Marcelo deixa passar desagregação de freguesias à segunda, mas maioria parlamentar pode falhar

Parlamento demorou 13 dias a fazer chegar a Belém a lei para apreciação. A Marcelo bastaram cinco dias para vetar. Agora, PS assegura uma segunda votação, mas não está assegurada maioria parlamentar.

Nesta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu a associação das freguesias e alguns partidos com assento na Assembleia da República ao vetar a desagregação de freguesias, e as críticas não se fizeram esperar. Já esta tarde, o Presidente da República explicou a base da decisão: “Uma coisa destas não se deixa para tão tarde”.

O Parlamento votou a desagregação de 135 uniões de freguesias em 302 freguesias muito em cima das autárquicas, para o chefe de Estado. “Não vetei por ter dúvidas sobre a vontade das populações, por entender que não se pode mudar de opinião, por achar que em si mesmo unir freguesias é por natureza certo. Vetei apenas por uma pequena razão, o tempo. O que era normal é que isto tivesse acontecido no ano passado, dava mais tempo para fazer o que é preciso fazer”.

O regresso do diploma ao Parlamento foi assegurado esta tarde pelo PS. Contudo, com um somatório de 87 deputados, PS, PCP e Bloco de Esquerda, que já vieram afirmar que votarão de novo a favor na reapreciação da desagregação de freguesias, estão aquém da maioria de 116 deputados necessária para obrigar o Presidente de República a promulgar o diploma que vetou nesta quarta-feira.

Mesmo adicionando o PAN, Livre e CDS, que também validaram a criação de 302 novas freguesias na primeira votação, a 17 de janeiro, a lista não supera os 94 votos a favor.

Na segunda votação, que o PS já afiançou que ocorrerá “de imediato”, exige-se uma “maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções”, aponta o artigo 136 da Constituição. A 17 de janeiro, na primeira votação, bastava uma votação por maioria simples, embora tenham estado a favor mais de dois terços dos deputados.

Contudo, agora o PSD ainda está a estudar a sua posição em nova votação. Se os socials-democratas e o Chega, que somam 127 deputados (aos quais acrescem dois do CDS, partido que também apoia o Governo, e o ex-membro da bancada do Chega, Miguel Arruda) se abstiverem ou votarem contra, a desagregação de freguesias não passará.

Ao passo que o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda já reconfirmaram, sem dúvidas, a sua posição a favor da desagregação, a posição dos sociais-democratas e do partido de André Ventura é ambígua.

Esta tarde, o PSD, pela voz do secretário-geral e líder do grupo parlamentar, Hugo Soares, considerou que a posição de Marcelo “tem peso” e “merece reflexão”, pelo que preferiu não anunciar o passo seguinte, seja o pedido de reapreciação parlamentar (já assegurado pelo PS) ou o sentido de voto.

Uma posição que o presidente da ANAFRE, Jorge Veloso, não deixa passar em claro a posição do partido: “O PSD esteve com o PS e os outros partidos que votaram a favor. O que é que o faz mudar de opinião? Não entendemos o que o faz mudar de opinião em 15 dias. Esperemos bem que não mude“.

Do lado do Chega, André Ventura reagiu igualmente no Parlamento e reafirmou que o partido “não apoiará esta reconfirmação” no Parlamento “se o diploma vier como está”. Ventura exige que as novas freguesias a criar sejam aquelas que cumprem os critérios de desconcentração, excluindo-se assim aquelas que entraram à última hora na lista em votação no Parlamento, depois de a sua criação ter sido chumbadas na comissão parlamentar onde as candidaturas das freguesias foram apreciadas.

Conversando com os jornalistas no Parlamento, Hugo Soares considera que “nem o país está com uma urgência nesta decisão, nem isto é uma decisão que careça de uma urgência de pé para a mão, da manhã para a noite”, afirmação que carece de alguma sustentação, considerando que o prazo máximo para criação das freguesias será o final de março, ou início de abril, mediante a data que o Governo venha a marcar para as autárquicas.

Até lá, será necessário que a lei seja de novo reapreciada e enviada para Belém, sendo que Marcelo Rebelo de Sousa terá de promulgar o diploma no prazo de oito dias. Será ainda necessário que a lei fique expressa em Diário da República e entre em vigor.

Nem o país está com uma urgência nesta decisão, nem isto é uma decisão que careça de uma urgência de pé para a mão, da manhã para a noite

Hugo Soares

Presidente da bancada parlamentar do PSD

Quem já garantiu não mudar de sentido de voto serão PS, BE e PCP, que nesta quinta-feira reforçaram a mensagem de apoio ao diploma de desagregação.

Pedro Nuno Santos, líder socialista, assegurou esta tarde que “o Partido Socialista reconfirmará” o voto a favor “no que diz respeito à desagregação das freguesias. O Partido Socialista é muito claro: nós temos um dever de respeito para com as populações, que viram expectativas criadas, trabalharam, empenharam-se, mobilizaram-se para terem as suas freguesias de volta”.

Antes Marina Gonçalves, vice-presidente da bancada socialista, já prometera uma reação “de imediato”, anunciando: “Na data mais próxima possível será reagendado e será da nossa parte confirmado o processo que aqui tivemos no Parlamento”.

No Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, considera que “não há nenhuma razão para este veto. Aliás, o senhor Presidente da República tinha dito que não ia obstaculizar, interferir neste processo”, notou a líder bloquista em declarações aos jornalistas. O BE o que fará é reafirmar o diploma que saiu da Assembleia da República e fazê-lo de forma a que possa cumprir os prazos legais, para ser aplicado nas eleições autárquicas”.

No PCP, a posição é particularmente dura para com PS e PSD numa mensagem intitulada “repor as freguesias, ultrapassar o veto, fazer justiça às populações”. Os comunistas, que contam com quatro deputados na Assembleia, indicam que “não há razões nem argumentos plausíveis para não dar concretização à reposição das freguesias”. Defende o PCP que “invocar a proximidade às eleições não tem a mínima base de consistência se for tido em conta que, quando se tratou da liquidação de mais de um milhar de freguesias, imposta pelo governo PSD/CDS a pretexto da troika – a sete meses das eleições locais de 2013 –, esse critério não foi invocado!”

Marcelo e o tempo

Na altura dessa aprovação da agregação de freguesias, na chamada “lei Relvas”, a presidência estava nas mãos de Aníbal Cavaco Silva. Agora, é Marcelo Rebelo de Sousa o chefe de Estado. “A minha ideia não é travar por travar. É pedir à Assembleia que reflita uma vez, porque do que se trata não é apenas mudar uma lei eleitoral”, mas sim “pôr em funcionamento freguesias que há 11 anos não funcionam autónomas. É dividir o património, as finanças, organizar coisas”.

O Presidente indica que “teria preferido que isso tivesse sido preparado com mais tempo. A razão por que me apressei a vetar foi para dar chance do Parlamento, se quiser, dizer ‘é este ano, tem de ser este ano’. Eu ficaria de consciência pouco tranquila por não chamar a atenção para isto. Separar ou unir não se pode fazer a correr. Foi por causa disso que eu fui contra a agregação que foi feita muito a correr em 2013”.

Caso tenha de promulgar o diploma da desagregação numa nova fase, Marcelo não fará frente aos deputados, assegura. “É a vontade popular quem mais ordena. Não fico preocupado, ferido, melindrado, nada”.

Já seguro está o voto contra da bancada parlamentar da Iniciativa Liberal, único partido contra esta desagregação na votação de 17 de janeiro. Manifestando “grande satisfação” pelo veto de Marcelo, a líder parlamentar, Mariana Leitão, disse ao ECO/Local Online que “a sustentação do Presidente da República faz todo o sentido. O que sabemos é que a reposição de freguesias não traz benefícios para a população”.

Pelo contrário, afirma, “vai originar mais estruturas, cargos políticos, custos acrescidos para os contribuintes, a que sempre nos opusemos”. A líder parlamentar liberal é clara: “Não vamos sair de onde sempre estivemos, contra a reposição freguesias. Estamos na expectativa de que pelo menos alguns dos partidos aproveitem para repensar a sua posição”.

Apesar da veemência social-democrata a 17 de janeiro no Parlamento, “o PSD tudo fez para terminar o processo de desagregação. Está feito. Está na hora de fechar este ciclo e olhar para o futuro”, disse então a deputada Olga Freire, que é também presidente da Junta de Freguesia da Maia –, não é ainda certo se o partido seja coerente com essa posição ou com a de 2013, quando, apenas com apoio do CDS, aprovou a “lei Relvas”.

O presidente da associação das freguesias, Jorge Veloso, afirma-se ““perplexo” com o veto e, à Lusa, recordou que “ainda há um mês o senhor Presidente falou para comunicação social quando começaram a ser levantadas algumas hipóteses de veto (…) e disse que nunca lhe passaria pela cabeça essa situação porque ele próprio tinha promulgado esta lei que permitiu que houvesse a desagregação”.

De forma veemente, o presidente da Anafre considera que “o que está aqui em causa é que o Presidente tem uma posição que é contra os autarcas, contra as suas populações e contra todo o trabalho que os deputados tiveram na Assembleia da República e para nós isso é chocante.

Marcelo Rebelo de Sousa já veio defender a sua posição. Alvo de críticas de vários quadrantes ao longo desta quinta-feira, deixou esta tarde um novo dado para o julgamento da sua decisão: o Parlamento demorou quase o dobro a enviar-lhe a lei para apreciação daquilo que o Presidente levou para a analisar e vetar.

Eu estava a olhar para o calendário – e a dizer está a andar o calendário– e nunca mais me chega esta lei. Todos os dias me falavam ‘a lei está votada, mas está em redação final’”. O diploma, explicou aos jornalistas, chegou a Belém a 5 de fevereiro e o despacho presidencial é de 12 de fevereiro, “muito antes de haver convocação de eleições, para dar tempo à Assembleia para confirmar e seguir em frente. A minha ideia não é travar por travar. É pedir à Assembleia que reflita, uma vez porque do que se trata não é apenas mudar uma lei eleitoral”.

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