“De certeza que não vou estar no meu leito de morte a pensar que gostava de ter passado mais tempo no Instagram”
Relógios

“De certeza que não vou estar no meu leito de morte a pensar que gostava de ter passado mais tempo no Instagram”

Rita Ibérico Nogueira,

Christoph Grainger-Herr, CEO da IWC Schaffhausen, falou com a Fora de Série na inauguração da boutique da marca em Lisboa. Uma conversa sobre tempo – e sobre como torná-lo produtivo, online e offline.

A ligação entre a IWC Schaffhausen e Portugal remonta há mais de 85 anos, desde a criação do modelo Portugieser, mas só agora a marca suíça de alta relojoaria inaugura oficialmente a sua primeira boutique em Lisboa, na Avenida da Liberdade. Para assinalar o momento, a escolha do relógio a usar foi simbólica para Christoph Grainger-Herr, o CEO da marca: o IWC Portugieser Eternal Calendar, um feito da engenharia mecânica que redefine os limites da precisão e da longevidade. O modelo, que venceu o Grand Prix d’Horlogerie de Genève, destaca-se pelo seu calendário perpétuo inovador, capaz de se autorregular até ao ano 4000, e pela precisão da fase lunar, que só precisará de ajuste dentro de 45 milhões de anos.

Nesta conversa, exploramos a essência da marca, a importância do design e da história na relojoaria de luxo e o que o ato de escolher um relógio revela sobre a personalidade do seu dono. E, claro, falamos do novo espaço da IWC em Lisboa, um conceito que alia sofisticação e hospitalidade, refletindo a identidade de uma marca que há décadas traça o seu próprio tempo.

O seu relógio [IWC Portugieser Eternal Calendar] é espantoso. Pode falar um pouco dele?
Este é o calendário perpétuo que ganhou o Grand Prix D’Horlogerie de Genève no ano passado, que é o Oscar da relojoaria. É espantoso, sim, e é uma peça que significa muito para mim, porque nunca tinha ganho um prémio de relojoaria antes e, ao fim de 20 anos de profissão, já era tempo. Este relógio é único, porque inventámos uma versão muito especial de calendário perpétuo em 1985. O nosso mestre relojoeiro Kurt Klaus, diretor técnico na altura, inventou um calendário perpétuo controlado apenas por uma coroa, que não tem os botões de correção. Na generalidade, os calendários perpétuos têm uma limitação (embora eu não goste de lhe chamar assim): com os anos bissextos de quatro em quatro anos, há certas exceções no século completo, e por causa disso precisam de ser ajustados. Neste caso, ele corrige-se a si próprio e vai até ao fim do calendário gregoriano, que é no ano 4000. Depois temos também as fases da lua, que é algo muito específico da IWC ter dupla fase da lua para os dois hemisférios, norte e sul, que mostra a lua em qualquer direção. Também aqui, normalmente, após 470 anos, a fase da lua está desfasada um dia e precisa de ser ajustada. Por isso acrescentámos três novas engrenagens a este movimento com um cálculo informático muito preciso da relação engrenagem versus tamanho da engrenagem. E isso elevou a precisão para 45000000 anos, o que é um recorde mundial. É quase a eternidade. E, ainda assim, tem sete dias de reserva de marcha, tem componentes de cerâmica, caixa de platina, este belo acabamento em que o mostrador é feito de vidro, tem uma cúpula de vidro de safira no topo, tal como todos os sub-contadores também são aplicados em vidro. No verso também usamos vidro, e isso acontece porque o vidro dura muito mais tempo do que o metal – para um calendário eterno temos de utilizar um material que não se altera com o tempo.

É o seu relógio de todos os dias?
Não, não é de todo o meu relógio do dia-a-dia. É um relógio especial. Mas ao vir a Portugal senti que tinha de o trazer.

Abrir uma boutique em Lisboa era um objetivo há algum tempo?
Oh sim, tem sido um sonho de longa data abrir uma boutique em Portugal, porque temos os relógios Portugieser, que nos ligam a Portugal há mais de 85 anos, por isso é fantástico ter finalmente o nosso espaço próprio. Uma das histórias de fundação da marca, e que costumo contar, foi a de dois importadores de Portugal que vieram a Schaffhausen e pediram relógios de pulso com a precisão de um cronómetro marítimo, porque era o que o seu mercado pedia. A única forma de a IWC conseguir fazê-lo na altura foi colocar um movimento de relógio de bolso num relógio de pulso, criando o aspeto de grandes dimensões do Portugieser e a referência original 325, que começou a ser o núcleo da IWC, a espinha dorsal da marca. A ligação a Portugal é muito óbvia – e temos a sorte de estar a abrir agora a primeira boutique em Lisboa que, se as coisas continuarem como estão, será a primeira de muitas. A localização é fantástica e temos um novo conceito de loja. É um espaço pequeno, mas penso que, quando entramos, sentimos o espírito de engenharia da IWC – que combina artesanato e tecnologia – e um espaço muito puro, caloroso e acolhedor. É humano, com um ambiente de venda agradável.

Este conceito de ter um bar para receber os convidados é algo que está muito em voga.
Não tem necessariamente a ver com o conteúdo de um bar. É muito mais esta ideia de acolhimento, de desformalização do ambiente e de uma troca mais baseada, diria eu, na amizade. Em termos de psicologia comportamental, faz toda a diferença. Se ao entrarmos numa loja houver uma mesa muito formal, fica estabelecida uma relação formal, certo? Também pode ir para o outro extremo e ter um ambiente de lounge completo mas que, para muitos clientes, é demasiado íntimo. É preciso encontrar um compromisso. Por isso o bar é uma boa forma de elevar as pessoas, colocando-as num ambiente mais informal. A iluminação quente, os pormenores do bar que é um elemento de hospitalidade, sugerem um ambiente mais descontraído.

O importante é termos uma casa da marca na cidade, onde se sente a sua identidade e se cria uma ligação emocional. Em termos de gama de produtos e de serviços, permite-nos fazer muito mais do que em qualquer outro ambiente multimarca: temos os nossos especialistas e uma gama de produtos exclusivos. Na boutique de Lisboa temos a coleção Portugieser em ouro branco Horizon Blue, que é um exclusivo. E depois, claro, permite-nos ativar, fazer eventos, fazer workshops de relojoaria, organizar jantares. Temos um hotel e um restaurante mesmo ao lado, o que nos permite expandir para um espaço maior. É algo que fazemos bastante na nossa boutique principal, em Zurique. Há um restaurante num andar acima e isso permite-nos alargar facilmente o espaço. Às vezes, quando há muita gente à espera à porta, utilizamos os lugares exteriores e sentamos as pessoas, damos-lhes uma bebida enquanto esperam.

Qual o perfil do colecionador de relógios português?
Globalmente, o perfil é, em média, 38,5 anos de idade, empresário autónomo, 65% homens, 35% mulheres. Especificamente para Portugal, o perfil do colecionador não muda muito em relação ao perfil global. Talvez o masculino seja um pouco mais elevado. Diria que estamos nos 72% a pender para o masculino. O modelo Portugisier é o favorito e, embora no resto do mundo o foco esteja mais nos relógios desportivos, em Portugal, à semelhança do mercado escandinavo, a procura vai para modelos mais clássicos.

Em que medida considera que um relógio é uma expressão de personalidade?
Enquanto seres humanos, não há muitos objetos que digam tanto sobre nós como um relógio. Porque, hoje em dia, afirmamo-nos através das nossas roupas, mas é algo limitado. A nossa casa é a nossa casa, se tivermos um carro, nem sempre o levamos connosco, estacionamo-lo lá fora. Mas quando estamos à mesa e conhecemos alguém, muito rapidamente olhamos para os relógios, especialmente nos homens. Porque os relógios têm uma história e um simbolismo únicos. Claro que há um elemento de atitude, de estatuto, mas também há um elemento de sonho que um determinado relógio representa. Porque quando pensamos na IWC, todos os nossos relógios têm origem na ideia de serem instrumentos. O Portugieser era um relógio de navegação. Temos muitos relógios baseados na aviação. Agora temos relógios espaciais, temos relógios para mergulho. Quando pensamos num relógio como o Top Gun, por exemplo, há todo um mundo mental que o acompanha. Há uma atitude ativa, dinâmica, aventureira. Ficamos logo com a ideia de que, quem o usa, é uma pessoa extrovertida, muito ativa.

Quem escolhe um calendário perpétuo, o que diz sobre a sua personalidade?
Dirá que aprecia a melhor relojoaria, mas é alguém que não procura exibir-se no sentido tradicional. Trata-se de um produto que só quem conhece reconhece. Não é um relógio em que toda a gente diz, “ooh, o que é que estás a usar?”. É um relógio de platina topo de gama, tem todas aquelas complicações, mas é algo para as pessoas se divertirem e não algo que se compra só para dizer a alguém que se tem dinheiro para o comprar. O que eu gosto muito é que o design se baseia num instrumento náutico, é como uma bússola, um instrumento de navegação, algo que nos guia, que é o nosso companheiro, é como um amigo que nos acompanha em momentos de decisão da vida. E depois tem uma pequena amolgadela, tem um pequeno arranhão e sabemos onde o batemos e passa a fazer parte da nossa história. É algo muito pessoal. Isso não acontece da mesma forma com a roupa. Não temos isso com os dispositivos digitais, nem com os relógios inteligentes, nem com nada do género.

Mas vejo que também usa um dispositivo digital no outro pulso.
Sim, a minha família ofereceu-ma no meu aniversário para verificar se estou realmente vivo, porque embora este relógio [o calendário perpétuo de que falámos no início da conversa] possa ser eterno, eu não sou. Tenho de estar atento aos sinais. Ao mesmo tempo, fico feliz de pensar que as coisas estão a mudar. Acho que tem vindo a notar-se uma grande mudança de atitude em relação à vigilância digital constante.

Sente que as pessoas estão a querer regressar ao offline, ao old-school?
Não lhe chamaria old-school, chamar-lhe-ia apenas analógico e da vida real. Quando as redes sociais e a conectividade começaram a descolar, foram vistas como uma bênção universalmente positiva: nos velhos tempos do Facebook, podia entrar em contacto com os meus amigos há muito perdidos. E muito rápido, quando demos por isso, estamos na era dos Reels e do TikTok e acho que as pessoas perceberam que estamos a perder tempo. Não só tempo, mas também estamos a perder uma geração de crianças que cresceram a ‘scrollar’ conteúdos intermináveis sem fazer nada de produtivo. É um pouco irónico que estes produtos nos sejam vendidos com a ideia de que podemos ser muito criativos com eles, mas o que estamos a fazer é o contrário disso: estamos a consumir conteúdos de forma passiva. E acho que as pessoas estão a começar a reparar e estão a fazer uma pausa. Nunca ouvimos falar tanto em desintoxicação digital. E, obviamente, nós na IWC estamos no negócio do analógico. Estamos muito contentes por estar lá para as pessoas no mundo analógico.

Já que falamos de tempo e de desperdício, como considera o seu tempo por bem empregue?
Acho que a vida tem tudo a ver com equilíbrio e que, no final do dia, não importa como e onde, o que quero é fazer algo produtivo com o meu tempo. Eu sei que não estamos a curar doenças graves ou a salvar o mundo no nosso negócio, mas estamos a trabalhar em algo que é muito humano, porque os humanos gostam de se expressar para além do necessário. Gostam de sonhar, gostam de ser artísticos, gostam de ser criativos. E penso que o nosso setor, e o que fazemos na IWC, é interessante no sentido em que cria algo de que as pessoas gostam e que não é essencialmente necessário, mas que mostra o que os seres humanos podem fazer com inovação, criatividade, amor, paixão. Esta expressão traz um lado mais suave à humanidade, especialmente em tempos voláteis como estes. Por isso, penso que é importante fazer algo produtivo com o nosso tempo, criar algo, deixar algo que se possa ver. Cada vez que passo pela nossa nova fábrica, que tive a sorte de projetar em 2020 – ela está lá, é a casa de muitos funcionários e vai ficar lá durante muitas, muitas décadas, penso: “que bom, está ali algo para ficar”. Penso que tudo tem a ver com o que somos para as outras pessoas. Será que tornámos a vida de outra pessoa um pouco melhor? Se sim, valeu a pena. De certeza que não vou estar no meu leito de morte e pensar: “Gostava de ter respondido a mais e-mails ou passado mais tempo no Instagram”.

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