Legislativas condicionam comunicação da obra das câmaras. Autarcas arriscam coimas
Comissão Nacional de Eleições recebeu vários pedidos de esclarecimento da parte dos municípios. Alguns autarcas já nem apresentam obra publicamente.
“Os municípios vão ficar mudos? O que é que podemos fazer? Qual a nossa ação?” As perguntas de Inês Medeiros, presidente da câmara de Almada, ao ECO/Local Online, fazem eco junto de outros autarcas, preocupados com a possível interpretação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de que determinada iniciativa no longo período eleitoral durante 2025 seja propaganda encapotada em apresentação ou lançamento de obras, projetos e investimentos. Eventuais coimas saem do bolso do próprio presidente, não do cofre da autarquia.
“Os órgãos das autarquias locais não estão impedidos, no período eleitoral, de prosseguir as suas atribuições legais e, nesse sentido, de realizar atividades e eventos”, assegura a CNE ao ECO/Local Online. Contudo, destaca a ‘polícia eleitoral’, “na realização de eventos e atividades, os titulares dos órgãos das autarquias locais devem adotar um comportamento que não coloque em causa os deveres de neutralidade e imparcialidade”, tal como previsto no artigo 57.º da Lei Eleitoral.
Com a marcação de eleições legislativas antecipadas, o calendário de ações das autarquias reduziu-se de forma substancial, perdendo de supetão metade dos dias em que a ação governativa das câmaras não estava condicionada. Quando, a 13 de março, o Presidente da República marcou uma data para as legislativas, o artigo 57.º da Lei Eleitoral voltou a ser ativado, e assim ficará até dia 18 de maio. Neste período entre a marcação de legislativas e a ida dos cidadãos às urnas, decorrerão mais de 60 dias com comunicação camarária condicionada. Sabendo-se que o próximo Governo terá de marcar eleições autárquicas em meados de julho, na hipótese mais conservadora — por lei, terá de fazê-lo até ao máximo de 80 dias antes da data marcada para as autárquicas, cujo intervalo é, invariavelmente, entre 22 de setembro e 14 de outubro — o dia desse anúncio ativará automaticamente as restrições da CNE.
Recuando 80 dias perante 27 de setembro (data que, apurou o ECO/Local Online, junto de vários intervenientes políticos, é a mais provável, evitando o feriado de 5 de outubro e 12 de outubro, dia próximo da altura previsível de discussão do Orçamento do Estado), o calendário marca a segunda semana de julho, menos de 60 dias após as legislativas. Ou seja, apenas no período entre 18 de maio e o dia da marcação das autárquicas poderão os presidentes de câmara agir sem estarem manietados por esta restrição da Lei Eleitoral. Dos mais de 120 dias de que as autarquias dispunham quando o Governo caiu, o horizonte temporal para apresentações e inaugurações ficou reduzido a menos de 60.
Na realização de eventos/atividades, os titulares dos órgãos das autarquias locais devem adotar um comportamento que não coloque em causa os deveres de neutralidade e imparcialidade previstos no artigo 57.º da Lei Eleitoral da Assembleia da República. No que diz respeito às inaugurações, a Comissão tem entendido que o ato de “inauguração” se inscreve no âmbito da observância dos deveres de neutralidade e imparcialidade a que as entidades públicas estão especialmente vinculadas.
Frederico Rosa, presidente da Câmara do Barreiro, admite haver “muitos constrangimentos”, perante um cenário “muito vago”. Exemplo disso, em autárquicas anteriores a autarquia fez alterações nos contentores de recolha de resíduos, comunicou-o nos órgãos oficiais e a CNE recebeu uma queixa, à qual deu provimento, penalizando o autarca.
Frederico Rosa resume a decisão do seu Executivo para 2025: “Assumimos que há uma lei da rolha e praticamente não fazemos nada [de comunicação]. Estamos a informar muito menos. Já o fazemos sem adjetivação e mesmo assim tivemos queixas a que a CNE deu provimento, coisas que para nós eram meramente informativas”.
A solução escolhida pelo presidente da Câmara do Barreiro foi comunicar nas suas próprias redes sociais. “As queixas recaem sobre o presidente da câmara e as multas são pesadíssimas”, explica. A penalização é pessoal, não sobre os serviços.
A estratégia de promoção de obra nas redes sociais é seguida também em Lisboa. A 8 de abril, após ter entregue 63 chaves aos inquilinos de um novo edifício de habitação camarária em Entrecampos, Carlos Moedas promoveu, na sua conta na rede Facebook, o trabalho executado. Já na conta da autarquia, os elogios são contidos.
No que diz respeito às inaugurações, a CNE “tem entendido que o ato de ‘inauguração’ se inscreve no âmbito da observância dos deveres de neutralidade e imparcialidade a que as entidades públicas estão especialmente vinculadas. No ordenamento jurídico nacional não existe proibição que impeça os titulares de cargos públicos e os órgãos e agentes das empresas públicas e dos concessionários de serviços públicos de promoverem atos públicos que consubstanciem ‘inaugurações'”, destaca a comissão. Porém, ressalva, “exige-se que os seus titulares o façam de forma imparcial, separando adequadamente as suas qualidades de titular de um dado cargo e de candidato, abstendo-se de, em atos públicos e, em geral, no exercício das suas funções, denegrir ou diminuir outras candidaturas e de promover a sua ou a da área política em que se inserem. Exige-se também que o exercício do direito se faça sem abuso – a frequência, as condições e o próprio conteúdo dos atos que se pratiquem têm necessariamente de integrar um quadro global legitimador de uma prática que, não sendo expressamente proibida pela lei, colide objetivamente com o dever de neutralidade e, por isso mesmo, se deve conter em limites justificados e socialmente aceitáveis“.
Assumimos que há uma lei da rolha e praticamente não fazemos nada [de comunicação]. Estamos a informar muito menos. Já o fazemos sem adjetivação e mesmo assim tivemos queixas a que a CNE deu provimento, coisas que para nós eram meramente informativas.
As dúvidas prendem-se inclusive com as comemorações dos 51 anos do 25 de abril, nota o presidente da Câmara do Barreiro. “Uma das coisas que os serviços perguntaram ao vereador que tem o pelouro é se podemos comunicar o programa do 25 de abril. Obviamente sem adjetivação, o ‘concerto da pessoa ‘, o ‘hastear a bandeira’. É castrador. Se prejudica bastante, está-se a prejudicar o acesso a informação que pode ser relevante”.
Em alguns casos, chegou mesmo a haver cancelamento de ações, por receio de choque com a Lei Eleitoral, como no caso da região do Médio Tejo. Na preparação para o IV Congresso do Desporto, que acontecerá em maio, os 11 municípios do Médio Tejo recuaram na intenção de fazer a apresentação presencial do evento à imprensa. Uma das 11 câmaras do Médio Tejo, Vila Nova da Barquinha, informou que a conferência de imprensa seria cancelada, invocando “o período eleitoral” e “as respetivas restrições impostas pela CNE”. A informação acabaria por chegar à imprensa proveniente de várias autarquias da região, todas com o mesmo comunicado.
Ao ECO/Local Online, a CNE, citando a Lei Eleitoral, realça que “durante o período eleitoral, os órgãos das autarquias locais ‘não podem intervir direta ou indiretamente em campanha eleitoral nem praticar quaisquer atos que favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento ou vantagem de outra ou outras, devendo assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais’”.
“No Barreiro, se tivermos alguma coisa para inaugurar, não vamos deixar de abrir, não o faremos é publicamente. Não vamos deixar de ter nada ao dispor da população só para deixar para outras núpcias”, assegura Frederico Rosa.
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