O Sistema Fiscal Português como promotor do desenvolvimento económico e social

  • Paula Franco
  • 9:30

Um sistema fiscal moderno, justo e transparente pode ser um motor de desenvolvimento económico e coesão social. Mas, para isso, é urgente libertar o país da complexidade que o aprisiona.

O sistema fiscal português é frequentemente alvo de críticas por parte dos contribuintes, empresários, contabilistas certificados e até académicos. A principal razão? A sua complexidade, constante mutação legislativa e falta de diálogo com os intervenientes no terreno. Esta realidade tem efeitos profundos no desenvolvimento económico e social de Portugal.

A fiscalidade em Portugal caracteriza-se por uma teia intrincada de códigos, exceções, regimes especiais e obrigações interligadas. Ao longo das últimas décadas, têm sido introduzidas alterações legislativas quase constantes, com muitas redundâncias, muitas vezes sem uma avaliação de impacto rigorosa, sem tempo de preparação adequado e sem a posterior análise de impacto. A insegurança legislativa, jurídica e empresarial que daí advém cria dificuldades tanto para quem cumpre como para quem executa e fiscaliza, resumidamente, todos os vários intervenientes são afetados negativamente.

Os contabilistas certificados deparam-se com constantes mudanças, interpretações ambíguas, formulários de complexo preenchimento, desproporcionais responsabilidades, problemas nos portais das entidades públicas e obrigações declarativas complexas. Em vez de estarem focados na análise financeira, na consultoria estratégica, na criação de valor e em serem parceiros dos empresários na ajuda de tomada de decisões, veem-se assim muitas vezes reduzidos a executores de obrigações legislativas, sendo limitados, no valor acrescentado de uma profissão de interesse público para toda a sociedade civil.

A burocracia associada ao cumprimento fiscal é uma das grandes queixas dos empresários portugueses, em particular das pequenas e médias empresas, que são a espinha dorsal da economia nacional. Desde o registo de atividade à liquidação de impostos, passando pela submissão de relatórios, o caminho é moroso, confuso e sujeito a penalizações por falhas que, muitas vezes, resultam de lapsos administrativos em vez de intenção dolosa.

Mais grave ainda é a falta de diálogo sistemático entre os decisores políticos, os técnicos da administração tributária e os profissionais e empresários no terreno – os contabilistas certificados e as empresas. São aprovadas normas com prazos irrealistas, complexidade desnecessária e ferramentas digitais mal testadas. A realidade operacional das empresas e dos gabinetes de contabilidade é frequentemente ignorada em nome de metas sem objetivos claros.

Este cenário desincentiva o investimento e o empreendedorismo. Muitos empresários consideram que o tempo e recursos que gastam para cumprir obrigações fiscais poderiam ser canalizados para inovação, expansão ou contratação. O impacto cumulativo é significativo: menos crescimento, menos emprego, menos receita fiscal a longo prazo.

Este modelo tem um custo. A ineficiência fiscal prejudica a competitividade nacional. Investidores estrangeiros veem em Portugal um destino burocraticamente denso e fiscalmente arriscado. Internamente, a desconfiança em relação à administração fiscal alimenta a informalidade e a evasão, enfraquecendo a relação entre o Estado e os seus cidadãos. Socialmente, os contribuintes sentem que o esforço fiscal não é recompensado por serviços públicos eficientes. A perceção de injustiça fiscal corrói a confiança nas instituições e contribui para o descrédito da política fiscal como ferramenta de desenvolvimento.

Mas existe um caminho que percorrido, com diálogo, planeamento, visão e estratégia, pode criar um sistema fiscal mais eficiente, amigável e incentivador ao investimento e crescimento económico e social. Que caminho é esse? Simplificar o sistema fiscal, reduzir obrigações acessórias e promover uma linguagem legislativa clara, são passos fundamentais. Mas não bastam. É necessário criar mecanismos de diálogo e cooperação ativa entre o legislador, os profissionais e os empresários, apoiar a literacia fiscal desde cedo e apostar numa reforma estrutural e não apenas remendos legislativos.

Um sistema fiscal moderno, justo e transparente pode ser um motor de desenvolvimento económico e coesão social. Mas, para isso, é urgente libertar o país da complexidade que o aprisiona.

  • Paula Franco
  • Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

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