Lisboa trava tuk-tuks infratores a partir desta terça-feira

Numa atividade em que nem se sabe quantos existem e circulam em Lisboa, assim como no país, os tuk-tuks têm novas regras na capital. A nova brigada da EMEL chega às ruas esta terça-feira.

Um passeio de três horas por Alfama, Baixa e Chiado, em Lisboa, pode chegar aos 200 euros. O serviço pode ser feito mediante marcação ou por angariação na via pública. É neste modelo que deverão ter maior impacto as alterações produzidas a partir desta terça-feira.Hugo Amaral/ECO

A circulação de tuk-tuks em Lisboa tem regras mais apertadas a partir desta terça-feira, com determinação de lugares específicos para estacionamento e para recolha de clientes na via pública. Autarquia procura regular atividade em que não se sabe quantas viaturas circulam, em que não é necessária formação específica e em que os condutores vestem o fato de guia turístico sem estar assegurado que conhecem a história de Portugal.

Sabendo que a vontade do autarca do Porto, Rui Moreira, de criar constrangimentos à circulação de veículos turísticos no centro da cidade acabou por esbarrar na justiça no início deste ano, a câmara de Lisboa escolheu um método distinto: determinou a proibição de circulação em mais 67 ruas da capital – para 337 – e o estabelecimento de 51 locais específicos para estacionamento, com 251 lugares no total.

O caminho escolhido pelo Executivo de Carlos Moedas é condicionado pelo facto de o licenciamento da atividade turística estar sob a tutela do Ministério da Economia, ao qual responde também o Turismo de Portugal. Entidade que, ao que o ECO/Local Online apurou, chamou a associação representativa dos operadores de tuk-tuk para uma reunião nesta quarta-feira.

Nos temas que a ANCAT – Associação Nacional de Condutores de Animação Turística levará ao Turismo de Portugal está a necessidade de se criarem registos fidedignos. “Não existe qualquer registo para viaturas. Enquanto não for alterada alguma legislação de base, vamos continuar sem saber quantos tuk-tuk há a circular. Ninguém sabe”, assegura Inês Henriques, em declarações ao ECO/Local Online. “Qualquer pessoa com carta de condução que obtenha o RNAAT [Registo Nacional de Agentes de Animação Turística], adquire uma viatura — ou 300, as que quiser — e é só operar”, denuncia.

A motivar a chamada, explica a responsável associativa, esteve a reportagem do canal Now em que se expuseram diversas falhas da atividade, designadamente a identificação por um condutor, da estátua de D. José na Praça do Comércio como “cavalo de Alfama”. Estava

Ciente da desordem que reina no Cais das Colunas, onde o estacionamento ilegal de tuk-tuks se tornou norma, Inês Henriques, secretária-geral da ANCAT, nota que a associação criou um canal de denúncias. Os condutores seus associados que sejam apanhados sobre a extensa passadeira junto ao rio serão expulsos. “Aquilo é uma vergonha. Os nossos associados já foram alertados que não podem parar lá. Desde 18 de janeiro que andamos a alertar as pessoas”.

Para prevenir explicações truncadas como a daquele condutor de tuk-tuk que identificou a estátua de Dom José como sendo do “cavalo de Alfama”, a câmara vai impor a frequência de um curso para quem queira concorrer a um dos 400 dísticos de estacionamento nos parques da cidade. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSAANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Entre os operadores, Tiago Monteiro, diretor-geral da empresa Boost, com 22 viaturas em Lisboa e 12 no Porto, considera as empresas familiares, dependentes da angariação direta, como uma das causas para o estacionamento abusivo que diz ser “comum a toda a cidade”. A alternativa está em lugares previamente estabelecidos, como na Baixa em frente ao hotel Pestana CR7 Lisboa, junto à sede da empresa, onde o ECO/Local Online inicia uma viagem que terminará no miradouro da Senhora do Monte, junto à Graça.

“Existe inevitavelmente acumulação. O que acontece é que, nas próprias zonas, essa acumulação ordena-se por si própria. Os lugares estão ocupados, o tuk-tuk chegou, não tem lugar, continua a circular e vai procurar outro lugar. A atividade conseguiu regular-se de forma positiva, exceto fora desses locais, em que a coisa é muito mais selvagem”, afirma.

Existe inevitavelmente acumulação. O que acontece é que, nas próprias zonas, essa acumulação ordena-se por si própria. Os lugares estão ocupados, o tuk-tuk chegou, não tem lugar, continua a circular e vai procurar outro lugar. A atividade conseguiu regular-se de forma positiva, exceto fora desses locais, em que a coisa é muito mais selvagem.

Tiago Monteiro

Diretor-geral da Boost

Com a redução da quantidade de lugares de estacionamento em vigor a partir desta terça-feira, “a coisa pode tendencialmente complicar-se”. E haver “poucos lugares de estacionamento vai criar mais atritos”.

O aperto no mapa da capital para a circulação também potenciará perdas, considera o responsável da empresa com cerca de década e meia de experiência nesta atividade. “Por serem menos ruas, onde tudo afunila, qualquer cliente vai sentir-se numa cidade onde todos ao lado são também turistas. Não prevejo que, pelo menos numa fase inicial, a coisa vá correr bem”.

Quem não está pelos ajustes é a câmara de Lisboa. Considerando que já houve tempo suficiente para os operadores e condutores interiorizarem as novas medidas, a ordem é para autuar segundo as novas regras, já a partir desta terça-feira.

Sem meios para ordenar a atividade, a autarquia irá aprofundar a fiscalização das restrições de circulação, de estacionamento e lugares de angariação de clientes, contando para isso com uma nova brigada de 61 pessoas na EMEL, constituída especificamente para este fim. Estes funcionários, a maioria agora contratados, serão um extra, já que qualquer fiscal da empresa de estacionamento municipal poderá fiscalizar e autuar os condutores de tuk-tuks.

O miradouro da Senhora do Monte é um dos locais escolhidos pela câmara para estacionamento. Ao contrário do que acontecia até aqui, há um número limite. Quem infringir poderá contar com autuação, à qual se dedica uma brigada especialmente criada pela autarquia na EMELHugo Amaral/ECO

A diretora-geral da ANCAT compreende a existência de um regulamento, de limitação de estacionamento e de contingente de viaturas, mas pede “bom senso” às autoridades. Ao contrário desta determinação da câmara para autuar de imediato, a expectativa de Inês Henriques é que haja um período de transição. Para já, espera sentar-se esta semana numa nova reunião com a câmara de Lisboa, que tem estado a ouvir os intervenientes neste processo nos últimos meses.

Para os operadores da atividade, a proibição de transitar em certas ruas necessita ainda de afinação, de modo a contemplar a circulação das viaturas em vazio, de e para a garagem de recolha ou em direção a um serviço contratado num hotel ou restaurante.

Num caso específico, na proibição de passagem no Largo de São Domingos, junto ao Rossio, onde muitas viaturas sobem a colina para descer para o Martim Moniz, e assim acederem às várias garagens no bairro dos Anjos, haverá efeitos noutras artérias. O condicionamento irá empurrar os tuk-tuk em final de dia de trabalho, entre as 17 horas e as 19 horas, para a Avenida da Liberdade ou para a Rua da Madalena, o que causará outros transtornos na cidade e no trânsito, alerta a secretária-geral da ANCAT.

“A cidade vai ficar um caos, e depois a culpa é dos tuk-tuks. Vão congestionar ruas onde já há reclamações e a culpa vai ser dos tuk-tuks”, lamenta Inês Henriques. “Estamos a negociar com a câmara. As pessoas não podem ser impedidas de recolher a viatura ou fazer um pickup. Até as exceções estarem contempladas, é questão de bom senso” das autoridades.

A cidade vai ficar um caos, e depois a culpa é dos tuks. Vão congestionar ruas onde já há reclamações e a culpa vai ser dos tuks. Estamos a negociar com a câmara. As pessoas não podem ser impedidas de recolher a viatura ou fazer um pickup. Até as exceções estarem contempladas, é questão de bom senso.

Inês Henriques

Diretora-geral da ANCAT

Contudo, além de não estar disposta a conceder na hora de autuar os prevaricadores, e desejosa de apertar a malha de modo a pôr termo aos abusos que se acumulam em vários pontos da capital, a autarquia irá ainda este mês levar à reunião de câmara o novo regulamento, no qual constarão os dísticos de estacionamento. A atribuição será antecedida de uma formação obrigatória e com testes, na qual serão apurados os contemplados com os 400 dísticos de estacionamento.

Não podendo controlar a criação de operadores turísticos e dos tuk-tuks, dependente do Estado central, a autarquia condiciona a circulação, por via da limitação de lugares e, nesta segunda fase, com o regulamento, também de autorizações de estacionamento.

A alternativa para os operadores será deixar a angariação in loco e passar a vender os serviços online ou junto de operadores. Uma transição com um óbice imediato: a comissão das agências online, como a Tripadvisor, que chegam aos 30%, aos quais se juntam 23% de IVA, nota Tiago Monteiro. O empresário assume que a concorrência se irá aprofundar neste canal.

“Sinto que esta loucura de rua vai certamente passar para o espaço online. Vão chegar mais operadores a querer ocupar esse espaço, que ficará muito mais concorrido, e todo o mercado vai ficar tendencialmente diluído”, salienta.

Num negócio onde um veículo elétrico usado ronda os 25 mil euros, segundo dados da Boost, e um pack de baterias para substituição se aproxima dos dez mil euros, a sobrevivência das empresas familiares poderá ficar mais árdua. As novas regras “afetam mais intensamente os negócios baseados na angariação de rua. Ficarão muito mais condicionados pelos locais de paragem, que são essenciais para a captação”, diz o empresário.

Junto à Sé de Lisboa, o caos é a nota dominante, mesmo fora da designada época alta, que nesta atividade se estende de maio a outubro.Hugo Amaral/ECO

Atividade em mercado livre e com muitos operadores dispersos – quantos, não se sabe, saliente a ANCAT, já que basta fazer um registo por escassas dezenas de euros e começar a operar com o tipo de veículo que se pretenda em qualquer lugar do país – o transporte de turistas em tuk tuk tem preços voláteis. Mas pegando na tabela desta empresa com mais de 20 tuk-tuks em circulação, o serviço supera o de um transporte que poderia ser feito num táxi.

Três horas da Baixa a Alfama, com passagem no Chiado para seis pessoas num tuk-tuk podem custar 200 euros. E se a opção for conhecer Belém, a viagem passa a durar quatro a cinco horas e a experiência sobe aos 300 euros. A época alta vai de maio a outubro, e é aí que a atividade faz dinheiro.

[Há] excesso de viaturas, excesso de pessoas a trabalhar que não têm mínima qualidade. Fala-se de especulação imobiliária, no nosso caso há especulação mobiliária. Não pode haver este tipo de pessoas a fazer este trabalho. Nós explicamos a cidade, a história, gastronomia, religião, cultura portuguesas. Não somos táxi nem TVDE

Inês Henriques

Secretária-geral da ANCAT

Face ao táxi, os tuk-tuks acrescentam a paragem em locais chave turísticos da cidade, por exemplo. O que leva a que empresas escolham esta atividade para team building ou nas horas de lazer dos congressos e conferências que decorrem na cidade, explica o empresário.

Para que não se vulgarizem os episódios como o do “cavalo de Alfama”, a ANCAT tem em curso uma formação a condutores, na qual estão envolvidos entidades que vão da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, às autoridades policiais da cidade e INEM.

Inês Henriques lamenta a ausência de obrigação de uma carteira profissional e que qualquer pessoa possa simplesmente inscrever-se no RNAAT, dependente do Ministério da Economia, e começar a operar.

Em resultado, diz, há “excesso de viaturas, excesso de pessoas a trabalhar que não têm mínima qualidade. Fala-se de especulação imobiliária, no nosso caso há especulação mobiliária. Não pode haver este tipo de pessoas a fazer este trabalho. Nós explicamos a cidade, a história, gastronomia, religião, cultura portuguesas. Não somos táxi nem TVDE”.

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