
Como acabar com o tabu do dinheiro?
O dinheiro, em Portugal, é tabu. E este silêncio tem um preço elevado: limita a nossa capacidade de aprender, crescer e tomar decisões informadas, desde o depósito até ao empréstimo.
Quando perdemos 100 euros sentimos uma tristeza mais intensa do que a alegria de ganhar 100 euros. Daniel Kahneman, autor de “Pensar, Depressa e Devagar”, mostrou-nos que a psicologia do dinheiro é central para percebermos como tomamos decisões financeiras – e por isso ganhou o Prémio Nobel. Não devíamos evitar este tema.
O que é o dinheiro? Imaginemos duas situações: uma família portuguesa à mesa e um jantar de amigos. Fala-se de futebol, política, saúde, mas quando o tema é dinheiro, instala-se o silêncio. Não se fala quanto se ganha. Não se partilham histórias de como negociar salários. Não se discute quanto se gasta. Falar de investimentos? Nem pensar, porque são “arriscados”.
Mas será que a vida não é, ela própria, um risco permanente? Vida é sinónimo de risco. Sair de casa é um risco. Andar de carro é outro. Até ir ao supermercado e perceber que, com os mesmos 100 euros de há dois anos, o carrinho leva metade das coisas: outro risco, mais silencioso, mas cada vez mais real. A vida está cheia de riscos, quer queiramos ou não. Até a velocidade a que se cria dinheiro é um risco. Quem garante que daqui a dez anos não seremos todos “milionários” em euros, como os meus pais eram milionários em escudos? Mas isso quer dizer que eram ricos? Ser milionário e ser rico são coisas diferentes. Dinheiro e riqueza não são sinónimos.
O dinheiro, em Portugal, é tabu. E este silêncio tem um preço elevado: limita a nossa capacidade de aprender, crescer e tomar decisões informadas, desde o depósito até ao empréstimo. As três principais capacidades que devíamos cultivar neste contexto são: inteligência emocional, negociação e disciplina para criar hábitos. Temos 2,1 milhões de pessoas em pobreza, segundo a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Ou seja, num grupo de cinco amigos, um é pobre. Portugal ocupa o segundo pior lugar da União Europeia em literacia financeira: apenas 42% dos portugueses conseguem responder corretamente a três de cinco questões básicas sobre finanças. Este défice reflete-se em famílias endividadas e negócios que falham por falta de literacia.
Mas porquê tanto silêncio? Falar de dinheiro é visto como feio, ganancioso. Talvez seja por isso que a ignorância financeira continua de geração em geração. Em Portugal, ser rico é quase um vírus. A riqueza financeira é vista com desconfiança, como se fosse incompatível com integridade. E, no entanto, todos queremos ser ricos – se não em dinheiro, pelo menos em tempo, saúde ou relações. É um tabu cultural, mas também psicológico.
A economia comportamental explica: somos vítimas de “falhas mentais” como a ancoragem, a aversão à perda e as contas mentais. E a culpa é dos partidos, dos políticos, dos bancos? Não. Somos nós que escolhemos ser individualistas ou aprender continuamente, atualizar-nos e criar ou entrar em grupos de partilha. No trabalho, não se sabe os salários dos colegas, nem como pedir aumentos. Nos negócios, esconde-se o lucro. Em casa, não se ensina os filhos a gerir semanadas. E assim, o dinheiro continua a ser um bicho-papão.
Há dias, tive a aula mais importante da minha vida: a minha primeira aula de literacia financeira a um grupo de crianças do pré-escolar, a turma da minha filha. Confesso: as crianças são o público mais desafiante que há. Habituado a explicar taxas de juro e os famosos “mercados” financeiros a universitários, é um desafio falar de dinheiro para crianças. O mais surpreendente? Elas já sabiam o essencial. Sabiam que poupar é guardar para mais tarde e que há uma diferença clara entre o que é preciso e o que é apenas desejado. Num exercício simples, distinguiram facilmente entre “precisamos de comida e roupa” e “quero um brinquedo novo”.
Talvez sejamos nós, adultos, que nos esquecemos do básico. No jogo infinito do carro maior, da casa melhor, das refeições em restaurantes cada vez mais caros, confundimos necessidades com desejos. Entramos no jogo do status, um jogo sem fim, porque haverá sempre alguém com mais do que nós. As crianças, com a sua simplicidade, lembraram-me que a verdadeira literacia começa muito antes do juro: começa no valor das coisas, não apenas no seu preço.
A psicologia do dinheiro ensina que não somos máquinas racionais, mas podemos aprender com os nossos erros. O segredo está em criar hábitos. Deixo três exercícios de três minutos: 1) Fale de dinheiro sem vergonha com um colega; 2) Crie uma reunião semanal para falar de dinheiro em família e dar a semanada aos filhos; 3) Faça um plano da prosperidade com sonhos e objetivos a 1, 3 e 5 anos.
Chegamos ao ponto crucial: a mentalidade de “Pai Rico, Pai Pobre”, apesar de interessante, falha num aspeto fundamental. Não existe apenas riqueza financeira. Uma pessoa pobre na carteira pode ser rica em tempo, saúde ou relações. A alguns ricos falta-lhe tempo. Mas como não há números para comparar, não valorizamos riquezas invisíveis. Autores como James Clear e Sahil Bloom falam dos tipos de riqueza para uma vida plena.
Agostinho da Silva dizia que os economistas deviam trabalhar na gratuitidade da vida, não apenas em taxas de juro e inflação. Eu acrescento: é missão dos políticos e dos economistas criar uma cultura onde se valorize todas as formas de riqueza. Uma literacia da riqueza, não apenas financeira. No caminho da prosperidade e paz, como os dois polos de prata e ouro do nosso V império, a riqueza temporal e espiritual dos portugueses. Necessitamos de encontrar o equilíbrio.
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