uma harmonização?
A legislação está relativamente harmonizada. Há um regulamento europeu. Agora, na supervisão há 27 diferentes reguladores com práticas diferentes em termos de abordagem, com prioridades e capacidades diferentes. O tema da tecnologia não impacta só os auditores. Impacta os reguladores, que vão ter de se munir dos meios necessários para fazer uma supervisão eficaz.
Sem esta centralização não é possível fazer isso?
Não podemos pensar que é possível para 27 reguladores, alguns deles muito pequenos, munirem-se dos meios necessários para fazer uma supervisão eficaz. É um tema que acho que, pelo menos, devia ser discutido, devia ser considerado, para haver alguma centralização da supervisão. Como existe, por exemplo, para os bancos. Há centralização da supervisão que depois é local para os mais pequenos e há uma abordagem localizada através dos bancos centrais.
Não podemos pensar que é possível para 27 reguladores, alguns deles muito pequenos, munirem-se dos meios necessários para fazer uma supervisão eficaz.
Devia haver um regulador a nível europeu?
Acho que se devia discutir essa questão. Não devia ser escamoteada, porque o que temos neste momento é um regulador que não é regulador. É um conjunto informal de reguladores que se reúnem para discutir e que têm um papel importantíssimo. Repare, o CEAOB tem neste momento um papel importantíssimo, ao ponto de a Comissão Europeia estar já a pedir para fazerem propostas em termos regulatórios. Tem um papel prático de inspeções e de discussão dos casos de supervisão, já muito avançado, mas não tem quaisquer poderes. É um mecanismo informal de troca de informação.
A desregulação não vem mudar este cenário?
Pelo contrário. Num cenário de desregulação, há duas coisas que passam a ter mais importância. Uma é a ética, porque se existem menos regras, é mais importante ainda ter determinadas normas éticas globais que permitam orientar os profissionais. A outra é a supervisão, porque se há uma desregulação e a supervisão está fragmentada… Para desregular ou eliminar a regulação, é necessário ter maior confiança, maior agilidade e maior eficiência do lado da supervisão.
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“Há uma fragmentação da supervisão” que é prejudicial para todos
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