E se tivesse carta branca para criar uma Lady Dior, o que faria?

  • Rita Ibérico Nogueira
  • 14:15

Há nove anos que a Dior convida um grupo de artistas para recriarem a sua carteira mais icónica, a Lady Dior. O projeto Dior Lady Art trouxe a Lisboa 20 carteiras criadas por 11 artistas.

Para uma marca de luxo tão tradicional como a Dior, é preciso muita confiança no seu legado (e algum desprendimento) para ceder uma tela em branco e total liberdade artística sem temer o resultado. Pelo contrário, o resultado é de tal forma estrondoso que, já na sua nona edição, o Dior Lady Art é já um evento anual aguardado com ansiedade por colecionadores de arte e clientes habituais da maison.

Mas este tema tem uma nuance especial: a boutique Dior de Lisboa foi a única do mundo a receber a coleção deste ano da Dior Lady Art. A Fora de Série foi conhecê-la ao vivo e, das 20 carteiras que vieram para exposição na loja, 9 já tinham sido arrematadas. Ao dia de hoje, é bem possível que não reste nem uma Lady Dior para contar a história na loja. Por isso, contamo-la nós aqui.

Primeiro, falemos da tela. Lady Dior é uma lenda no universo das carteiras-ícone, um objeto de desejo que transcende as fronteiras da inovação. Portadora de uma elegância intemporal, tem uma arquitetura refinada, com as linhas gráficas de assinatura que imortalizaram o padrão cannage, numa fusão dos códigos eternos da maison com a pluralidade do seu savoir-faire. Quis a história que Lady Dior tivesse um destino extraordinário que fosse continuamente moldado por novos conceitos e muita criatividade. E por isso, desde 2016 que a Dior dá, anualmente, luz verde a grupos de artistas selecionados a dedo para revisitarem esta carteira e nela depositarem a sua visão, o seu universo, a sua singularidade. Alguns dos mais talentosos artistas mundiais assinaram modelos para as edições anteriores. A portuguesa Joana Vasconcelos foi um deles.
Nesta nona edição, foram 11 os artistas convidados. Sara Flores, Jeffrey Gibson, Woo Kukwon, Danielle McKinney, Duy Anh Nhan Duc, Hayal Pozanti, Fé Ringgold, Vaughn Spann, Anna Weyant, Liang Yuanwei e Huang Yuxing tiveram a Lady Dior como ponto de partida para uma metamorfose artística com perspetivas diferentes (e únicas). Cada uma das interpretações espelha o prisma, os valores, a narrativa, a poética, a magia de cada um, numa combinação alquímica de legado e liberdade criativa.

A proposta da artista indígena peruana Sara Flores chamou-nos a atenção pela sua pureza e, em simultâneo, sofisticação. A sua obra inspira-se na Kené, a linguagem visual milenar da prática artística do povo Shipibo-Conibo, um grupo indígena que habita na margem do rio Ucayali na Amazónia peruana. As criações de Sara revelam hipnóticos labirintos que ilustram o poderoso enraizamento que a Amazónia tem na sua herança cultural.

Fortemente inserida na sua comunidade indígena, o quotidiano de Sara Flores fica distante do glamour do mundo da moda parisiense, afastado dos códigos da linguagem do luxo. E é isso também que enriquece ainda mais esta colaboração. Perceber de que forma estes dois mundos, aparentemente tão opostos, se conseguem intercetar e criar uma aliança sinergética de excelência entre passado, presente e futuro.

Neste desafio, Flores quis destacar o legado da sua comunidade e imaginou duas carteiras que refletem não só a sua obra pessoal – pintura em tela que utilizam pigmentos vegetais – mas também os códigos ancestrais do seu povo. Daí o destaque para o bordado em forma de serpentina, um sistema de design característico deste povo indígena, que remete para promessas espirituais de cura. Com uma serpente cósmica entrelaçada na pega, o primeiro modelo – disponível em tamanho médio – brilha com uma constelação de contas pretas, enquanto o segundo – em formato mini -, junta uma quantidade de contas em prata. Talvez pela ingenuidade e genuinidade inerentes às peças, foram as primeiras a serem vendidas.

Feminista, ativista, artista, educadora. Durante quase sete décadas, Faith Ringgold desafiou as perceções de identidade racial, justiça social e desigualdade de género. Nascida no Harlem, refletiu estes temas na sua obra nas formas inovadoras com que misturou as técnicas de storyteling com o acolchoamento têxtil, fundindo o ativismo, o artesanato e as tradições das belas artes. Para a Dior Lady Art, Faith criou seis peças diferentes, inspiradas na liberdade da mulher e nos seus próprios cartazes de protesto político de 1971, em que criou colagens de materiais metálicos com frases do jazzmama can sing, papa can blow – vividamente recriadas num intrincado bordado de missangas. Outras incursões da artista na pintura abstrata, influenciada pelos designs Kuba da África Central, materializaram-se numa Lady Dior sublimada com pérolas e charms ou num modelo inspirado nos livros de histórias infantis, em que a Lady Dior, num tom de azul escuro, apresenta o esboço da ponte George Washington. Nas alças, por dentro, a frase empoderadora “anyone can fly, all you gotta do is try”. Para grande pena nossa – e de Maria Grazia Chiuri, a diretora artística da maison Dior, Faith Ringgold morreu no passado mês de Abril, deixando inacabadas várias colaborações que estava a desenvolver para a casa.

Por fim, e porque também nos sentimos cativados pela inspiração que levou Jeffrey Gibson a criar uma verdadeiramente escultural Lady Dior, reunindo ali as tradições nativas americanas, numa estética ultra-colorida, quase psicadélica. Artista versátil, Gibson combina, na sua obra, a pintura, a escultura, os têxteis e o vídeo, criando um vocabulário visual híbrido em que a criações como que ganham voz, entoando slogans ou versos de canções que celebram os esquecidos e os marginalizados da sociedade. Este universo pop e singular foi transposto para uma Lady Dior que faz uma ode ao amor. De um lado, o logo Dior é estampado com a inscrição “amor,amor,amor”. Do outro lado, a carteira está coberta por inúmeros cadeados em forma de coração, impressos em 3D, numa comovente homenagem aos cadeados amorosos que costumavam cobrir as pontes parisienses. Sem dúvida, uma das nossas versões favoritas.

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