
Hermès ultrapassa LVMH e assume o trono do luxo mundial
Discreta mas implacável, a Hermès sobe ao topo do luxo mundial, ultrapassando a LVMH e dando o tom a uma nova era no setor.
A supremacia no universo do luxo acaba de mudar de mãos. A Hermès, símbolo de exclusividade, savoir-faire irrepreensível e crescimento sustentado, ultrapassou a LVMH em valor de mercado, tornando-se a empresa de luxo mais valiosa do mundo. A troca de posições entre os dois gigantes — a histórica maison familiar e o conglomerado de marcas liderado por Bernard Arnault — reflete muito mais do que uma oscilação bolsista: espelha a transformação em curso num setor onde a resiliência, a desejabilidade a longo prazo e a gestão cuidadosa da imagem são, mais do que nunca, diferenciais estratégicos.
O abalo foi causado pela divulgação dos resultados trimestrais da LVMH, que reportou uma quebra de 3% nas receitas do primeiro trimestre de 2025 — uma surpresa negativa que contraria as projeções mais conservadoras dos analistas. As ações da empresa recuaram 7,8% num só dia, o pior desempenho desde março de 2020, permitindo que a Hermès ascendesse ao topo da hierarquia do luxo com uma valorização de mercado de 246,4 mil milhões de euros, ligeiramente acima dos 244,1 mil milhões da LVMH. O impacto não foi apenas corporativo: segundo a Forbes, mais de 9 mil milhões de dólares foram apagados da fortuna de Bernard Arnault na manhã deste dia 15 de abril, após a queda abrupta das ações da LVMH.
Embora continue a ser o maior grupo do setor em termos de portefólio e presença global, com marcas como Louis Vuitton, Dior, Moët & Chandon e Hennessy, a LVMH enfrenta ventos contrários inesperados. A divisão de vinhos e bebidas espirituosas — tradicionalmente sólida — caiu 9%, penalizada pela quebra de procura nos EUA e na China, mercados chave onde os cognacs de marcas como a Hennessy têm sido afetados por tensões comerciais e alterações nos hábitos de consumo.
Mais preocupante ainda para os investidores foi o declínio de 5% na divisão de moda e artigos em pele, a mais lucrativa do grupo, responsável por 78% dos lucros em 2024. A Ásia (excluindo o Japão) registou uma queda acentuada de 11%, os EUA encolheram 3% e o Japão 1%. Apenas a Europa mostrou sinais positivos, com um crescimento modesto de 2%.
A Hermès, em contraste, mantém-se numa trajetória de crescimento robusto, mesmo em tempos de incerteza. A sua abordagem centrada na produção artesanal, em quantidades limitadas e com um controlo rígido da distribuição, confere-lhe uma aura de exclusividade que se traduz em lealdade do consumidor e numa rentabilidade excecional. A valorização estável das suas ações e o desempenho sólido em períodos de retração confirmam a confiança do mercado na visão de longo prazo da maison.
A troca de lugares no topo do luxo mundial tem implicações simbólicas e estruturais. Por um lado, questiona-se se o modelo de expansão agressiva adotado pelos conglomerados — com apostas em novos mercados, categorias e influenciadores — está a perder força perante a valorização crescente da herança, da autenticidade e da contenção. Por outro, sublinha-se a vulnerabilidade do setor às dinâmicas geopolíticas e económicas, desde as tarifas comerciais à desaceleração da economia chinesa, passando pela incerteza económica nos EUA.
Analistas do Citi e do Bank of America são unânimes: apesar de os fundamentos de longo prazo se manterem sólidos — sobretudo devido ao crescimento da classe média global e da procura de luxo nos mercados emergentes —, a visibilidade a curto prazo é extremamente limitada. Com os consumidores mais cautelosos e os custos sob pressão, o setor entra num período de ajustamento, onde a estratégia e a identidade de marca serão postas à prova.
O que está em jogo não é só a liderança num ranking financeiro. É a redefinição das regras do jogo no luxo global — onde menos pode voltar a ser mais, e onde a coerência e a exclusividade poderão valer mais do que a escala. Num mundo em mutação, a Hermès parece estar a cavalgar à frente da mudança, enquanto a LVMH, com o seu império multifacetado, se vê obrigada a parar para respirar e recalibrar.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.