Governo está a “tentar corrigir” descentralização de “forma atabalhoada”, diz Rui Moreira

Moreira critica Governo por estar a “tentar corrigir aquilo que foi mal feito” de "forma atabalhoada". Mas está satisfeito com os pacotes retificativos da questão da descentralização avançados.

De uma forma atabalhoada, creio que a boa notícia é que estão a tentar olhar para aquilo que foram as preocupações legítimas dos autarcas e estão a tentar fazer aquilo que deviam ter feito antes.” Foi desta forma que o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, reagiu ao desfecho frutífero da reunião, no Porto, em que participou em conjunto com mais autarcas da Área Metropolitana do Porto (AMP), com as ministras da Coesão Territorial e da Saúde e a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Ana Abrunhosa, Marta Temido e Luísa Salgueiro, respetivamente.

Foi mal feito e agora estamos a tentar corrigir, o que é um vício português.

Rui Moreira

presidente da Câmara Municipal do Porto

No final do encontro, nas instalações da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Rui Moreira fez questão de lembrar que já fala deste assunto há quatro anos. “Lembram-se da Cimeira do Rivoli em que muitos dos autarcas que aqui estão presentes, e outros, chamaram a atenção de que era preciso fazer bem feito?”, interrogou os jornalistas, respondendo: “Foi mal feito e agora estamos a tentar corrigir, o que é um vício português.”

O autarca independente tem sido um dos mais críticos da forma como o processo de descentralização tem sido conduzido pelo Governo, principalmente na área da Educação, discordando do envelope financeiro atribuído. O edil portuense bateu mesmo a porta à ANMP e pediu, inclusive, ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não promulgasse o Orçamento de Estado (OE) 2022 até ser corrigido. Mas o Chefe de Estado recusou e deixou bem claro que, pela sua experiência, e “apesar de haver dúvidas ou objeções ou insuficiências para o futuro, o custo de não promulgar é muito superior à vantagem que se pode retirar de mandar para a Assembleia da República”.

Também o primeiro-ministro Antonio Costa já deixou publicamente bem claro que só negoceia com a ANMP, desarmando o autarca independente da Câmara do Porto.

Mesmo assim, Moreira considerou a reunião bastante positiva, podendo dar um novo rumo ao processo de descentralização. “Claro que há um avanço”, afirmou, mostrando-se satisfeito por a ministra da Coesão Territorial ter avançado que vai “sair um conjunto de pacotes retificativos da questão da descentralização na área da Educação, um conjunto enorme de pacotes legislativos”. Chamou ainda a atenção para “a preocupação de todos os autarcas” em relação à questão da neutralidade orçamental. Até porque, para Moreira, “os municípios não podem assumir encargos quando não há uma receita equivalente”.

Motivos de preocupação dos autarcas são ainda os orçamentos municipais, segundo Moreira. “Provavelmente antes do fim do ano vamos ter aumentos salariais na Função Publica por causa da inflação e é preciso acautelar não apenas aquilo que é a situação presente, mas [também] aquilo que é a situação futura, porque os rendimentos dos municípios não variam em função da inflação”.

O presidente do Câmara do Porto deixou bem claro que “o que preocupa todos os autarcas é como é que vão fechar os seus orçamentos”. Mais, argumentou: “Temos que os fechar em outubro deste ano; o Orçamento do Estado para 2023 só vai ser discutido depois. Dizem aqui que há um fundo de compensação para o caso dos municípios não esgotarem o dinheiro e [a verba] passar para outros municípios, que há uma comissão técnica de acompanhamento. Mas ainda não percebi quem a forma”.

Ainda assim, Moreira disse, em tom irónico, que “até ao dia 1 de abril a ANMP dizia que se tinha que fazer isto, que era fantástico, maravilhoso, que estava tudo feito. Afinal, agora estão a fazer tudo”.

Moreira não disse se vai regressar ou não à ANMP, mas Luísa Salgueiro, quando interpelada pelos jornalistas garantiu: “A Câmara do Porto, quando quiser, será sempre bem-vinda, mas terá de voltar a refletir.” A socialista da autarquia de Matosinhos assegurou ainda que a associação receberá “sempre a Câmara do Porto com agrado, mas é uma decisão que não compete” à associação que preside.

Saída da Póvoa de Varzim da ANMP depende do desfecho da descentralização

Outros autarcas também têm ameaçado bater com a porta à ANMP, como o presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, Aires Pereira. À saída da reunião, o autarca social-democrata garantiu que o assunto ainda está em cima da mesa e que a decisão depende do desfecho do processo de descentralização. “Se tudo isto se resolver e se a ANMP, que teve agora este esforço enorme de nos defender, não haverá naturalmente razão para sair”, assegurou.

O social-democrata criticou mesmo o processo de descentralização de competências no sentido em que “estava tudo menos preparado”, e espera que, com a “velocidade ultrassónica” que agora “foi introduzida”, os municípios possam “assumir mais responsabilidades”. Aires Pereira adiantou, por isso, que os autarcas, presentes na reunião, ficaram “a saber que o processo de descentralização estava tudo menos preparado para andar, e logo há um conjunto enorme de diplomas que estão a ser ultimados e que dão razão àquele conjunto de autarcas que dizia que não havia condições para se fazer a descentralização, nomeadamente a da Educação, a partir do dia 01 de abril”.

Pela forma como a transferência de competências tem decorrido, o autarca da Póvoa de Varzim só conclui que “à medida que o processo vai andando, vai sendo constatado aquilo que era uma evidência; ou seja, que não há diplomas legais que habilitem à tomada de algumas decisões, que os municípios entraram em situação de desequilíbrio financeiro (…). Tudo isso, pelos vistos, agora está a ser preparado”.

Fico satisfeita por ver que a disponibilidade negocial e, sobretudo, o que tem sido alcançado, os resultados que estão prestes a ser formalizados num acordo, que só não está ainda assinado porque queremos ter as garantias de que fica tudo acautelado.

Luísa Salgueiro

Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Ainda assim, Aires Pereira manifestou estar reticente em relação ao desfecho de todo o processo da descentralização. “De qualquer das formas, temos que dar sempre aqui uma margem com algum cuidado, porque estamos habituados a que, em reuniões públicas, o Governo assuma todo o tipo de responsabilidade e depois, por figuras de cativações ou outras do género, nós não assistimos depois à concretização desses compromissos”, notou. E deixou um reparo: “A ANMP esteve aqui muito adormecida e agora corre atrás do prejuízo.”

Já a presidente da ANMP admitiu estar bastante “satisfeita” com o “que tem sido alcançado” nas negociações com o Governo sobre a descentralização. Para a socialista, “ficam acauteladas” as propostas dos municípios. “Fico satisfeita por ver que a disponibilidade negocial e, sobretudo, o que tem sido alcançado, os resultados que estão prestes a ser formalizados num acordo, que só não está ainda assinado porque queremos ter as garantias de que fica tudo acautelado”, sustentou.

Luísa Salgueiro deixou bem claro que as preocupações dos autarcas, no que toca à transferência de competências, têm “sido alvo de uma muito intensa negociação diária”. Aliás, já resultou “na apresentação de documentos que vão ser discutidos pelo Conselho Diretivo”.

A líder socialista da Câmara de Matosinhos notou ainda que “no Orçamento de Estado foram reforçadas verbas para o fundo da descentralização e foram acolhidas algumas das propostas”. Mais, concluiu Luísa Salgueiro: “Na área da educação já foi anunciado um grande pacote inédito em Portugal, de reformulação de centenas de escolas e que envolverá mais de 1000 milhões de euros de investimento”. Compete, contudo ao Governo, advertiu, “dizer quais são as fontes de financiamento das obras acabadas”.

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