Esta semana começa o pagamento de indemnizações às vítimas dos incêndios, O prazo para os municípios fazerem o levantamento de prejuízos parece não ter ficado claro para todos.
Um primeiro prazo para os autarcas fazerem um levantamento dos prejuízos nos concelhos afetados pelos fogos de setembro deste ano terminou na passada sexta-feira, contabilizando-se já dezenas de milhões de euros. Entre os autarcas ouvidos pelo ECO/Local Online, num périplo por alguns dos municípios do Norte e Centro do país mais atingidos pelas chamas, foram vários os que manifestaram dúvidas sobre que tipo de levantamento deveriam ter concluído: de todos os prejuízos causados pelos incêndios? Ou apenas daqueles com custo até 6.000 euros? Um dos presidentes de câmaras atingidas pelas chamas reconhecia, neste domingo, que “sem ter certeza”, tinha “a ideia” de que “o prazo era até esta sexta-feira”. Mas municípios há onde o levantamento ainda vai durar.
O ministro-adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, assegurou que esta será a semana de início de pagamentos. Relativamente ao prazo de recolha de informação pelas câmaras municipais, que terminou nesta sexta-feira, o governante afirma ao ECO/Local Online que “o que está combinado e o que está na lei é os autarcas fazerem um levantamento dos custos”. Relativamente a calendários, diz que “o prazo para o levantamento é 4 de outubro, mas a pressa da orçamentação é relativa”.
Perante os casos urgentes de auxílio a quem perdeu a sua fonte de rendimento — numa pequena indústria ou exploração agrícola, por exemplo –, o Governo prometeu agir em tempo recorde. A necessidade de rapidez acabou por criar uma pressão extra sobre os municípios, como assumiram vários presidentes de câmara ao ECO/Local Online.
Numa corrida contra o tempo — para fazer o levantamento exaustivo de todos os prejuízos causados, ao longo dos 135 mil hectares que as chamas percorreram –, face ao curto prazo dado pelo Governo, vários autarcas apontam a dificuldade em entregar atempadamente às Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte e Centro o relatório exigido pelo Executivo de Luís Montenegro.
“Estou a fazer o possível e impossível”, assinalava, na manhã de sexta-feira, a presidente da Câmara Municipal de Arouca, concelho onde os prejuízos contabilizados já atingiam um milhão de euros. “O tempo é muito curto e há muita pressão em cima de nós, mas julgo que conseguiremos”, dizia Margarida Belém.
O tempo é muito curto e há muita pressão em cima de nós, mas julgo que conseguiremos.
Um prejuízo cinco vezes superior ao do concelho de Arouca é quanto Gondomar reportou ao ECO/Local Online no final da tarde de sexta-feira. A autarquia liderada por Marco Martins “já tem realizado todo o levantamento de danos relacionados com privados, com exceção de danos florestais (áreas de eucaliptal, etc)”. Contabilizou cinco milhões de euros em privados.
O município já fez as contas e tem um relatório preliminar que resultou do trabalho do grupo multidisciplinar que está a fazer o mapeamento e avaliação dos danos causados pelos incêndios de modo a que “os lesados possam aceder aos apoios de uma forma célere e eficiente”. Mesmo assim, alerta, “como é do conhecimento geral, ainda não são conhecidos os requisitos que os lesados deverão cumprir para acederem a estes apoios”.
Já o levantamento de prejuízos relativos a áreas públicas ainda não está concluído, decorrendo ainda no terreno, também em articulação entre a autarquia e as juntas e uniões de freguesia dos territórios afetados. “Estima-se que este valor seja de dez milhões de euros”, contabiliza a câmara de Gondomar onde as chamas consumiram três mil hectares, o que corresponde a cerca de 18% da área do concelho e a 28% do espaço florestal.
A câmara de Águeda está a ultimar o levantamento dos prejuízos causados pelos incêndios que afetaram 99 munícipes, destruíram por completo 10 casas de habitação permanente e outras duas não permanentes. Num total de 44 casas afetadas, a autarquia registou 32 casas com perda parcial. Três empresas tiveram perda total e outras seis parcial, contabilizou o município que reporta ainda duas IPSSS com prejuízos no concelho que onde as chamas devastaram cerca de 9 mil hectares de floresta.
Estes dados foram recolhidos no âmbito do Gabinete de Apoio às Vítimas do Incêndio (GAVI) que a autarquia criou e que já realizou 58 visitas domiciliárias, 70 atendimentos, tendo 62 agregados familiares reportado as perdas.
Ainda no Centro do país, o presidente da câmara de São Pedro do Sul antecipa 4,6 milhões de euros de danos. Destes, detalha Vítor Figueiredo, 2,8 milhões dizem respeito a agricultura, cerca de um milhão de euros a infraestruturas públicas e 850 mil euros reportam-se a prejuízos em imóveis residenciais, dois deles de primeira habitação.
Também Vítor Figueiredo não faz ideia de quando será entregue o dinheiro aos seus munícipes para cobrir os danos provocados pelas chamas. “O Governo diz que relativamente às primeiras habitações é no imediato; mas compete ao Governo”, nota, preocupado com a situação.
Procedimentos “sobrecarregam” municípios
Em Mangualde, o autarca Marco Almeida, em conversa com ECO/Local Online no início da semana, foi dizendo que o processo — que, diz, se estenderá até final de outubro para os danos acima dos seis mil euros — implica o envolvimento de técnicos que são necessários noutras funções dos municípios, podendo afetar o normal funcionamento de outros serviços. “Os municípios não estão preparados para isto“, alerta.
O edil conta ainda com o apoio dos presidentes de Junta de Freguesia, também chamados ao terreno, apesar de, muitas vezes, não ocuparem a função a tempo inteiro. “Os nossos presidentes de Junta não estão a tempo inteiro, têm as suas próprias atividades profissionais”, avisa. “O Governo quer ainda que os municípios preencham as candidaturas e que depois vão fiscalizar” o valor real dos prejuízos e se estes se enquadram nos moldes que definiu. “É incomportável”, assegura Marco Almeida.
Estamos a responder, desde a primeira hora, às necessidades prementes conhecidas, bem como à identificação de todos os lesados e respetivos prejuízos estimados. Essa informação está a ser disponibilizada à CCDR-Norte.
A somar ao período curto para fazer o levantamento de prejuízos, o preenchimento dos impressos para os munícipes e empresas reclamarem prejuízos é também referido como constrangimento sobre os serviços. Margarida Belém, presidente da Câmara Municipal de Arouca, fala da complexidade do processo, dependente dos funcionários camarários. Para auxiliar as autarquias, as CCDR chegaram a ir ao terreno realizar sessões de esclarecimento, como ocorreu em Sever do Vouga, conta ao ECO/Local Online o autarca desta localidade, Pedro Lobo. Assinale-se que serão as CCDR a executar, até final do ano, os 100 milhões de euros de apoios anunciados pelo Governo.
No seu território, o autarca de Sever do Vouga não contou casas de primeira habitação completamente destruídos, mas sim, vários aviários, anexos, danos em empresas e, sobretudo, infraestruturas rodoviárias muito atingidas. “Estou muito preocupado com as empresas, porque têm que reconstruir as instalações para reiniciar atividade. Além de empresas, temos aviários e estaleiros completamente destruídos.”
Pedro Lobo nota, a propósito da resolução do Conselho de Ministros em que foram anunciados os apoios à população e empresas que, se no caso das habitações ficou claro que haverá apoios a fundo perdido a 100% para reconstrução até 150 mil euros — e 85% no que exceder este valor –, já em relação às empresas não se pode dizer o mesmo.
“Imagine que há uma empresa que aciona o seguro. Só conta a partir desse valor?”, questiona. De qualquer modo, ressalva o autarca social-democrata, “o Governo está a trabalhar como deve trabalhar, de forma responsável, mas ágil. Está a fazer o seu melhor”.
O Governo incumbiu às câmaras municipais fazer o levantamento dos prejuízos junto dos munícipes e empresas e, desde então, estas têm encetado todos os esforços nesse sentido, desde a criação de gabinetes de crise e de plataformas na internet até à disponibilização de uma linha telefónica para as populações reportarem as situações. Como foi o caso de Baião, que criou, no imediato, um gabinete de crise sob responsabilidade do coordenador municipal da Proteção Civil, envolvendo os setores social, logístico e administração direta, em articulação com os presidentes de Junta de Freguesia das localidades afetadas.
Já em Gondomar foi constituído um grupo de trabalho ainda no decurso do combate aos incêndios “por se ter percebido, perante a dimensão dos mesmos, que iria ser necessário mapear, avaliar, compilar, organizar e monitorizar todos os danos causados”, detalha fonte municipal.
“Estamos a responder, desde a primeira hora, às necessidades prementes conhecidas, bem como à identificação de todos os lesados e respetivos prejuízos estimados. Essa informação está a ser disponibilizada à CCDR-Norte”, detalha o presidente da câmara de Baião. Além do gabinete de crise, o município também disponibilizou aos cidadãos uma plataforma informática de reporte de prejuízos, os quais já ascendem a seis milhões de euros, contabiliza Paulo Pereira.
Para o presidente da CCDR-Norte, António Cunha, “as autarquias têm necessariamente um papel central neste processo, mas há diferentes tipos de prejuízos e, portanto, diferentes tipos de levantamentos, alguns que inclusivamente podem ser feitos pelos próprios interessados, usando as plataformas que já estão disponíveis, nomeadamente no site das comissões de coordenação”.
António Cunha refere-se, por exemplo, ao formulário no Portal Geográfico da Agricultura para avaliar os prejuízos causados pelos incêndios rurais nas explorações agrícolas da região. “Este formulário visa facilitar uma avaliação rápida e precisa da extensão dos danos, ajudando agricultores ou associações do Norte a reportarem as suas perdas e prejuízos”, lê-se no site desta comissão. Os visados podem registar informações sobre todos os prejuízos sofridos, como danos em culturas, animais, construções e equipamentos agrícolas.
Neste momento, estamos sobretudo a tentar fechar grandes números para dar informação ao Governo com detalhe.
Feito o reporte dos danos na última sexta-feira, este processo “será [numa fase posterior] acompanhado pelas comissões de coordenação para uma lógica de validação de valores e, portanto, de toda uma análise que tem que ser feita”, adianta o presidente da CCDR-Norte em declarações ao ECO/Local Online. “Neste momento, estamos sobretudo a tentar fechar grandes números para dar informação ao Governo com detalhe”, salienta.
Apesar de já estar munido de alguns dados, António Cunha prefere não os divulgar. “Serão revelados no momento oportuno pelo Governo, a quem nós daremos em primeira mão”, assinala. Já a fiscalização dos investimentos feitos pelos privados vai decorrer numa fase posterior.
Autarquias lutam por apoios rápidos no pós-incêndios
Em São Pedro do Sul, o trabalho está finalizado. Mas nem em todas as zonas consumidas pelas chamas acontece o mesmo. Em Gondomar, o levantamento dos danos continua, nomeadamente das áreas públicas, também em articulação entre a autarquia e as juntas e uniões de freguesia dos territórios onde deflagraram os fogos.
A autarquia de Gondomar encontra-se ainda numa fase de pré-sinalização dos prejuízos, nomeadamente no que concerne a primeiras ou segundas habitações ou devolutas, logradouros, instalações, equipamentos e culturas agrícolas. Assim como, enumera fonte municipal, em relação a “instalações e equipamentos industriais, armazéns, lojas e empreendimentos turísticos, escolas e unidades de saúde, IPSS”. Além de outros equipamentos sociais e patrimónios culturais, estradas e caminhos municipais, redes de serviços e de comunicações.
“É intenção deste município efetuar este levantamento de forma rigorosa e exaustiva, in loco, no mais curto espaço de tempo, para que todos os munícipes, famílias, empresários e demais lesados possam ver ressarcidos os seus prejuízos”, assegura o município de Gondomar.
É unânime entre os vários presidentes de câmara a necessidade de o Governo ser célere na atribuição dos apoios financeiros aos cidadãos e empresas afetadas pelas chamas. O autarca de Baião, por exemplo, aproveitou uma visita, a 18 de setembro, do primeiro-ministro e membros do Governo, para pedir agilidade no processo, “uma vez que as pessoas necessitam de retomar a normalidade nas suas vidas”.
Está a ser criada muita expectativa às pessoas e espero que os apoios venham dar uma rápida resposta. Conto que as verbas sejam disponibilizadas de forma ágil para as pessoas começarem a recuperar.
O autarca disponibilizou-se, inclusive, a colaborar com o Governo na reforma florestal, na implementação de soluções como uma Central de Biomassa — “Baião tem já um projeto pronto”, garante a autarquia –, para o aproveitamento de recursos florestais, e no reforço de capacidades e recursos para o Comando Sub-Regional de Proteção Civil.
A autarca de Arouca sintetiza o pensamento de muitos dos seus homólogos e dos afetados pelos graves incêndios que causaram nove mortos e mais de 170 feridas nas regiões Centro e Norte do país. “Está a ser criada muita expectativa às pessoas e espero que os apoios venham dar uma rápida resposta. Conto que as verbas sejam disponibilizadas de forma ágil para as pessoas começarem a recuperar”, frisa Margarida Belém.
(Artigo atualizado às 13h com informação da câmara de Águeda)
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