Miguel Farinha, CEO da EY Portugal, pede uma harmonização das regras europeias para as auditoras, nomeadamente o prazo de rotação. Defende também um “diálogo construtivo” com o supervisor.
O diálogo entre as auditoras e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não tem sido “suficiente para se perceber os dois lados da equação”, diz Miguel Farinha, CEO da EY Portugal, Angola e Moçambique, em entrevista ao EContas, pedindo mais abertura por parte do supervisor liderado por Luís Laginha de Sousa para que haja um “diálogo construtivo” com as empresas de auditoria. Apela ainda a uma harmonização das regras europeias, nomeadamente do período de rotação.
O responsável deixa também alguns pedidos ao novo Executivo liderado por Luís Montenegro, nomeadamente uma modernização da administração pública, previsibilidade fiscal e políticas favoráveis ao investimento. “O Governo tem de ser o primeiro a fomentar a criação de valor no país. E não pode olhar para a riqueza como algo errado”, refere.
Como vê a entrada de outras auditoras, como a BDO, num território que era até agora dominado pelas “big four”? Há uma mudança de paradigma?
Há duas vertentes da análise que é importante perceber. Por um lado, é muito bom que haja mais concorrentes e que cresçam e tenham competências para o fazer, desde que mantenham um padrão de qualidade que é essencial no mercado. Isso é que não se pode perder.
Há um tema que precisa de ser tratado a nível europeu, que tem muito a ver com o facto de os períodos de rotação de auditores serem diferentes na Europa. Em Portugal, temos um período máximo que vai até 10 anos. Em Espanha, por exemplo, esse período é de 20 anos. Estamos a ter obrigações diferentes em dois mercados tão próximos.

Devia haver uma harmonização?
Devia haver claramente uma harmonização. É algo que temos falado várias vezes dentro da nossa Ordem. É algo que temos falado também com o regulador. Devia haver essa tentativa de harmonização, pelo menos europeia, de períodos constantes para rotação.
O que acontece neste caso é que há um auditor que em Espanha se mantém, em Portugal é obrigatória uma rotação e a alternativa teve de ser fora do universo das “big four“. Acabou por ser a BDO [escolhida pelo Santander], que seguramente irá fazer um bom trabalho, mas que terá de se capacitar e de investir para conseguir responder ao desafio, que é um desafio seguramente muito exigente.
Partilha da opinião do bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) de que o período de rotação devia ser de 20 anos?
Acho que deveria ser de 20 anos, mas, mais importante do que isso, devia estar alinhado por toda a Europa, se não mundial. Toda a Europa devia ter um período alinhado. Não faz sentido haver esta diferença de períodos entre os vários países da Europa. É uma anormalidade.
Considera que há um “excesso” de supervisão, como mencionado pelo bastonário da OROC?
Não sei se há um excesso de supervisão. É preciso perceber, por um lado, que o papel de supervisão da CMVM não é assim tão antigo. A própria CMVM está a aprender qual é o seu papel de supervisão e está a fazer o seu próprio caminho. Desde criar as suas próprias equipas, capacitá-las para o trabalho de supervisão.
É um papel muitíssimo relevante de trazer transparência e exigência para o mercado. Trazer normas claras sobre quem é que pode e não pode estar neste mercado e o que é que é esperado desses atores.
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O que espera do supervisor?
Que tenha a capacidade de ouvir o outro lado também. E até aprender com quem está no negócio há muitos anos. Se houver este diálogo construtivo entre as duas partes todos iremos contribuir para melhorar claramente a profissão do auditor e tanto o papel de supervisão da CMVM como o papel das auditoras nesse mercado.
Falta esse diálogo com a CMVM?
Acho que, algumas vezes, não tem havido o diálogo suficiente para se perceber os dois lados da equação. Muitas vezes tem existido da parte do regulador uma postura muito de ‘eu defini estas regras, eu defini esta forma, como tal, os senhores aplicam esta forma’ – ou sim ou sim –, sem perceber muitas vezes qual é a substância que está por detrás e o que é que isso implica.
Às vezes, é mais importante a substância do que propriamente a forma.
A Ordem também defende que haja uma separação de poderes dentro da CMVM, por supervisionar auditoras e emitentes. Concorda?
Não é um tema que me preocupe honestamente.
Acho que algumas vezes não tem havido o diálogo suficiente [com a CMVM] para se perceber os dois lados da equação. Muitas vezes tem existido da parte do regulador uma postura muito de ‘eu defini estas regras, eu defini esta forma, como tal, os senhores aplicam esta forma’ – ou sim ou sim -, sem perceber muitas vezes qual é a substância que está por detrás e o que é que isso implica. Às vezes, é mais importante a substância do que propriamente a forma.
Deveria haver uma maior valorização da profissão por parte dos governos ou do próprio supervisor?
Essa valorização da profissão é importante. Tentamos fazê-lo todos os dias. Os meus concorrentes fazem exatamente o mesmo. Da parte do Governo, há que valorizar esta profissão como todas as outras.
Da parte do supervisor, é importante ter uma clara perceção de que estamos aqui todos a contribuir para um papel muito relevante na sociedade e valorizar esse papel de quem está a ser supervisionado. É isso que esperamos do nosso supervisor.
O que espera do novo Executivo?
Não é preciso ser um cientista para perceber que dificuldades existem em Portugal. É preciso, claramente, modernizar a administração pública e dar um salto de qualidade. Isso é essencial. É essencial haver uma clara previsibilidade fiscal e depois criar políticas favoráveis ao investimento.
O Governo tem de ser o primeiro a fomentar a criação de valor e de riqueza no país. E não pode olhar para a riqueza como algo errado ou que não faça sentido. Ninguém espera que o Governo ajude as empresas. O que queremos é que simplifique, que desburocratize, que melhore a justiça e garanta que é uma justiça que atua e que trabalha, mas que, de resto, deixe que as empresas funcionem porque elas, por si, vão saber o caminho.

Acha que há estabilidade necessária para cumprir a legislatura?
Os últimos resultados eleitorais trouxeram um nível de complexidade acrescida em cima da agenda neste momento, mas acredito que temos neste momento condições para ter um governo estável durante os próximos quatro anos. Não gostaria nada que houvesse um novo governo daqui a um ou dois anos. Todos os atores políticos estão bastante conscientes desse facto. Não faz sentido estarmos permanentemente a ter eleições. Vamos focar-nos em garantir as condições de governabilidade.
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“Não tem havido diálogo suficiente com a CMVM para se perceber os dois lados da equação”
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