Dificuldades crescentes nos contratos de obras públicas ameaçam execução de projetos
Presidente do Conselho Científico do Observatório das Autarquias Locais alerta que "a execução dos contratos de empreitada, neste momento, é das mais difíceis de sempre dos últimos 20 anos".
As dificuldades na execução dos contratos de obras públicas, exacerbadas pelos crescentes preços dos materiais e mão-de-obra e pela falta de soluções no Código dos Contratos Públicos, ameaçam comprometer a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), alertam intervenientes no setor.
Em declarações à agência Lusa, o presidente do Conselho Científico do Observatório das Autarquias Locais, Bartolomeu de Noronha, considerou que “a execução dos contratos de empreitada, neste momento, é das mais difíceis de sempre dos últimos 20 anos”, em resultado “do aumento dos preços dos materiais e da mão-de-obra sentidos, dos projetos com muitas deficiências técnicas, da falta de engenheiros e, também, de mão-de-obra qualificada”.
Adicionalmente, sustentou, faltam também “soluções no Código dos Contratos Públicos [CCP] que promovam o encontro de soluções entre as partes, em vez de impor procedimentos, alguns deles anacrónicos, que acabam por gerar conflitos latentes entre os donos de obra e os empreiteiros”.
Bartolomeu de Noronha arrisca mesmo dizer que os problemas jurídicos no setor serão, atualmente, “possivelmente os maiores desde o ano 2009, altura em que o Código dos Contratos Públicos entrou em vigor”.
Uma opinião secundada por um conjunto de sociedades de advogados ouvidas pela agência Lusa, que apontam um “impacto enorme” do avolumar dos conflitos jurídicos na contratação de obras públicas na elaboração e execução dos projetos do PRR.
“O impacto é enorme. Se um empreiteiro teve de financiar uma obra pública — que é o que sucede sempre que há um verdadeiro direito ao reequilíbrio financeiro — e, ainda por cima, não raras vezes, tem que suportar multas contratuais, obviamente que a tesouraria das empresas é afetada”, sustentam Diogo Duarte de Campos e Joana Brandão, da PLMJ Advogados.
“Diria, portanto, que o impacto é sobretudo a destruição de empresas viáveis por mera falta de tesouraria e o próprio encarecimento das propostas, seja por via da menor concorrência, seja porque as empresas tendem a cobrar uma margem de risco maior”, acrescentam.
Para a Carla Granjo Advogados, o principal impacto destes conflitos na execução do PRR resulta da “morosidade e alterações de conceção”, que “provocarão atrasos na execução dos projetos”, assim como da “insegurança das entidades adjudicantes relativamente às auditorias a realizar pelas entidades gestoras dos fundos no que respeita à gestão dos procedimentos/contratos”.
“Os impactos já se estão a sentir e vão aumentar, porque o setor da construção nos últimos 20 anos adquiriu pouco ‘know how’ [saber fazer] e perdeu muitos quadros que emigraram, sentindo-se também essa degradação no lado público, dados os constrangimentos orçamentais verificados nos últimos anos, o que acaba por se refletir na falta de capacitação de todos os intervenientes que vão ser necessários para executar os projetos do PRR”, destaca, por sua vez, Bartolomeu de Noronha.
No que respeita ao CCP, o responsável do Observatório das Autarquias Locais considera que as regras de mais difícil execução e que originam maiores conflitos são “as relativas aos trabalhos complementares (anteriormente designados por trabalhos a mais), a impossibilidade de no decurso da obra se implementarem soluções em tempo útil que permitam resolver as célebres derrapagens de custos e dos prazos e a falta de mecanismos de resposta aos impactos causados pela Covid-19 e pela guerra na Ucrânia”.
Já pela positiva, aponta a “possibilidade de se recorrer a concursos de conceção-construção sem ser em casos excecionais”, salientando que tal era “inevitável para evitar a perda de fundos comunitários, designadamente do PRR, permitindo os concursos informalmente designados por ‘2 em 1’, que podem evitar demoras burocráticas, ganhando-se tempo para se tentar reverter alguns dos atrasos verificados no planeamento do PRR”.
Sérgio Barbosa, advogado da empresa de engenharia e construção Teixeira, Pinto & Soares (TPS), de Amarante, fala em “vários obstáculos” logo desde o lançamento de um concurso público até à sua adjudicação e considera que as várias alterações que têm vindo a ser introduzidas no CCP ao nível dos erros e omissões do projeto “nem sempre [foram] bem conseguidas, nomeadamente quanto à assunção de responsabilidade pelo preço dos trabalhos complementares, anteriormente designados por trabalhos de suprimento de erros e omissões”.
Na opinião da Carla Granjo Advogados, para as empresas, as consequências mais gravosas dos problemas jurídicos no setor são “as penalidades aplicadas por atrasos na execução das empreitadas e os sobrecustos decorrentes da sobre estadia em obra”.
Já para a economia, os principais efeitos negativos são “os acréscimos da despesa com os sobrecustos das empreitadas, incluindo reposição do equilíbrio financeiro dos contratos e com as revisões de preços, sem olvidar as perdas decorrentes da indisponibilidade das obras no tempo previsto”.
Uma “maior maturação na conceção dos projetos, evitando alterações em fase de execução”, e uma “maior interação entre as adjudicantes e as entidades gestoras dos fundos ao nível da interpretação das normas nacionais e comunitárias” são algumas das sugestões da advogada para evitar estes conflitos.
Para a PLMJ, seria também “muito importante que as obras de valor superior a, por exemplo, 25 milhões de euros tivessem obrigatoriamente um mecanismo [como os denominados CPAL – Comités de Prevenção e Acompanhamento de Litígios] para não se chegar ao final de execução dos contratos com ações de dezenas de milhões de euros”.
“Acha normal que em pleno século XXI, um litígio que venha a ocorrer numa obra do PRR venha a ser decidido daqui a dez ou 15 anos num tribunal? É absolutamente irracional em termos económicos”, corrobora Bartolomeu de Noronha.
Havendo já quem prognostique que poderá vir a ser difícil encontrar empresas que assumam o risco de certas empreitadas, um grupo de empresas de engenharia e de advocacia (Observatório das Autarquias Locais, TPS, PLMJ Advogados, Borges da Ponte Linhares Dias & Associados, Carla Granjo Advogados, CMS Rui Pena & Arnaut, Cuatrecasas, Eversheds Sutherland FCB, e Rosário Coimbra Advogados) tem procurado definir boas práticas e encontrar formas de dirimir conflitos e criar uma espécie de jurisprudência tácita, pretendendo, neste sentido, lançar, no próximo mês de outubro, uma publicação dedicada ao tema, designada Revista de Direito da Construção.
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