Idiossincrasias do Direito Penal Tributário

  • Catarina Gomes Correia
  • 25 Setembro 2025

A jurisprudência e a doutrina maioritárias (embora não unânime) defende que, mesmo no caso de não pronúncia por prescrição, o Ministério Público pode avançar com o pedido de indemnização civil.

Os fiscalistas estão habituados a olhar para a liquidação de imposto e analisar a viabilidade para a contestar perante os tribunais tributários. A maior parte das questões discutidas resulta de uma divergente interpretação da norma fiscal por parte do contribuinte e da Autoridade Tributária (AT).

Quando os factos tributários são suscetíveis de integrar um tipo legal de crime, caso o contribuinte esteja a discutir a legalidade da liquidação junto dos tribunais tributários, o processo-crime deverá ficar suspenso, a aguardar o trânsito em julgado do processo tributário. Isto porque, à partida, sem imposto em falta, não há crime.

Já os penalistas estão habituados a defender diretamente o arguido em processo-crime, sem que tenha havido uma liquidação de imposto prévia e sem que o arguido tenha tido a hipótese de contestar a legalidade dessa liquidação.

Isto acontece porque a AT usufrui de uma enorme prerrogativa: pode socorrer-se de diferentes meios de cobrança do imposto em falta. E se os factos tributários integrarem um tipo legal de crime, pode optar por não emitir qualquer liquidação de imposto e seguir diretamente para o processo-crime, por ação do Ministério Público, e aí ressarcir-se do imposto considerado em falta, através de um pedido de indemnização civil insertado no processo-crime.

Ora, isto levanta uma série de questões, designadamente, o que acontece se o crime não for pronunciado, por prescrição, ou se o arguido for absolvido?

O artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que “a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado.” Isto significa que, mesmo que não se venha a provar a prática do crime, o Estado pode recuperar o imposto alegadamente em falta, por via do pedido de indemnização civil – pedido esse que deve reunir os pressupostos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre facto e dano). O que, à partida, deveria ser uma tarefa de difícil demonstração quando a prática do crime não ficou provada. Não deveria o Estado lançar mão de uma ação de responsabilidade civil dita “normal” junto dos tribunais civis ou, então, emitir uma liquidação de imposto, proporcionando ao contribuinte a discussão da sua legalidade?

E no caso de não haver sequer pronúncia, por se concluir pela prescrição? Surpreendentemente, a jurisprudência e a doutrina maioritárias (embora não unânime) defende que, mesmo no caso de não pronúncia por prescrição, o Ministério Público pode avançar com o pedido de indemnização civil. Para nós, seria mais razoável concluir que sem crime, não há dano por ele causado.

Responsabilidade criminal, civil e tributária não se confundem. Em casos destes, parece-nos que o correto seria a AT seguir as regras próprias tributárias, balizada designadamente pelo prazo de caducidade da liquidação e pela responsabilidade meramente subsidiária de gerentes de pessoas coletivas.

  • Catarina Gomes Correia
  • Associada Sénior na Área Fiscal da MFA Legal

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