BRANDS' Local Online Acelerar a transição nos resíduos para colocar Portugal na linha da frente da reciclagem de embalagens
A primeira paragem do ECO Cidade aconteceu esta terça-feira em Mafra, onde se debateram caminhos para que o país atinja as metas europeias. Incumprimento em 2025 é uma possibilidade, avisam peritos.
“Não há soluções iguais para territórios diferentes”, começou por avisar a presidente da Sociedade Ponto Verde (SPV) durante a primeira paragem do projeto ECO Cidade, que aconteceu na manhã desta terça-feira, dia 5, em Mafra.
No lançamento da iniciativa que vai percorrer várias cidades do país para refletir sobre sustentabilidade, Ana Trigo Morais, presidente da SPV, defendeu a necessidade de se criarem mais projetos de sensibilização e promoção da reciclagem para que Portugal possa cumprir as metas definidas em contexto europeu. O risco de incumprimento é real, avisam os peritos.
“Nos últimos três anos, desenvolvemos o programa Re_Source em que já tivemos a oportunidade de contar com parceiros de 49 países, trabalhamos com 149 parceiros, e é um gosto ser um acelerador da inovação nos resíduos”, afiançou. A responsável lembrou ainda que, além de ser importante “financiar ideias novas”, é fundamental apostar na “monitorização e recolha de dados” para conseguir melhorar a gestão. Neste sentido, a SPV tem vindo a sugerir a criação de um “observatório nacional de resíduos” que “seria fundamental para aumentar a transparência na cadeia de valor”. E apontou que, “numa era em que a inteligência artificial está aí”, não é possível ainda ter dados atualizados em tempo real sobre o setor – algo que tem de mudar para facilitar o cumprimento das metas.
"Não há boa gestão sem boa informação e não há boa informação se não tivermos capacidade de a recolher e tratar”
A concretizar-se, este projeto permitiria, acredita, que a sociedade tivesse dados em tempo real sobre o destino que é dado aos resíduos urbanos, facilitando a adoção de medidas para potenciar a separação de materiais. “Não há boa gestão sem boa informação e não há boa informação se não tivermos capacidade de a recolher e tratar”, apontou.
A sessão, que decorreu no Torreão Sul do Palácio Nacional de Mafra, contou ainda com o líder da autarquia local, Hugo Moreira Luís, que sublinhou o papel das políticas públicas na aceleração do caminho da sustentabilidade. “Temos muito para andar, temos muito para inovar e transformar. Em Mafra, estamos mesmo muito comprometidos e muito disponíveis para fazer esse caminho”, assegurou.
O presidente alertou ainda para o que considera ser uma preocupação que, diz, deve merecer reflexão da sociedade: o custo da recolha e tratamento de resíduos. “O município de Mafra, e provavelmente nos outros não é diferente, não consegue repercutir no cliente todos os gastos que tem com a recolha [de resíduos]. Os cerca de 15% que ficam a faltar são compensados pelos impostos”, explicou Moreira Luís. É preciso, por isso, envolver mais a comunidade na “valorização do resíduo” que “tem sempre um valor económico” que não deve ser desperdiçado.
Recompensar as boas práticas
De acordo com os mais recentes dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Portugal produziu, em 2022, mais de cinco milhões de toneladas de resíduos urbanos – é o equivalente a 507 quilos de resíduos anuais por habitante. No mesmo período, mais de metade (57%) dos resíduos produzidos no continente acabaram em aterros.
"À velocidade atual, serão necessários três planetas em 2050”
Ainda assim, há números que mostram o caminho que o país fez ao longo das últimas décadas na separação e valorização de materiais: em 2021, a taxa de reciclagem de baterias portáteis foi de 73%, ultrapassando a meta fixada de 65%, e a dos pneus usados foi de 69%, mais do que o objetivo estabelecido (65%).
Ana Cristina Carrola, vogal do Conselho Diretivo da APA, esteve em Mafra para alertar para a importância do cumprimento das metas de reciclagem a que Portugal está obrigado para 2025 e para lamentar os atuais níveis de consumo. À velocidade atual, “serão necessários três planetas em 2050”. A responsável realçou ainda os resultados positivos alcançados com a redução da produção de sacos e garrafas de plástico, que é preciso aprofundar. “Um bom desempenho em matéria de resíduos é fundamental para a economia circular”, disse.
Ana Cristina defende que o país deve aproveitar mais materiais, até pela possibilidade da sua valorização, e trabalhar toda a cadeia de gestão de resíduos, de forma a permitir um melhor “desempenho nacional”.
No painel dedicado às “Boas práticas de reciclagem”, moderado pelo jornalista e editor do Local Online Alexandre Batista, os participantes procuraram refletir sobre como podem os cidadãos ser mais envolvidos nos objetivos europeus para a gestão de resíduos. Ana Trigo Morais acredita que a resposta está em “premiar o cidadão” pela separação de materiais e dar-lhes benefícios que incentivem a adoção de comportamentos mais sustentáveis. “As políticas públicas são fundamentais para acompanhar as ambições do país”, acrescentou, lembrando o bom exemplo do município de Mafra.
Desde o início do ano que a recolha seletiva de biorresíduos passou a ser obrigatória em Portugal, mas a Tratolixo – responsável pela recolha nos concelhos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra – começou a trabalhar o tema ainda em 2019. Nesse ano, a empresa criou um projeto piloto para “testar um modelo inovador” que abrangeu 5500 fogos para testar o conceito.
"O país está claramente muito atrás na cobertura dos resíduos orgânicos”
“São distribuídos sacos às pessoas gratuitamente e é-lhes dito como é que devem separar os resíduos orgânicos. O sistema é simples do ponto de vista do utilizador e tem esta vantagem de não precisar de investimento por parte dos municípios”, explicou Nuno Soares.
O presidente da Tratolixo adiantou ainda que foi concluída, no final do ano passado, a construção de uma “nova central mecânica para tratar 300 mil toneladas” e separar, de forma automática, os sacos de biorresíduos. “O país está claramente muito atrás na cobertura dos resíduos orgânicos”, lamentou.
Fruto de um programa de inovação da SPV e da Beta-i, o município de Mafra implementou, em setembro, um piloto para testar a aplicação de um sistema de incentivos à reciclagem. A tecnologia na boca dos ecopontos permite registar o depósito de embalagens e recompensar o utilizador, via cartão, com pontos que depois podem ser trocados por descontos no comércio local. “Achamos que podemos escalar esta prática a nível municipal. Pode ser um bom instrumento para atingirmos as metas”, afirmou Lúcia Bonifácio, vereadora da autarquia.
Do lado do vidro, a Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem (AIVE) tem procurado contribuir para o aumento da separação deste material com a implementação de um projeto dirigido ao canal Horeca, onde os níveis de reciclagem são baixos. “É um canal onde existem grandes perdas de vidro. Os resultados [destes projetos piloto] são muito bons”, confirmou Beatriz Freitas, secretária-geral da AIVE. Recorde-se que, neste campo, basta que cada português recicle mais duas garrafas de vidro por mês para que o país consiga cumprir a meta de reciclagem definida.
"Temos um projeto para dotar os municípios de contentores para os grandes produtores do canal Horeca”
Entre os pilotos, destaque para o projeto que junta a AIVE à SPV, que junta os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, a Reninorte, Lipor, Algar e a Cascais Ambiente em áreas de concentração de estabelecimentos Horeca. “Temos um projeto para dotar os municípios de contentores para os grandes produtores do canal Horeca”, explicou Beatriz Freitas.
A ideia é que, através da colocação de contentores de vidrão de basculamento assistido, os restaurantes e cafés possam ter acesso a um depósito único para todos as suas embalagens de vidro. “Os resultados deste projeto piloto são muito bons”, confirmou a responsável da AIVE, que adiantou que a iniciativa foi replicada na Marinha Grande e que irá arrancar agora na Figueira da Foz.
Aumentar a valorização dos materiais
O encerramento da sessão de lançamento do projeto ECO Cidade, em Mafra, contou com a presença do vice-presidente da CCDR – Lisboa e Vale do Tejo, que defendeu uma “alteração de paradigma” para aumentar, cada vez mais, a transformação do “resíduo em matéria-prima” com valor.
José Alho destacou os elevados níveis de incorporação de resíduos na cadeia de produção, nomeadamente nos óleos alimentares (42%), mas lembrou que é preciso melhorar os resultados na incorporação de óleos minerais (7%), madeiras (4%) e cinzas (2%). Esta é uma “oportunidade para criar riqueza”, enquanto se persegue o cumprimento das metas europeias na separação e valorização de materiais.
“Há uma questão que é fundamental: reduzir, reduzir, reduzir. Esta foi sempre a primeira prioridade. Não conseguiremos resolver este problema se não apostarmos na redução”, rematou.
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