Cidades sustentáveis e o direito do urbanismo

  • Raquel Carvalho
  • 3 Junho 2022

O combate às alterações climáticas passa pelo contributo do direito do urbanismo. Haja vontade dos decisores locais (e não só) e adesão dos cidadãos e teremos cidades mais sustentáveis e resilientes.

A sustentabilidade das cidades consta do 11.º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Dentre os vários “targets” do 11.º ODS, relevam a urbanização inclusiva, a proteção do bem essencial da água e os mecanismos para lidar com catástrofes associadas à sua falta ou seu excesso, reduzir o impacto negativo dos resíduos urbanos, poluição atmosférica, do aumento da temperatura e reforço do planeamento. Em tempo de alterações climáticas, a estrutura urbana, com alta densidade populacional e múltiplas atividades, revela-se frágil face a eventos climáticos extremos, concorrendo amiúde para essas alterações. Os efeitos nefastos traduzem-se, por isso, em fenómenos extremos como cheias, efeito de ilha de calor, perda de biodiversidade, poluição sonora, aérea, paisagística e esgotamento de recursos naturais, com consequências adicionais na saúde humana.

O direito do urbanismo pode contribuir para a minimização daqueles efeitos, através da consagração de soluções que a ciência designa como “estruturas baseadas em soluções naturais”. Trata-se de um conceito abrangente: inclui infraestruturas verdes (utilizando vegetação, infraestruturas que usam a água ou ambas). Normalmente, tais soluções ligam-se em rede, potenciando os respetivos benefícios e sustentando a resiliência urbana. Concretizam-se quer na dimensão de ocupação do espaço quer na da construção, devendo naturalmente ser adaptadas a cada caso. O Plano Diretor Municipal e o Regulamento de Urbanização e Edificação são instrumentos jurídicos na dependência dos municípios e que se adequam à prossecução de tais objetivos.

Na dimensão de planeamento, a previsão de parques públicos e zonas verdes, constituídas por vegetação autóctone, de folha caduca, permite a prossecução da existência de espaços verdes nas cidades, de per se; o combate ao efeito de ilha de calor, permitindo que os edifícios recebam luz do sol no Inverno e sombra no Verão, o que contribui para a gestão térmica da cidade e também dos edifícios; a promoção e proteção da biodiversidade. Por outro lado, a dimensão de regulamentação da edificação, se previr, até com carácter imperativo, a inclusão de telhados ou fachadas verdes, mais diretamente contribui para controlar a eficiência energética das edificações. Ambos os exemplos, contribuem subsequentemente, para diminuição ou contraposição da emissão dos gases com efeito de estufa, combate da poluição atmosférica e, consequentemente, para melhoria da saúde dos habitantes.

Estas soluções, traduzindo uma multiplicidade funcional, têm vindo a ser aplicadas em inúmeras cidades no mundo e com resultados mensuráveis (ler aqui em greenroofs.pt/en/projects). Além das concretas experiências em cidades portuguesas, a grande das capitais de distrito incorporou, nos seus PDM, consoante a respetiva localização (e bem), estruturas ecológicas municipais, onde se incluem parques, jardins, áreas ajardinadas, corredores verdes; proibições de edificação em zonas verdes e limitações de cérceas em certas áreas; .articularam-se com a Reserva Ecológica Nacional e a Reserva Agrícola Nacional; alguns criaram incentivos de natureza financeira para a prossecução deste tipo de políticas.

A implementação deste tipo de soluções não é isenta de desafios. Mas o combate às alterações climáticas passa também pelo contributo do direito do urbanismo. Haja vontade dos decisores locais (e não só) e adesão dos cidadãos e teremos cidades mais sustentáveis e resilientes.

  • Raquel Carvalho
  • Professora associada da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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