O presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, Pedro Dominguinhos, está convencido que, no futuro, caminharemos "mais para instrumentos financeiros baseados em resultados".
“O PRR financiou o Capex, o investimento, e agora o Orçamento de Estado terá de financiar todos os custos de operação, o Opex.” O alerta é do presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência. Pedro Dominguinhos já reuniu com o Conselho de Finanças Públicas, para quantificar as necessidades adicionais de investimento. “Estamos a falar de montantes que não vão ser despiciendos. Serão sempre muito superiores a mil milhões de euros por ano. E isto é algo que é particularmente significativo”, revela Pedro Dominguinhos no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
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A Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR entregou a semana passada o seu quinto relatório de acompanhamento no qual revela que 20% dos investimentos estão em estado crítico. “O último relatório resulta de um consenso alargado da sociedade civil”, recorda o responsável, sublinhando que “as próprias recomendações da Comissão Europeia dizem que a sociedade civil tem de se apropriar dos Planos de Recuperação e Resiliência e, portanto, desse ponto de vista, é um ato de cidadania e transparência que pretendemos dar à sociedade”.
Para Pedro Dominguinhos considera que “se há lição do PRR que já é clara” é que é necessário “investir na capacidade de planeamento das entidades públicas”. Por outro lado, o responsável considera que Portugal tem de traçar os investimentos a partir do que quer alcançar. “Aquilo que nos pareceu em alguns dos investimentos é que fomos a correr buscar alguns investimentos que eram relevantes para financiá-los através do PRR. É verdade que, desde o desenho do PRR até este momento, o mundo mudou, as necessidades mudaram. Temos de adequar os investimentos e, sobretudo, olhar para os resultados”, sublinhou Pedro Dominguinhos. “Resta-nos pouco ter um investimento que depois não produz os resultados. Então, isso não é investimento, isso é um desperdício e temos de evitar esse tipo de situações”, concluiu.
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Tendo em conta os atrasos na execução do PRR, o abrandamento da economia e o risco de regresso ao défice orçamental já no próximo ano, a tentação do Governo será de não avançar com a parte de empréstimos para poder ajudar as contas públicas?
É uma opção. E se juntarmos a possibilidade de transferir empréstimos para subvenções, pode ser uma das opções. No entanto, há um conjunto de investimentos que têm responsabilidades assumidas, incluindo alguns que já saíram do PRR, como o empreendimento de fins múltiplos do Crato, a linha violeta do Metropolitano de Lisboa — e vamos ver o que é que acontece à linha vermelha do Metropolitano de Lisboa — que terão de continuar a sua execução com verbas do Orçamento de Estado, com empréstimo BEI, ou então através dos fundos comunitários, designadamente o PT2030, que terão de ter uma contrapartida nacional.
A pressão em termos de investimento continua a ser extremamente significativa porque há compromissos assumidos e o Governo disse que esses investimentos são para continuar. Provavelmente alguns não serão continuados — aqueles que são mais imateriais, que não têm obra pública, relacionados com alguma transição digital das empresas –, ou passarão provavelmente para o PT2030, aqueles que forem possíveis. Mas há um fator de risco acrescido que gostava de referenciar e que é uma recomendação do relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento.
Qual?
Muitos desses investimentos vão exigir sustentabilidade no seu funcionamento, aquilo que tecnicamente denominamos de OPEX. O PRR financiou o CAPEX, o investimento, e agora o Orçamento de Estado terá de financiar todos os custos de operação.
Isso está identificado?
Não está. Já reunimos com o Conselho de Finanças Públicas, para globalmente podermos quantificar essas necessidades adicionais e elas podem ser significativas. Não apenas para o Governo Central, mas também para as autarquias. Fruto do processo de transferência de competências nas áreas da saúde, da educação, da ação social e também dos investimentos no âmbito do PRR, as autarquias têm agora, sobretudo a partir de 2027, um conjunto de responsabilidades adicionais que vai onerar os seus orçamentos municipais. A nível central, se olharmos para a transformação que está a ser feita, por exemplo, ao nível da Segurança Social ou ao nível da Justiça, a partir de 2026, com a implementação dos novos sistemas de informação, isso vai exigir manutenção, mas também pessoas qualificadas para poder operar esses mesmos sistemas. Não podemos ficar dependentes de um conjunto de empresas externas, porque se mesmo ficando dependentes, tem de haver contratos de manutenção para pagar a atualização desses mesmos sistemas. Estamos a falar de montantes que não vão ser despiciendos. Serão sempre muito superiores a mil milhões de euros por ano. E isto é algo que é particularmente significativo.

No relatório também apontam um outro problema, que é o de investimentos que até já estão feitos, mas não estão a ser utilizados. Deu o exemplo dos consultórios de dentistas: um investimento concluído, mas que agora não há médicos para operar esses mesmos consultórios.
Isto convoca-nos para a natureza do próprio PRR, que é baseado em resultados. E os investimentos concluídos não se finalizam com a obra. Finalizam-se, ou produzem os seus resultados e impactos, com o seu funcionamento. Este caso entronca na questão anterior dos custos de funcionamento. Um consultório de higiene oral só funciona se tiver médicos dentistas para atender os pacientes.
Um outro exemplo tem a ver com a faturação eletrónica, onde temos um sistema para o envio da faturação por meios eletrónicos, mas só foi processado o número de faturas de um teste inicial (40 faturas). Significa que não houve uma apropriação desse investimento pelos operadores económicos. Temos sérias dúvidas que venha a ser, porque a maior parte dessas entidades têm os seus sistemas já montados, com sistemas SAFT para enviar para a Segurança Social. Este é o exemplo claro que identifica duas questões que temos vindo a discutir ao longo dos vários relatórios. O primeiro é uma questão de planeamento. Se uma lição que hoje em dia já é clara do PRR é que temos de investir, apostar na capacidade de planeamento das entidades públicas. Não apenas da Administração Central, mas também Local e Regional. Não podemos ir à procura de investimentos quando temos programas de financiamento. Temos de ter uma lógica completamente distinta. Temos de ter uma visão clara daquilo que queremos para cada uma das áreas onde queremos investir, preparar esses projetos e depois, naturalmente, ter a capacidade de ir buscar financiamentos para os concretizar. Isto tem um outro problema: em muitos dos investimentos coloca as entidades públicas nas mãos de entidades privadas que são elas próprias que desenham as melhores soluções. Não é uma questão de desconfiar de ninguém. As melhores soluções para uma empresa não são necessariamente as melhores para os serviços públicos. Isto é algo que é muito claro e que nós temos que fazer uma aposta significativa. Isto é uma alteração profunda face aos últimos 20 ou 30 anos que temos sentido.
E a segunda?
A segunda grande questão é olhar para os impactos. Temos de traçar os investimentos a partir do que queremos alcançar. Aquilo que nos pareceu em alguns dos investimentos é que fomos a correr buscar alguns investimentos que eram relevantes para financiá-los através do PRR. É verdade que, desde o desenho do PRR até este momento, o mundo mudou, as necessidades mudaram. Temos de adequar os investimentos e, sobretudo, olhar para os resultados. Resta-nos pouco ter um investimento que depois não produz os resultados. Então, isso não é investimento, isso é um desperdício e temos de evitar esse tipo de situações.
Resta-nos pouco ter um investimento que depois não produz os resultados. Então, isso não é investimento, isso é um desperdício e temos de evitar esse tipo de situações.
Quando olha para os resultados, a sua avaliação é positiva ou vamos chegar ao fim com a sensação de que não aproveitámos plenamente estes fundos?
Há áreas onde, e de uma forma ainda muito preliminar, se calhar superamos as expectativas. O caso das agendas mobilizadoras é um exemplo paradigmático.
É um modelo que vai para ficar?
Não sei. Esse é o meu receio. Porque o modelo das agendas mobilizadoras, por exemplo, com a participação das grandes empresas e com o desenho do PT2030 inicial, agora alterado, das mini-agendas, mas não é a mesma coisa. Mas o PRR demonstrou, de uma forma muito evidente, que a cooperação entre entidades do sistema científico e tecnológico e empresas, a liderança empresarial, o foco no mercado, o reforço da cocriação, são modelos particularmente relevantes. É importante que a fase do processo (despesa elegível ou não, prazos de decisão) se adeque a este novo modelo e não sejam as agendas, ou esse novo investimento, que tenha de se adequar a esse modelo dentro da legalidade.
Se há instituições que demonstraram capacidade de entregar são as entidades do sistema científico e tecnológico e, sobretudo, as universidades e os politécnicos. Demonstra que a capacitação das instituições é essencial para conseguirmos ser mais arrojados, sermos mais ambiciosos no desenho dos programas. Apostar na capacidade institucional das várias entidades que executam os fundos é também particularmente relevante.
Depois, há uma coisa que não podemos esquecer. Uma parte significativa do PRR foi para obra pública para recuperar o famoso capex perdido dos últimos anos. Os resultados que possamos identificar medir-se-ão a médio e longo prazo. Mas temos de medir, é essencial, para nos permitir desenhar melhores políticas públicas para o futuro.
O próximo quadro comunitário de apoio deve ser definido numa lógica PRR?
A pressão da Comissão Europeia vai nesse sentido, porque quer ter um instrumento relevante de pressão sobre os Estados para cumprimento das recomendações do semestre europeu. Há uma pressão muito grande para que tenhamos, provavelmente não um modelo totalmente PRR, mas um modelo híbrido, entre a coesão e baseado nos resultados. E já agora, o próprio Tribunal de Contas Europeu está a fazer uma pressão muito grande que se aumente os indicadores de resultado e menos indicadores de input e de output. Para quê? Para que os Estados-membros possam alinhar os fundos comunitários com aquilo que são os grandes desígnios definidos pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia. Vai haver uma tensão nos próximos meses, porque estamos a poucas semanas de apresentação do novo modelo de quadro financeiro. Os países vão tentar mitigar esta intenção da própria Comissão Europeia, mas estou convencido que no futuro vamos caminhar mais para instrumentos financeiros baseados em resultados.
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Custo de manutenção dos investimentos PRR é superior a mil milhões por ano
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