Private equity ajudam ao investimento mas trazem “riscos relevantes”

Gabriela Figueiredo Dias reconhece as oportunidades de crescimento oferecidas pela aposta dos private equity na contabilidade e auditoria, mas alerta para potenciais riscos de ética e independência.

O interesse dos fundos de private equity em empresas de contabilidade e auditoria está a aumentar, não só lá fora como em Portugal. Uma aposta que pode ajudar as entidades nestas duas áreas a ganhar dimensão para enfrentar alguns desafios, nomeadamente os avultados investimentos que têm de fazer em tecnologia, mas que também pode representar “riscos relevantes” na dimensão ética e de independência.

O alerta é feito por Gabriela Figueiredo Dias, presidente do International Ethics Standards Board for Accountants (IESBA), em entrevista ao EContas, apontando para o facto de os auditores serem “obrigados a servir o interesse público” e estes fundos estarem “destinados a obter lucro rápido” e a maximizá-lo. Uma preocupação que vai levar o IESBA a emitir um alerta sobre este tema ainda este mês.

Quais têm sido as áreas de atuação do IESBA?

Há várias áreas-chave. Recentemente, as áreas em que nos temos focado são as de informação não-financeira. Informação de sustentabilidade, que não tinha standards éticos específicos e de independência para este tipo de reporte. Outra área é a tecnologia. Os impactos éticos da tecnologia no trabalho dos auditores. Mas também a área fiscal e standards éticos para os auditores que prestam serviços da assessoria fiscal.

Estas são as principais preocupações?

Eram áreas que no Código da Ética não estavam suficientemente preparadas para responder aos desafios.

Gabriela Figueiredo Dias, presidente do International Ethics Standards Board for Accountants (IESBA), em entrevista ao EContasHugo Amaral/ECO

Como é o caso da sustentabilidade?

Tivemos de desenvolver os standards para a sustentabilidade, que foram aprovados em dezembro, certificados em janeiro pelo supervisor e já estão a começar a ser adotados pelos países internacionalmente.

As auditoras e contabilistas estão preparados para fazer este caminho e apoiar as empresas?

Têm feito um esforço muito grande. Tem havido um interesse muito grande. As empresas, sobretudo as maiores, têm feito um esforço enorme de preparação para esse tipo de trabalho.

Para as mais pequenas é mais difícil?

Para as mais pequenas é mais difícil, mas não deixam de estar interessadas em vir a fazer esse trabalho também. E tem havido um esforço dos reguladores também de acompanhar. Alguns, inclusive, alteraram a sua configuração para poderem incluir esse tipo de supervisão de uma forma mais robusta.

Que outros temas estão em cima da mesa?

Neste momento, há outros temas que nos ocupam e sobre os quais estamos a fazer trabalho. Há a tecnologia e [há também o tema] dos private equity e a cultura de governance nas auditoras, que é o grande tema no qual nos estamos a ocupar.

Se houver uma atuação ao nível da cultura e da governance das empresas, isto vai induzir comportamentos individuais mais adequados e eliminar, ou pelo menos mitigar, o risco de comportamentos não éticos na auditoria e na contabilidade.

Gabriela Figueiredo Dias

Presidente do IESBA

A CMVM emitiu há pouco tempo um conjunto de recomendações para reforçar a governance das auditoras. Ainda há falhas?

Aquilo que temos feito ao longo dos anos é preocupar-nos com standards que têm como objetivo modelar os comportamentos individuais dos profissionais. Com todas as questões que continuam a colocar-se e os problemas que continuam a existir, a verdade é que nos parece que há que atuar um bocadinho acima dos comportamentos individuais. [É preciso atuar] nas estruturas, na forma como as empresas se organizam, na cultura dessas empresas. As firmas de auditoria não têm, tradicionalmente, práticas de governance. A nossa convicção é de que se houver uma atuação ao nível da cultura e da governance das empresas, isto vai induzir comportamentos individuais mais adequados e eliminar, ou pelo menos mitigar, o risco de comportamentos não éticos na auditoria e na contabilidade.

Há essa necessidade porque observam que esses casos ainda existem?

Há escândalos na Austrália, em Hong Kong, no Médio Oriente. No Reino Unido há vários casos com sanções muito significativas e com suspensão da atividade por parte de auditores, mas também de empresas que são proibidas de exercer a atividade durante um determinado tempo. Também há nos Estados Unidos ou na Holanda. Os problemas persistem. E se persistem é porque há aqui alguma coisa que ainda não está a funcionar suficientemente bem.

E em Portugal também pode estar a acontecer isso, uma vez que a CMVM sentiu necessidade de emitir recomendações sobre essa matéria?

Penso que a CMVM é um regulador atento àquilo que se passa internacionalmente, para além de estar atento à realidade nacional. Não tenho estado a seguir a realidade nacional e, portanto, não conheço as especificidades dos casos e da supervisão que está a ser que está a ser feita pela CMVM. Mas há uma consciência, que já existia, de garantir, ao nível das firmas de auditoria e das empresas de contabilidade, algumas boas práticas de governance que depois modelam os comportamentos individuais.

A tecnologia, nomeadamente a IA, é outro dos desafios enfrentado por auditoras e contabilistas. Estes profissões estão preparadas para se adaptarem e fazerem os investimentos necessários?

Neste momento é o tema. As empresas da auditoria estão muitíssimo focadas e preocupadas na sua preparação, quer para disporem dos meios tecnológicos, sem os quais será muito difícil fazerem o acompanhamento [desta evolução tecnológica], mas também para poderem compreender aquilo que auditam, porque há o outro lado da moeda. Os próprios clientes estão a evoluir tecnologicamente de uma forma que exige do auditor um conhecimento e uma preparação muito mais específica nesta matéria.

Gabriela Figueiredo Dias, presidente do International Ethics Standards Board for Accountants (IESBA), em entrevista ao EContasHugo Amaral/ECO

Lá fora já se fala de as big four estarem a apostar em auditoria a sistemas de IA para as empresas…

Isso já está a acontecer. Há uma parte importante de trabalho que em muitas empresas já está automatizada e já está a ser feita através de mecanismos de IA. Mas isto vai evoluir e não vai ficar por aqui. Isto tem desafios enormes para as empresas da auditoria e de contabilidade em termos de preparação tecnológica, em termos de treino, conhecimento e de investimento. São investimentos brutais. E isso leva a uma outra questão, que é onde é que os recursos financeiros estão para se poder fazer face a isto.

Isto pode abrir a porta a mais consolidação no mercado, de forma a reforçar a capacidade de investimento?

Vai ser interessante acompanhar este processo que está a ser rapidíssimo. A consolidação é um dos processos, mas essa consolidação está, em alguns casos, a ser precisamente conduzida pelos fundos de private equity que estão a investir nas médias e pequenas empresas. Já estão a proceder a essa consolidação. Portanto, há, por um lado, um movimento que começa a ser natural de consolidação das mais pequenas, mas há também uma tendência, conduzida pelos fundos de private equity, nesse sentido.

Há algumas oportunidades [da aposta dos private equity nas empresas de auditoria e contabilidade], como oportunidades de crescimento e de investimento. Mas há alguns riscos, principalmente na dimensão ética e de independência. E são riscos relevantes (…) O IESBA está não só atento, como vamos emitir um alerta [sobre este tema] ainda este mês.

Gabriela Figueiredo Dias

Presidente do IESBA

Este interesse dos private equity nas empresas de auditoria e contabilidade preocupa-a?

Preocupa no sentido de que há determinados riscos que resultam deste tipo de investimento, relativamente aos quais o IESBA está não só atento, como vamos emitir um alerta ainda este mês.

Que riscos são esses?

Não há só riscos. Há também algumas oportunidades, como oportunidades de crescimento e de investimento. Mas há alguns riscos, principalmente na dimensão ética e de independência. E são riscos relevantes. Os auditores estão obrigados a servir o interesse público, para além, obviamente, do objetivo lucrativo, que é perfeitamente legítimo, mas que tem de estar equilibrado com o interesse público e que tem de cumprir determinadas regras de éticas e de independência. Os fundos de private equity, por definição – e não há aqui da minha parte nenhum juízo crítico – são entidades que estão destinadas a obter lucro rápido e a maximizar esse lucro.

Relativamente a interesses cruzados, os private equity investem em várias coisas. Por exemplo, investem numa empresa de tecnologia e numa empresa de contabilidade e depois querem que a empresa de contabilidade use intensivamente os produtos oferecidos por aquela empresa, o que tem implicações a vários níveis. Os fundos também estão em todo o lado, têm investimentos nas mais diversas empresas. Como é que se resolvem depois os problemas de independência do auditor se o auditor estiver a auditar também essas empresas?

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Private equity ajudam ao investimento mas trazem “riscos relevantes”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião