
Ensaio sobre a Cegueira
Lá diz o ditado que “o pior cego é aquele que não quer ver” e, em pleno 2025, assistimos a uma sociedade que teima em não ver a importância da literacia financeira.
Há 30 anos, o Nobel da Literatura, José Saramago, publicou um livro (que originou um filme) sobre uma epidemia de cegueira que se espalhou pela cidade, mas uma das personagens conseguia ver embora não o revelasse. Lá diz o ditado que “o pior cego é aquele que não quer ver” e, em pleno 2025, assistimos a uma sociedade que teima em não ver a importância da literacia financeira.
Em 2023, no 4º inquérito global de literacia financeira para adultos, realizado pela International Network on Financial Education, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e divulgado no mês de dezembro, Portugal ficou em 13º lugar, num universo de 39 países, incluindo 20 membros da OCDE. O resultado não surpreendeu, na medida em que nos inquéritos anteriores o País não esteve em melhores posições na tabela, o que significa que os portugueses pouco evoluíram em termos de conhecimento e de comportamentos financeiros.
Se os portugueses “mais velhos” não tiveram formação financeira, os jovens tendem a seguir o mesmo caminho, apesar de demonstrarem uma ligeira melhoria. No último relatório (divulgado em Julho de 2024) do PISA (Programme for International Student Assessment), desenvolvido pela OCDE e que avalia a literacia financeira de jovens de 15 anos, Portugal esteve em linha com a média dos 14 países da OCDE que participaram neste estudo e alcançou o 9º lugar, num universo de 20 países. Já nos países que integram a União Europeia, Portugal é o sétimo país com desempenho mais elevado, ao nível de capacidades financeiras consideradas básicas. Os jovens de países como Bélgica, Dinamarca, Holanda, Áustria ou Polónia demonstram um entendimento sólido de conceitos como poupança, investimento, taxas de juro e gestão de dívidas enquanto os jovens portugueses revelam dificuldades.
Os rankings valem o que valem, mas a realidade é que existe uma urgência na literacia financeira, dos jovens e dos “menos jovens”. A formação financeira dos cidadãos começa, muitas vezes, no ambiente familiar. Pais, avós, irmãos mais velhos ou até amigos próximos desempenham um papel essencial nas primeiras abordagens a conceitos como poupança, impostos, direitos e deveres em sociedade. Esta transmissão informal de conhecimento é tão relevante quanto qualquer componente curricular, constituindo a base para decisões conscientes ao longo da vida adulta.
Num contexto económico cada vez mais complexo, a educação financeira precoce contribui para a construção de comportamentos responsáveis e sustentáveis. Tal como a sociedade reconhece a importância da prevenção e repressão da criminalidade, o dever do respeito e a capacidade de integração e tolerância das diferenças – sim, somos todos iguais e todos diferentes, por isso cada um de nós é único -, também deve valorizar o investimento na capacitação dos mais jovens em matérias financeiras e parafiscais.
A literacia financeira não é apenas uma necessidade nas áreas de competências do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória; é também um ativo estratégico para as empresas que pretendem operar de forma sustentável e resiliente. A capacitação dos colaboradores em temas financeiros e fiscais não se resume a uma vantagem pessoal — traduz-se em maior estabilidade, em melhores tomadas de decisão e no aumento da produtividade dentro das organizações.
O papel da família e da escola nas primeiras abordagens à gestão financeira é indiscutível, mas cabe também às empresas assumirem um papel ativo na promoção de competências que permitam aos seus quadros uma gestão melhor o seu rendimento, planear a poupança, evitar o sobre-endividamento e compreender instrumentos como seguros, investimentos ou planos de reforma.
As empresas com colaboradores financeiramente informados beneficiam da redução do stress financeiro (que afeta diretamente o desempenho e o absentismo); uma melhoria no planeamento de carreira e reforma, com impacto positivo na retenção de talento; e uma cultura de responsabilidade e gestão de risco, transversal ao ambiente de trabalho. Por outro lado, ao promoverem programas de literacia financeira, as empresas contribuem para uma sociedade economicamente mais equilibrada, onde o tecido produtivo encontra consumidores, investidores e parceiros mais preparados.
Num momento em que se fala de ESG, sustentabilidade e responsabilidade social, apostar na educação financeira interna deve ser entendido como uma prioridade de gestão e não apenas uma boa prática complementar. Investir na literacia dos colaboradores é investir no futuro da própria empresa.
A literacia financeira não é apenas um meio de melhorar rendimentos individuais ou empresariais, mas um verdadeiro instrumento de coesão social. Em última análise, garantir que todos têm acesso a informação financeira clara, compreensível e útil é uma condição essencial para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, resiliente e economicamente sustentável.
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