“O que assusta os investidores internacionais quando olham para Portugal é não saber com o que contar”

José Carmo, partner da Carmo e Cerqueira, considera que a maioria à direita permite avançar com uma simplificação fiscal, mas também garantir estabilidade das regras para os investidores estrangeiros.

A simplificação fiscal e a redução dos impostos, nomeadamente para as empresas, são algumas das promessas do atual Governo liderado por Luís Montenegro. Medidas que José Carmo, partner da auditora e consultora Carmo e Cerqueira, considera relevantes e possíveis de realizar, com a atual “maioria mais estável à direita” a representar “uma oportunidade como não existe há muitos anos”.

Não são, porém, suficientes para apoiar o tecido empresarial português e promover o país enquanto destino para o investimento internacional. O responsável da auditora, que tem como clientes a Ibersol, Iberdrola, Sonae e o Grupo Violas, considera que é preciso adotar medidas de capitalização das empresas nacionais, mas também garantir estabilidade política e legislativa para manter o interesse dos investidores estrangeiros em Portugal. “Não se pode mudar as regras do jogo a meio”, alerta José Carmo em entrevista ao EContas.

Qual o impacto das constantes mudanças políticas nas áreas da fiscalidade e da auditoria?

Temos diferentes níveis de fiscalidade. Temos a fiscalidade que afeta essencialmente o contribuinte e as empresas nacionais. E temos a fiscalidade que afeta os investidores estrangeiros. É muito importante reduzir a carga fiscal, mas é, sobretudo, importante dar aos investidores a certeza de que sabem com o que é que podem contar.

Como é que estas alterações políticas e fiscais afetam os investidores estrangeiros?

O investidor estrangeiro não se preocupa tanto nem é tão afetado pelo nível da fiscalidade. Naturalmente, se puder ter uma fiscalidade mais baixa, isso vai trazer uma maior rentabilidade. Mas, no final do dia, para um investidor internacional que resolve investir em Portugal, a fiscalidade é uma linha no plano de negócios. É muito mais relevante, na sua ótica, que haja estabilidade. Ou seja, o que ele quer saber é que no final do dia vai pagar um determinado valor. Assim, o investidor consegue calcular a sua rentabilidade e, no fundo, perceber se tem vantagem económica ou não em investir num país. Para estes investidores, o que não pode acontecer é esta constante incerteza que se tem verificado na legislação portuguesa, com as regras a mudarem a meio do caminho.

Por exemplo, temos investidores que investiram em imobiliário convencidos de que estavam a fazer investimentos numa zona que cumpria os critérios para ter IVA a 6%, e no imobiliário o IVA é um custo. E, de repente, já depois de terem feito esse investimento, começam a descobrir que afinal estão em zonas onde o IVA é 23%. Esta variação de 18 pontos percentuais entre a taxa que eles estavam à espera e a taxa que efetivamente vão pagar, é a diferença entre ter lucro ou prejuízo no negócio.

É muito importante reduzir a carga fiscal, mas é, sobretudo, importante dar aos investidores a certeza de que sabem com o que é que podem contar.

Isto afasta os investidores estrangeiros?

Exatamente. O que assusta os investidores internacionais quando olham para os mercados portugueses é, sobretudo, não saber com o que contar. Também havia vários investimentos e vários pedidos em curso e de repente alterou-se a regra do alojamento local. Mais uma vez, isto são questões que afetam o ecossistema em que o investidor estrangeiro está a investir. Mesmo havendo alterações de governo, há coisas de base que têm que ser naturalmente negociadas e combinadas entre os partidos.

É possível simplificar e é desejável até para conseguirmos atrair mais investimento direto estrangeiro e conseguirmos dinamizar. Não é só no imobiliário que este investimento está a entrar. Há muitas entidades que estão a olhar para empresas em Portugal para fazerem aquisições e expandir. O setor do calçado, por exemplo, é desejável aos olhos de investidores internacionais. Agora, têm de ter a certeza que há alguma estabilidade, nomeadamente na legislação, não apenas fiscal, mas também laboral.

E como se pode apoiar as empresas nacionais?

No caso dos nacionais, fala-se constantemente da capitalização de empresas. Não posso criar incentivos contrários a isso. Aproveitando a ideologia de direita, mais liberal, é uma oportunidade para voltarmos a olhar para medidas de capitalização das empresas, seja na questão fiscal, seja não fiscal. Podemos voltar a implementar uma medida que já existiu no passado que passava por isentar ou diminuir a tributação de investidores que investem em ações das empresas e que vão aos aumentos de capital, por exemplo. Tem de se criar este tipo de medidas.

A negociação destas medidas entre os partidos é possível, considerando a mudança no arco da governação?

Hoje em dia é mais difícil porque o arco da governação mudou, mas entre os partidos do arco da governação devia haver uma melhor coordenação. Em 2013, iniciou-se uma reforma do IRC com um acordo entre PSD e CDS, que estavam à data no governo, mas também o PS, ainda liderado por António José Seguro. O PS fez parte dessa equipa de trabalho precisamente para garantir que eram medidas que ultrapassavam o período de governabilidade, no caso do PSD e do CDS não venceram as eleições. O que é certo é que mal o PS ganhou as eleições em 2015, a reforma do IRC foi imediatamente posta na gaveta e foram tomadas outras medidas.

É uma oportunidade para voltarmos a olhar para medidas de capitalização das empresas. Podemos voltar a implementar uma medida que já existiu no passado que passava por isentar ou diminuir a tributação de investidores que investem em ações das empresas e que vão aos aumentos de capital, por exemplo.

Aproveitando agora que há de facto uma maioria mais estável à direita, ou pelo menos mais estável em dimensão do número de votos, é possível fazer um conjunto de reformas nomeadamente de uma forma mais estrutural, que depois impeça – porque há uma possibilidade de acordo muito grande – que no futuro se volte através de atrás com todas estas medidas.

É mais estável em dimensão, mas isso não significa necessariamente que haja entendimentos…

Se olharmos para os programas eleitorais e para a natureza destes partidos políticos, a redução da carga tributária era comum em todos. Também terá de passar por alguma simplificação do processo tributário, se não não será possível. Desse ponto de vista, há uma oportunidade, como não existe há muitos anos, porque mais de dois terços do Parlamento, – incluindo aqui a Iniciativa Liberal – tem no seu programa esta simplificação. Não estamos a falar de tornar o país num paraíso de libertinagem económica. Estamos a falar de tornar o país mais eficiente, mais competitivo e mais atrativo.

Como é que essa simplificação pode ser feita?

O IRC, por exemplo, é demasiado complexo. É um sistema que visa tributar o lucro, mas que depois tem um conjunto de exceções e de situações que visam diminuir essa tributação. Há aqui uma oportunidade de clarificação de um conjunto de aspetos, nomeadamente de vertente mais direita e que favoreça mais o investimento e as empresas no sentido de aumentar a sua competitividade. Pode ser uma boa oportunidade para simplificar o código do IRC. Há uma medida proposta pela Iniciativa Liberal para a aplicação de uma flat tax que tribute todos os rendimentos, e não apenas os rendimentos empresariais, a uma taxa fixa. Acabaria por ser muito mais simples, muito mais fácil de fiscalizar e conseguiríamos garantir uma receita fiscal.

É uma medida que gostaria de ver implementada?

Não acho que seja possível, seja pelo próprio PSD, que tem uma vertente mais social, seja pelo próprio Chega, que não tem esta vertente tão liberar como teria a IL ou algumas alas do CDS. Acho que ainda há um caminho para percorrer para chegarmos aqui, mas isso não significa que não se possa simplificar e aligeirar processos, como é o caso, por exemplo, da tributação autónoma.

A tributação autónoma devia ser eliminada?

Eliminada ou ajustada para aquilo que efetivamente é justo. Agora, ter uma taxa de tributação autónoma de 35% é uma coisa perversa.

Qual devia ser o papel da Autoridade Tributária (AT) nesta simplificação?

A AT devia simplificar e uniformizar. Depois, é preciso mudar a imagem do Fisco. Diga-me se conhece alguém que receba uma carta das Finanças em casa, nem que seja só para lhe transmitir o código de acesso ao via CTT, que não entre em pânico. O Estado não é percecionado pelo público em geral como sendo uma pessoa de bem.

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