Presidente reeleito, um vice que não o conseguiu, o labirinto dos corredores e gravatas novas: o primeiro dia da AR

Deputados tomaram posse e elegeram Aguiar-Branco como Presidente à primeira volta. Diogo Pacheco Amorim falhou a eleição para vice. Estreantes assumem perder-se nos corredores.

Um Presidente da Assembleia da República reeleito à primeira volta, um novo partido entre a dezena de forças parlamentares, a palavra Constituição proferida em diversas intervenções, corredores que parecem labirintos para os estreantes, muitas fotografias e um bebé no hemiciclo. Assim foi o primeiro dia da nova legislatura, que arrancou na terça-feira, e que José Pedro Aguiar-Branco antevê ser das “mais exigentes” da democracia. Com uma nova reconfiguração do sistema partidário, há lugares que se trocaram e que ainda baralham até funcionários do Parlamento habituados à antiga disposição.

Passavam poucos minutos das 10 horas da manhã quando os 230 deputados eleitos nas legislativas de 18 de maio tomaram o seu lugar para a primeira sessão legislativa. Antes disso, a Biblioteca Passos Manuel, no segundo piso do edifício, serviu como sala de acolhimento. Foi aí que os parlamentares – os estreantes e os que já conhecem os cantos à casa – receberam um saco de pano de boas-vindas e, alguns, aproveitaram para tirar a fotografia tipo passe necessária.

Uma deputada tira uma foto para o cartão de deputada, durante os trabalhos da primeira sessão plenária da XVII Legislatura, na Assembleia da República, em Lisboa, 3 de junho de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

No hemiciclo, antes de Hugo Soares, como presidente da bancada parlamentar do partido mais votado, seguindo a praxe parlamentar chamar José Pedro Aguiar-Branco para conduzir os trabalhos até à eleição da nova mesa da Assembleia, abundaram as selfies e as fotografias, trocaram-se dedos de conversa e sorrisos e entrou um bebé em cena. A criança avistada ao colo da deputada do Chega, Rita Matias, era filha do colega de partido Daniel Teixeira.

Em pouco mais de dez minutos foi constituída a Comissão Eventual de Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos, constituída por 21 deputados de grupos parlamentares, tendo-se interrompido os trabalhos até às 15:00, hora em que os deputados um a um depositaram o seu voto na urna para a eleição do Presidente da Assembleia da República.

O deputado eleito do PSD, José Aguiar Banco, vota para a eleição do presidente das Assembleia da República da XVII Legislatura, na Assembleia da República, em Lisboa, 3 de junho de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Na votação secreta para a qual o vencedor precisa de maioria absoluta, Hugo Soares protagonizou o momento caricato do dia. O líder da bancada parlamentar do PSD dirigiu-se confiante à urna, quando se apercebeu de que deixou o papel na bancada, originando algumas gargalhadas. Voltou rapidamente atrás, tendo sido ‘salvo’ por Miguel Guimarães, antigo bastonário dos Médicos, que prontamente lhe passou o bilhete.

O apuramento dos votos garantiu, com 202 a favor, 25 em branco e três nulos, a reeleição de José Pedro Aguiar-Branco, depois dos contactos prévios do PSD com o PS e o Chega, de forma a evitar que se repetisse o cenário do ano passado, em que o Presidente da Assembleia da República apenas foi eleito à quarta tentativa. Desta vez, a cargo foi-lhe atribuído à primeira volta e prometeu evitar qualquer “sinal de hostilidade ou agressividade com qualquer outro deputado independentemente do seu partido”.

Enquanto deputado tenho uma ideia política e militância partidária, enquanto Presidente da Assembleia da República guardo reserva das minhas opiniões e tenho um regimento a cumprir”, disse, acrescentando acreditar “muito pouco na narrativa de que é preciso salvar a democracia”.

A democracia não se salva, constrói-se e constrói-se aqui nesta sala”, com as propostas apresentadas, com as decisões tomadas e o “trabalho de todos”, defendeu, considerando que são possíveis “consensos”.

O presidente eleito da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco (C), após ter sido eleito na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Menos rápida e com alguma dificuldade ocorreu a votação para os vice-presidentes da Assembleia da República, obrigando a uma recontagem. Após um momento de impasse, a mesa anunciou a eleição de Teresa Morais (PSD) com 196 votos a favor, 34 brancos e zero nulos, Marcos Perestello (PS) com 128 a favor, 102 brancos e zero nulo e Rodrigo Saraiva (IL), com 179 a favor, 51 brancos e zero nulos. Diogo Pacheco Amorim (Chega) falhou a eleição para vice-presidente com 115 a favor, 115 brancos e zero nulos. Também Filipe Melo não foi eleito secretário da Mesa da Assembleia.

Em declarações à rádio Observador ao fim do dia, Diogo Pacheco Amorim admitiu que deputados do próprio partido podem não ter votado em si, mas recusa que tenha sido o próprio partido a falhar-lhe. “É muito difícil dizer… Não afasto que dois ou três deputados do meu partido possam não ter votado. Ser já sete ou oito é impensável”, disse, acrescentando: “Essa história da vitimização do Chega e de André Ventura é velha, já aconteceu lamentavelmente durante a campanha eleitoral. É óbvio que não estou a dizer que o deputado Hugo Soares estava de má-fé e que essas ordens foram dadas. Fiquei surpreendido, na medida em que tinha havido um acordo, mas se é um voto secreto… Para ter acontecido isso teria de haver 39, mais de metade da bancada parlamentar [do Chega], a votar contra o meu nome”.

Sem um dos vice-presidentes eleitos, Aguiar-Branco anunciou que uma nova votação para o lugar em falta irá ocorrer na sessão em que será discutido o Programa de Governo.

Antes disso, ocorreram as intervenções dos partidos na sessão plenária. A partir de novos lugares (o que ainda provoca estranheza a muitos, incluindo a funcionários do Parlamento, habituados a que as vozes cheguem de determinado lado enquanto redigem atas), uma vez que o resultado das eleições levou a uma redistribuição de cadeiras, o Livre e o PS defenderam a importância da Constituição. Carta Fundamental que o Chega promete alterar “sem o partido que representa mais o sistema, o PS”, com André Ventura a defender que esta legislatura será “a última da terceira República”.

Antes disso, Pedro Delgado Alves, líder parlamentar interino do PS, defendeu que a Constituição “não como um ponto de chegada, mas de partida”. Por seu lado, Hugo Soares defendeu a importância de salvaguardar o prestígio das instituição. “Que esta seja a legislatura em que procuremos o que nos une e o que nos une é Portugal”, afirmou.

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Na estreia do partido e do próprio, o deputado único do Juntos Pelo Povo (JPP), Filipe Sousa, tomou a palavra para garantir que irá desempenhar o cargo de forma a honrar “os valores da democracia”, considerando que os partidos são “todos diferentes”, mas querem todos o mesmo: “Resolver os problemas das pessoas”. E deixou a garantia: “Serei a voz das ilhas por Portugal”.

Enquanto isso, o ex-secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, que “para já” assume o lugar de deputado, sentou-se na última fila dos deputados do PS. Em segundo plano ficou também Rui Rocha, que no fim de semana anunciou a demissão à frente da IL, com Mariana Leitão e Mário Amorim Lopes, os dois nomes mais falados para o suceder, a sentarem-se na primeira fila. Na redistribuição de lugares, Mariana Mortágua enquanto deputada única também abandonou a primeira fila e passou a sentar-se atrás de Paulo Raimundo do PCP.

O deputado do Juntos Pelo Povo (JPP), Filipe Sousa (2-E), participa pela primeira vez nos trabalhos de uma sessão plenária da XVII Legislatura, na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2025. Os 230 deputados eleitos nas legislativas de 18 de maio iniciam funções na primeira sessão plenária da XVII legislatura. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Os estreantes

Pouco mais de 40 deputados foram eleitos pela primeira vez nesta legislatura. Entre estes incluem-se Bárbara Amaral Correia, eleita por Faro pelo PSD. Confessa-se “super perdida”, porque, “isto são mil corredores“. Ao ECO, a parlamentar de 32 anos conta que para facilitar o grupo parlamentar do PSD teve uma reunião prévia para preparar os novos deputados para o primeiro dia.

“Houve aqui uma grande interligação entre o próprio grupo parlamentar e estou a ter muito esse apoio dos meus colegas de bancada, a quem muito agradeço, em especial ao Cristóvão Norte, que tem sido aqui um grande anfitrião neste dia especial para mim”, afirma, à passagem do experiente deputado social-democrata, que não resiste a atirar “vai ser uma grande deputada, pode escrever”.

Bárbara Amaral Correia espera que a legislatura dure os quatro anos, até porque “os ciclos curtos não são nada benéficos para a população, criam muita instabilidade a vários níveis“, assumindo como missão “contribuir para uma informação verdadeira e correta, que hoje falha imenso e que também tem contribuído para o afastamento da população dos partidos políticos”.

A pisar também pela primeira vez o chão do Parlamento, a deputada do PS Eva Cruzeiro, conhecida pelo nome artístico no trabalho como rapper Eva Rapdiva, confessa que encontrar a sala certa é mais desafiante do que o esperado. “Devo confessar que já me perdi. Sempre pensei que tinha um bom sentido de orientação, mas os nossos corredores aqui são quase como um labirinto. No entanto, acredito que em alguns dias consiga dominar melhor”, refere ao ECO.

Até lá tem tido o apoio dos colegas do grupo parlamentar, que descreve como “incríveis”. “A Isabel Moreira é quem me tem ajudado mais, mas os outros colegas são sempre disponíveis para mostrar onde é um lugar ou outro. Mesmo os funcionários da Assembleia da República são cinco estrelas. Peço uma informação e a pessoa para o que está a fazer e diz: vou levá-la”, assinala.

O presidente eleito da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco (C), intervém após ter sido eleito na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Como “amuleto da sorte” para a estreia levou um bloco de notas de Vhils, que considera “um dos melhores artistas portugueses”, para a recordar que “a arte é política” e “é bom que também consigamos fazer política com arte”. Eleita por Lisboa, a parlamentar de 36 anos, tem “expectativas elevadas”, esperando “contribuir para que o PS seja uma oposição extremamente forte a esta legislatura, que a nível numérico é dominada pela direita”.

Mais conhecedor do mapa do edifício está Jorge Miguel Teixeira, deputado estreante da Iniciativa Liberal, mas com expetativas igualmente elevadas. “Conhecia os corredores, mas é muito diferente percorrer estes corredores com um bocadinho mais de peso em cima dos ombros como deputado”, salienta ao ECO.

Aos 31 anos, o parlamentar eleito por Lisboa escolheu uma gravata roxa nova para “um dia especial” de uma legislatura que destaca “é diferente de muitas outras”.

“É desafiante, mas também o é porque os problemas que o país atravessa são bastante difíceis. Tem-se falado no aumento dos preços da habitação nos últimos anos, isso é um tema fundamental, os problemas de saúde que ainda não têm via de solução, outro tema fundamental. É oportuno pensar agora mais uma vez sobre o círculo de compensação necessário para o nosso Parlamento e eleições”, elenca, assumindo-se “entusiasmado” com a perspetiva de os vir a discutir.

O presidente do Chega, André Ventura (E), conversa com o deputado do Partido Social Democrata (PSD), Hugo Soares (D), durante os trabalhos da primeira sessão plenária da XVII Legislatura, na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2025. Os 230 deputados eleitos nas legislativas de 18 de maio iniciam funções na primeira sessão plenária da XVII legislatura. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA
A deputada do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua (E), ladeada pela deputada do Partido Comunista Português (PCP), Paula Santos (D), participam nos trabalhos da primeira sessão plenária da XVII Legislatura, na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2025. Os 230 deputados eleitos nas legislativas de 18 de maio iniciam funções na primeira sessão plenária da XVII legislatura. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA
O demissionário secretário-geral e deputado do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos (C), durante os trabalhos da primeira sessão plenária da XVII Legislatura, na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

 

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