O futuro do Ensino Superior no Interior de Portugal: resistir ou desaparecer?

  • Luis Leite Ramos
  • 31 Outubro 2024

Com a dinâmica demográfica, a tendência de concentração do número de vagas e de estudantes nas instituições do Litoral e, em particular, das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, vai acentuar-se.

O Ensino Superior tem sido uma das últimas âncoras de resistência ao círculo vicioso do esvaziamento (de pessoas, de serviços, de atividades, etc.) que tomou conta do Interior do País. Na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), como nas restantes universidades e nos politécnicos, de Bragança a Beja, e apesar das inúmeras dificuldades, temos resistido e prosseguido as missões que nos foram confiadas, de formar e qualificar jovens e menos jovens, de criar e disseminar conhecimentos, de impulsionar o desenvolvimento local e regional. Mas por quanto tempo mais?

O cenário que se perfila no horizonte de 2030 é preocupante. Os impactos da crise demográfica vão agravar-se nos próximos anos. Teremos cada vez menos candidatos ao Ensino Superior e serão cada vez mais disputados. A tendência de concentração do número de vagas e de estudantes nas instituições do Litoral e, em particular, das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, vai acentuar-se. Nas do Interior, vão sobrar vagas e faltar alunos. Ora, se o seu número descer abaixo dos limiares críticos, vai ser muito difícil manter professores, unidades e centros de investigação, serviços e projetos de extensão à comunidade, bem como assegurar a sua sustentabilidade e sobrevivência.

Se as universidades e os politécnicos do Interior perderem esta luta, o impacto será devastador. Não só para as regiões onde estão inseridas, que perderão uma das suas principais fontes de vida, mas também para Portugal. O seu desaparecimento significaria a perda de um capital académico e científico que é fundamental para o futuro do País e que levaria a um agravamento dos desequilíbrios regionais e da coesão nacional.

A questão que tem de se colocar é se o País quer que seja o “mercado” a decidir o futuro da rede de Ensino Superior em Portugal ou se o interesse nacional justifica a adoção de políticas e de medidas que garantam uma cobertura adequada e digna do território luso.

Se decidirmos que esse futuro deverá ser fruto da vontade e da ambição nacional, então, é urgente avançar com as reformas estruturais sucessivamente adiadas: rever o modelo e a oferta educativa; redesenhar as redes universitária e politécnica; rever o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES); acabar com o subfinanciamento crónico e compensar os custos da interioridade; generalizar a contratualização de objetivos e funções; territorializar as vagas de um conjunto de licenciaturas e de mestrados; alargar os programas de bolsas, os apoios sociais e os incentivos fiscais para estudantes que escolham estudar no Interior.

É claro que as instituições de Ensino Superior do Interior também terão de fazer pela vida. O seu futuro dependerá, em grande parte, da sua criatividade, inovação e visão estratégica. Podem e devem diferenciar e qualificar a sua oferta formativa e incrementar o ensino à distância; apostar na internacionalização, através do reforço das suas redes de cooperação académica e científica, para captar novos estudantes no estrangeiro; distinguir-se pela qualidade das condições de acolhimento e de integração nas suas comunidades académicas (bolsas, alojamento, serviços personalizados, programas de tutoria e mentoria, etc.) e fortalecer a ligação com as instituições e as empresas locais e regionais, contribuindo para criação e fixação de valor, emprego e talento nesses territórios.

O porvir do Ensino Superior no Interior de Portugal não será garantido por inércia, mas por uma ação estratégica concertada, que envolva os poderes públicos, o governo central, as autarquias locais e a própria sociedade civil. A manutenção das instituições de Ensino Superior nestas regiões depende de uma visão de futuro que reconheça o seu valor estratégico enquanto motor de desenvolvimento regional e fator de equilíbrio e coesão nacional. Agora, mais do que nunca, é tempo de agir com audácia, determinação e perseverança.

  • Luis Leite Ramos
  • Vice-reitor para a Internacionalização da UTAD

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