“É melhor que Portugal se prepare para ter menos fundos europeus a partir de 2027”

"Portugal beneficiou muito dos fundos estruturais. Ninguém pode negar isso. Agora, a questão está em saber se com este volume de fundos não se podia ter feito muito melhor", questiona Nelson de Souza.

Portugal está preparado para ter menos fundos europeus no próximo quadro comunitário de apoio? “Se não está é melhor que se prepare”, responde de forma perentória o antigo ministro do Planeamento. Nelson de Souza considera que essa é “uma realidade garantida” e há vários fatores que o justificam – o alargamento da União Europeia, as novas prioridades comunitárias (Defesa e Segurança) e questões prementes como a transição climática, a água, etc.

E os cerca de 500 mil milhões de euros da Politica de Coesão não chegam. É preciso quatro ou cinco vezes mais, defende o antigo ministro de António Costa no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, naquela que é a sua primeira intervenção pública desde que deixou o cargo.

E como se financiam estas prioridades? “Não sei”, admite. “Sob o ponto de vista político, vai ser muito difícil haver um aumento das contribuições nacionais” para o Orçamento comunitário, por “questões que têm a ver com o combate à emergência das forças populistas de extrema-direita na Europa”. Mas, “por outro lado, não sou nada adepto da emissão de dívida para cobrir despesas orçamentais diretas”, uma ideia que foi defendida pela ex-comissária europeia da Coesão, Elisa Ferreira, no ECO dos Fundos.

“É muito relevante mantermos uma frente de modernização da economia, das empresas, da competitividade, da internacionalização, da melhoria do Estado, mas também, ao mesmo tempo, ter um enquadramento macroeconómico do Estado das contas públicas certas”, para que Portugal cresça e convirja com a União Europeia, defende o antigo gestor do Compete, do Prime e do PEDIP, administrador do IAPMEI e subdiretor Geral da Indústria, secretário de Estado das PME, do Comércio e dos Serviços e, anos mais tarde, secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão.

 

Faz um balanço positivo da utilização dos fundos europeus em Portugal? Olhando para trás, haveria muita coisa a mudar?

Olhando para trás, naturalmente muita coisa teria feito de forma diferente. Mas a história não pode ser reescrita, nem analisada assim. Ninguém de boa-fé pode dizer que os fundos estruturais não tenham sido um contribuinte poderoso para a modernização de Portugal, para a modernização das empresas, das infraestruturas, quer físicas, quer sociais, para as políticas sociais.

O Portugal de hoje beneficiou muito de muitas políticas, certamente, mas também dos fundos estruturais. Ninguém pode negar isso. Agora, a questão está em saber se, com este volume, não se podia ter feito muito melhor.

E se não estaríamos mais próximo do pelotão da frente da UE.

Exatamente. O que verificamos é um paradoxo, onde temos muitas políticas, muito bem desenhadas, aliás, muitas inspiradas nas prioridades europeias. Mas, regra geral, a Comissão Europeia reconhece na aplicação dessas prioridades aqui em Portugal, uma qualidade elevada, ao longo dos anos, não me estou a referir a nenhum quadro específico.

Por exemplo, arrastaram-se as empresas já desde há muito tempo para novos fatores de competitividade, para a formação, para a internacionalização, para a qualidade, para o ambiente. Todos estes fatores contribuíram para que as empresas se tornassem mais competitivas e mais modernizadas.

A internacionalização também é um caso. O mesmo se passou com as instituições e as infraestruturas, que foram criadas, nasceram à conta dos fundos. Mas depois olhamos para esta microeconomia que anda a par e passo com os fundos, com performances relativamente boas, compara bem com muita coisa que se faz na Europa.

No entanto, verificamos que isso não se traduz em resultados daqueles que interessa: mais crescimento, melhores rendimentos, melhor qualidade de vida, o tal progredir na convergência. Mas isso também se deve muito a que esta melhoria no quadro microeconómico da capacidade, pelo lado da oferta, foi sempre perturbada pelo fraco enquadramento macroeconómico que Portugal dispôs durante estas décadas.

Tinha uns anos melhores, outros piores, mas, regra geral, sempre acossado com problemas de dívida e de défices públicos, que nos tempos de crise internacional afetava todos e afetava Portugal em particular. Muitas vezes mitigava e anulava aqueles efeitos dos ganhos da microeconomia.

Com esperança vejo que a aplicação do Programa de Estabilização Financeira começou a fazer efeito em 2013, 2014. Depois foi prosseguida a política das contas certas no Governo do Partido Socialista, 12 a 13 anos de consolidação do enquadramento macroeconómico, em vez de ter uma interação negativa, em vez de ter externalidades negativas sobre a economia, começou a interagir positivamente.

Daí termos, neste momento, e estou convencido disto, um caminho, embora ainda muito pouco vibrante, mas de crescimento e de convergência, que está a dar agora os primeiros passos. Por isso mesmo é muito relevante mantermos uma frente de modernização da economia, das empresas, da competitividade, da internacionalização, da melhoria do Estado, mas também, ao mesmo tempo, ter um enquadramento macroeconómico do Estado das contas públicas certas, para haver este casamento.

Na história dos fundos estes ficaram melhores quando o enquadramento macroeconómico era melhor. Quando era pior, ficou pior, porque os fundos, em si, não conseguem combater os efeitos perversos do enquadramento macroeconómico.

Não sou nada adepto da emissão de dívida para cobrir despesas orçamentais diretas.

E Portugal estará preparado para num pós-2027 ter menos fundos?

Se não está, é melhor que se prepare.

Para si isso é uma realidade quase garantida?

Para mim é uma realidade quase garantida por diversos fatores: haverá mais candidatos aos dinheiros da coesão.

Os países do alargamento.

Os países do alargamento que globalmente são muitos, mas também não são de grande dimensão, tirando o caso da Ucrânia. É um caso sério de integração, quer pelas necessidades que estão por trás nesse país, quer pela importância política estratégica. Vai pesar muito.

Os outros também têm uma distância enorme relativamente ao PIB médio comunitário, mas também têm pouca população e não vai trazer grande problema. Mas depois existem outros problemas que vão fazer com que a Política de Coesão tenha grandes dificuldades em manter o atual nível de financiamento.

Além disso, a partir de 27 a Comissão Europeia vai ter de começar a pagar a dívida contraída.

Para financiar o PRR.

E depois tem as novas as necessidades: defesa e segurança. Não sabemos o que é. 3% já implica uma necessidade de um cofinanciamento bastante significativo por parte da União Europeia. 5%, então, enfim, é uma coisa…

Neste momento, a própria emissão de dívida, não em termos de procura, mas em termos de yield, já não é uma dívida de AAA. Há que ter cautela.

A Política de Coesão vai ser o parente pobre? É lá que se vão buscar verbas para financiar essas novas prioridades?

A questão é que não chega, não chega.

Terá de haver um aumento dos contributos para o Orçamento comunitário?

Há uma questão que não desapareceu, aliás, até se tornou mais urgente, que é a transição climática. Pode ter desaparecido dos ecrãs de televisão como grande prioridade, mas não desapareceu. O que se passou em Valência…

Os fenómenos extremos vão-se repetir.

Vão-se repetir e vão ser mais intensos. A questão da água, da gestão da agricultura, também. A questão da inteligência artificial e dos sistemas de proteção de dados que se ligam a outra questão que é: Seremos capazes de proteger o património mais valioso identitário da Europa, que é a democracia?

Para além de sermos firmes sob o ponto de vista de ideias, também é preciso investir bastante nisso. Há todo este conjunto de questões. Se somarmos isto tudo, há-de ser necessário quatro ou cinco vezes o valor de 400 ou 500 mil milhões de euros que custa a Política da Coesão toda.

Será obrigatório os Estados-membros aumentarem a sua contribuição para orçamento comunitário? Ou a solução será tornar mais recorrente a emissão de dívida conjunta por parte da União Europeia?

Não sei qual será a melhor solução. Sob o ponto de vista político, vai ser muito difícil haver um aumento das contribuições nacionais nos diversos países. A até porque, precisamente por outras questões que têm a ver com o combate à emergência das forças populistas de extrema-direita na Europa, os governos não vão aceder a aumentos de contribuições comunitárias.

Mas, por outro lado, não sou nada adepto da emissão de dívida para cobrir despesas orçamentais diretas. Sei que a doutora Elisa Ferreira defendeu.

Defendeu essa ideia aqui, no ECO dos Fundos.

Aliás, neste momento, a própria emissão de dívida, não em termos de procura, mas em termos de yield, já não é uma dívida de AAA. Há que ter cautela, porque esta ideia de financiar défice com dívida direta, enfim…

Portugal já viu esse filme.

Se os países se lembrarem disso.

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