Carta Municipal de Habitação de Lisboa acaba em troca de acusações entre PS e executivo de Carlos Moedas
A Carta Municipal de Habitação não foi a votos na reunião de câmara em Lisboa. Socialistas falam de “patética vitimização”. Filipa Roseta diz que o PS tentou apagar gráficos que o penalizavam.
A discussão da Carta Municipal de Habitação na reunião desta quarta-feira na Câmara de Lisboa terminou em polémica, com troca de argumentos entre o Partido Socialista, na oposição, e o executivo de Carlos Moedas. Apesar da perspetiva inicial de acordo, uma proposta de alteração solicitada pelo PS no dia anterior à discussão, levou a vereadora Filipa Roseta a decidir retirar a proposta, impedindo que fosse a votos.
Ao ECO/Local Online, a vereadora socialista Inês Drummond classificou a retirada do documento como “uma tentativa patética de vitimização, retirando uma carta que estava prestes a ser viabilizada, e que a vereadora Filipa Roseta, retira à última hora, impedindo qualquer discussão”.
Filipa Roseta, vereadora com o pelouro da Habitação, membro do Executivo de Carlos Moedas, contesta, em declarações ao ECO/Local Online, a acusação e atira para o PS a responsabilidade pela situação vivida na reunião: “Estamos prontos para aprovar a carta se o PS retirar a proposta que fez, de apagar dois gráficos com dados do INE e da câmara, os quais revelam a brutal venda de habitação municipal e a produção de habitação municipal”. O retrato desses gráficos é um “diagnóstico em que o PS [líder do executivo municipal no período de 2011 a 2021] não sai bem na fotografia”.
O primeiro dos gráficos mostra que durante os executivos de António Costa e Fernando Medina só se construíram, em média, 15 casas por ano. O segundo, que o PS exigiu serem retirados da carta, mostra um défice, para o mesmo período 2011-2021, entre património municipal vendido e nova construção de habitação camarária, da ordem dos 500 milhões de euros, aponta a vereadora da Habitação.
“A única coisa que não estamos disponíveis é alterar a história só porque não é favorável ao PS”, diz Filipa Roseta. “Como investigadora que sou – venho da academia –, para nós é muito importante o rigor dos números. Para mim é totalmente impensável apagar números, seja prejudicial a mim, seja a outros. Este gráfico do INE é igual ao do Programa Nacional de Habitação”, nota. “O problema não é se nós fazemos mais ou eles fazem mais. Temos de olhar com rigor científico. Aqui, não é quem fez mais, é uma questão de rigor de números”, prossegue, acentuando que “a proposta do PS é eliminar, sem alternativa” esses dois gráficos.
A única coisa que não estamos disponíveis é alterar a história só porque não é favorável ao PS. Como investigadora que sou — venho da academia –, para nós é muito importante o rigor dos números. Para mim é totalmente impensável apagar números, seja prejudicial a mim, seja a outros. Este gráfico do INE é igual ao do Programa Nacional de Habitação
Confrontada pelo ECO/Local Online com esta tomada de posição, Inês Drummond diz que “os dados do INE não podem suplantar os dados da câmara. A carta refere que os dados do INE não estão rigorosos na foto de 2011 a 2021. O presidente Carlos Moedas sabe exatamente que isto é assim. A carta refere que é assim”, insiste a vereadora socialista, para quem a posição tomada em reunião veio “cumprir a narrativa e o spin do presidente, de que se construíram 17 casas” por ano.
Os dados do INE não podem suplantar os dados da câmara. A carta refere que os dados do INE não estão rigorosos na foto de 2011 a 2021. O presidente Carlos Moedas sabe exatamente que isto é assim. A carta refere que é assim.
Os números do INE constantes num dos dois gráficos, que geraram a polémica, indicam que no horizonte temporal de 1919 a 1945 houve uma cadência de construção aproximada às alegadas 15 casas construídas anualmente, em média, entre 2011 e 2021. Nesse longínquo período, a média foi de 19. Os períodos mais profícuos, segundo o mesmo gráfico do INE, foram entre 1981 e 2000 (483 fogos anualmente) e de 2001 a 2010 (237). Bem longe dos 15 referidos pelo INE entre 2011 e 2021.
Contudo, o PS responde à proposta do executivo de Moedas apresentando números de construção bem superiores: 663 casas na década, o que representa mais de 60 fogos por ano. Apesar de continuar a comparar mal com o período de 1961 a 2010, é quatro vezes superior ao apresentado no gráfico do INE cuja presença na carta é imprescindível para Filipa Roseta.
Nos números do PS constam construção nova, reabilitação e parcerias com cooperativas.
O responsável pela carta indica, nas notas a que o ECO/Local Online teve acesso, relativas às propostas de alteração feitas há cerca de um mês pelo PS, “habitação construída pela EPUL vendida parcialmente a preço reduzido e maioritariamente em preço livre”; “habitação resultante da reabilitação e reconversão de edifícios da segurança social, portanto que não se trata de construção nova” e “habitação construída por cooperativas de habitação em direito de superfície municipal vendida aos cooperadores”.
Assim, a discórdia parece assentar numa divergência entre o que é habitação construída de raiz pela câmara e todo o parque habitacional colocado durante a década ao serviço da população.
Filipa Roseta lamenta que, para lá do facto de o PS exigir a retirada de dois gráficos que a vereadora considera factuais, só 24 horas antes da reunião desta quarta-feira tenha havido uma posição do partido. Inês Drummond responde que “os 155 fogos do INE não correspondem ao que efetivamente aconteceu na cidade” entre 2011 e 2021, e que “663 casas é o número real de construção de habitação na cidade”. Por outro lado, diz a socialista, segundo o regulamento, as propostas de alteração podem ser apresentadas na própria discussão, ou seja, nem tão pouco teria sido necessário enviar proposta de alteração 24 horas antes.
Inês Drummond relembra que “na década em que pouco se construiu, a câmara estava a fazer um enorme esforço financeiro para sair do défice de 1.000 milhões de euros deixados pelo PSD”, enquanto hoje a autarquia “tem quase 800 milhões de euros do PRR para construir”. A socialista põe a tónica no que chama de “vitimização” do atual presidente, que, prossegue, “vive para os polígrafos e soundbytes”.
“O normal numa reunião de câmara é que quando há uma proposta e temos um executivo com esta fragmentação política, o partido que não tem maioria absoluta tem de integrar propostas de alteração”, afirma Inês Drummond. Contudo, “nem houve debate”, porque Filipa Roseta retirou a proposta, acusa. “Nem houve oportunidade de debater se os números fazem sentido”.
Igualmente contundente, Filipa Roseta afirma que “o PS não quer enfrentar a história verdadeira. O que se ia passar nesta reunião era o apagar de dois gráficos. Os dados do INE constam do programa nacional do governo. Também têm de aparecer na nossa carta municipal. São a fonte mais segura que este país tem”.
Agora, a discussão saltará para a próxima reunião. Isto, se o PS voltar atrás no pedido de retirar os gráficos.
Artigo corrigido às 13h20 de 10 de outubro com número de fogos indicado pelo PS – 663 vs 683
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