“Há municípios que não têm condições para aplicar o PERSU”

Luísa Salgueiro reivindica financiamento do Governo para os municípios assumirem a recolha seletiva de resíduos perigosos ou têxteis. Caso contrário, a autarca de Matosinhos antevê dificuldades.

A presidente da Câmara de Matosinhos defende que o Governo deve financiar os municípios para que possam cumprir a diretiva europeia que, desde 1 de janeiro deste ano, os obriga à recolha seletiva de resíduos perigosos, têxteis, mobiliário e objetos volumosos.

Em entrevista ao ECO/Local Online, Luísa Salgueiro, que já anunciou a sua recandidatura à autarquia, garante que “há municípios que não têm condições para aplicar o PERSU [Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030]” que impõe essa obrigação. A também presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) antevê, por isso, dificuldades no processo caso não seja obtido financiamento do Estado. Este é um dos temas em debate, esta sexta-feira, na conferência ECO Cidades no município de Matosinhos, que conta com Luísa Salgueiro como oradora.

Defensora da revisão da Lei das Finanças Locais, de modo a ser adaptada às verdadeiras competências dos municípios, Luísa Salgueiro avança que já foi criado um grupo de trabalho nesse sentido.

Desde 1 de janeiro, as novas regras do PERSU 2030 impõem aos municípios a recolha seletiva de têxteis, resíduos perigosos, mobiliário e outros resíduos volumosos. Como está a decorrer o processo?

Penso que grande parte dos municípios ainda não está a cumprir. Há um Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos e para o cumprir cada município teve de elaborar um Plano de Ação do Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos (PAPERSU). A maioria dos municípios já aprovou o PAPERSU. Existem várias recomendações e obrigações, e uma delas é a recolha de têxteis.

Uma das questões que colocámos tem precisamente a ver com o financiamento, porque há novas responsabilidades e há municípios que não têm condições para o fazer, designadamente ao nível da aquisição de novos equipamentos. Até já propusemos que seja possível, ainda no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), haver financiamento para a aquisição de equipamentos para incluir nos contratos de prestação de serviços ou nas próprias operações geridas diretamente pelas câmaras. Portanto, há municípios que não têm condições para aplicar o PERSU.

É elevada a verba que os municípios têm que despender para assumir as recolhas destes resíduos previstos no PERSU?

É muito variável de município para município, mas é claro que as viaturas que fazem recolhas dos resíduos habituais não têm condições para realizar esse tipo de trabalho. É preciso comprar novos equipamentos, fazer novos circuitos. Portanto, é um financiamento significativo.

Luísa Salgueiro, presidente da Câmara Municipal de Matosinhos e presidente da Associação Nacional de Municípios PortuguesesRicardo Castelo/ECO

A questão das receitas tem merecido outra discussão. Já disse que a revisão da Lei das Finanças Locais é “dos temas mais importantes que a Associação Nacional de Municípios tem em mãos”.

A ANMP defende a necessidade de ser aprovada uma nova Lei das Finanças Locais, e o Governo e o primeiro-ministro também já disseram o mesmo. Entretanto, a associação já apresentou propostas ao Governo que as avaliou na generalidade, e ficámos de as trabalhar num grupo de trabalho que já foi constituído.

Quais são as principais propostas que estão a ser analisadas por esse grupo de trabalho?

Passa sobretudo por garantir formas de estabilidade na receita para que os municípios não estejam tão dependentes das transferências do Orçamento de Estado.

Entre as competências dos municípios, há mais uma em vista, a da transformação de solo rústico em urbano. Acredita que o preço dos terrenos rústicos inflacione com a lei dos solos?

O que se aponta é a possibilidade de utilização de terrenos rústicos para construção de habitação, mas isso passa sempre por operações urbanísticas que ficarão a cargo das câmaras municipais, da Assembleia Municipal, determinar se se deve ou não avançar para essas soluções.

Mas temos de ter presente que as políticas de habitação incluem outras medidas. O mais importante é continuarmos a construir mais habitação nos terrenos que já estão indicados para isso. Ainda há muitos recursos disponíveis, quer financeiros, quer ao nível de terrenos que ainda estão disponíveis para construir. Nos municípios onde isso não aconteça, as câmaras municipais devem decidir com as suas equipas que são tão competentes quanto são as CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] ou a Agência Portuguesa do Ambiente.

Fica na disponibilidade dos municípios decidirem se querem ou não afetar terrenos rústicos para a construção de habitação e este ser mais um contributo para desfazer esta grande lacuna nacional que é a falta de habitação.

Fica na disponibilidade dos municípios decidirem se querem ou não afetar terrenos rústicos para a construção de habitação e este ser mais um contributo para desfazer esta grande lacuna nacional que é a falta de habitação para muitas pessoas, sobretudo para aquelas com menos recursos. Até porque, o preço da habitação tem vindo a crescer e tem sido cada vez mais difícil para o cidadão custear os valores.

Qual é a sua opinião em relação à lei dos solos?

Acho que é necessário fazer correções à lei dos solos para garantir que não há nenhum intuito especulativo, que não haja condições que contribuam para essa especulação imobiliária. Destas alterações que estão a ser propostas sairá um documento que permitirá aos municípios tomarem decisões relativamente a este ordenamento do território. Enquanto presidente da Associação Nacional de Municípios não posso deixar de considerar que vá no sentido de empoderar a decisão das autarquias e portanto nós concordamos.

É também a sua opinião como presidente da Câmara de Matosinhos?

Mais como presidente da ANMP, porque Matosinhos não tem tanta necessidade destas medidas, mas admito que noutros municípios exista.

E porquê?

Porque Matosinhos tem um solo que é suscetível de construção de habitação, mesmo sendo solo rústico. Já está previsto no Plano Diretor Municipal (PDM).

Há risco real de o PRR não cobrir o financiamento das habitações previstas para o país?

As habitações que estão aprovadas nas candidaturas estão cobertas. Houve algumas, que ainda poderiam ser imputadas, mas que não foram a tempo do PRR e ficaram de fora.

No caso de Matosinhos, o PRR prevê a construção de quantas casas?

São 512 habitações de renda apoiada e mais 204 para renda acessível.

A nossa quota de habitação pública no concelho de Matosinhos vai passar os 5%, que é aquilo que se deseja em termos nacionais.

A habitação é um problema no concelho de Matosinhos?

A habitação é um problema e Matosinhos não é exceção. Estamos a tentar resolver esta questão com recurso a várias ferramentas: uma delas é a construção de nova habitação, com os 512 novos fogos para renda apoiada e outros 204 para renda acessível; a reabilitação de mais 100 fogos por ano; e 456 fogos que estão a ser alvo de requalificação nos conjuntos habitacionais já existentes.

A nossa quota de habitação pública no concelho de Matosinhos vai ultrapassar os 5%, que é aquilo que se deseja em termos nacionais. Ou seja, o país tem uma quota de habitação pública de 2% e quer passar para 5%. Em Matosinhos, com estas casas que estamos a construir, vamos ultrapassar esses 5% da quota de habitação pública. Mas não é só construindo habitação que se consegue isso; também é atribuindo financiamento, como é o caso do programa municipal de apoio ao arrendamento, garantindo que as famílias continuam a viver nas suas casas.

Também definimos 11 áreas de reabilitação urbana para que se estimule a reabilitação dos fogos, de modo a não termos centros urbanos abandonados e com prédios devolutos. Portanto, há uma panóplia de soluções que estamos a desenvolver para garantir que em Matosinhos as pessoas possam ter acesso a uma casa condigna.

E qual é o valor do investimento total na habitação?

Neste momento, estamos a investir 109 milhões de euros na habitação nova e na reabilitação de fogos já existentes.

Já anunciou ao ECO a sua recandidatura. Mas agora que está a finalizar o segundo mandato à frente da autarquia, o que é que falta fazer pelo município?

Os nossos principais investimentos são ao nível da habitação, porque estamos a falar de mais de 100 milhões de euros; da reabilitação do parque escolar, que ronda os 50 milhões de euros; da rede viária e mobilidade urbana, com a solução da linha Bus Rapid Transit (BRT), conhecida por metrobus. Neste, prevê-se um investimento de 23 milhões de euros financiado pelo Fundo de Transição Justa na sequência do encerramento da refinaria da Galp.

A cidade tem conseguido atrair investimento?

Matosinhos é o oitavo município do país com o maior número de empresas e de empregados. Nos últimos três anos nasceram mais de 2.000 empresas no concelho que criaram mais de 6.000 postos de trabalho. Somos o quarto município com maior volume de negócios do país.

Luísa Salgueiro, presidente da Câmara Municipal de Matosinhos e presidente da Associação Nacional de Municípios PortuguesesRicardo Castelo/ECO

Voltando ao tema receitas, há câmaras a reivindicarem verbas em atraso do Governo por causa da descentralização de competências, sobretudo nas áreas da educação e da saúde. Alegam mesmo que a situação coloca em risco a saúde financeira municipal.

A ANMP fez um levantamento, a nível nacional, de todas estas situações para apresentar ao Governo com o qual já estamos a discutir regras para ultrapassar essas situações. E entendemos que há condições para o fazer nas situações em que a transferência se mostrou deficitária. Mas isso não acontece em todos os municípios.

Mas já há um compromisso do Governo em relação a prazos para ressarcir as câmaras dessas despesas?

Estamos a trabalhar nesse sentido.

O que ainda está por fazer na transferência de competências para as autarquias?

Relativamente à descentralização de competências, a maior questão diz sobretudo respeito à área da saúde, porque ainda não ficou concluída. Ainda temos decisões importantes a tomar. Entretanto, houve a mudança de Governo — e já passaram 10 meses — e ainda há portarias que não foram publicadas. Por exemplo, precisamos de saber qual é o critério rácio de afetação do pessoal operacional em função das condições, de ter critérios para distribuir esses recursos. Precisamos de regras sobre a distribuição das viaturas e do mapeamento dos equipamentos que serão objeto de requalificação.

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