Álvaro Mendonça e Moura critica falta de verbas para pagar os 255 milhões de euros comprometidos para este ano. "É uma questão, perdoe-me a dureza da palavra, de incompetência", diz no ECO dos Fundos.
“O ministro tem de pôr a funcionar os seus serviços. Compreendo que são duas coisas diferentes: definir a política e criar as condições necessárias para que ela possa ser executada. Mas ambas são competência do ministro”, diz o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal. Reconhecendo que existe “uma insatisfação crescente dos agricultores”, Álvaro Mendonça e Moura assaca responsabilidades ao ministro da Agricultura.
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“O agricultor quer é que as coisas funcionem. E é isso que exigimos do Estado. Se faltam técnicos, a obrigação do Estado é contratar novos técnicos. Mas estou convencido que, para além de uma falta de meios humanos, há uma falta de condução, há uma falta de chefia, há uma falta de visão para pôr os serviços a funcionar”, diz Mendonça e Mora no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
A CAP escreveu uma carta ao primeiro-ministro e ao ministro da Agricultura na qual fala de “flagrante incapacidade de gestão técnica, operacional e financeira” do PDR 2020 e do pedido único de 2025. No primeiro caso, existem 255 milhões de euros que estão comprometidos para este ano, mas que não há dinheiro para os pagar. Mendonça e Moura considera que “isto revela uma total incapacidade de gestão. Isto é uma questão, perdoe-me a dureza da palavra, de incompetência”. “Não se imagine que recorrer a uma linha de crédito que implique a assunção de encargos pelos agricultores é uma solução”, alerta. Já ao nível do Pedido Único — as candidaturas a apoios dos agricultores — o responsável não entende os problemas em torno de “uma atividade que é feita todos os anos. Há décadas”.
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A CAP escreveu uma carta ao Ministro da Agricultura na qual fala de “flagrante incapacidade de gestão técnica, operacional e financeira” do PDR 2020 e do Pedido Único de 2025. Esta são acusações fortes.
A carta não foi dirigida ao Ministro da Agricultura. Foi dirigida ao primeiro-ministro e ao ministro da Agricultura. E porquê? O primeiro-ministro colocou uma grande ênfase na reforma do Estado e criou mesmo o Ministério da Reforma do Estado. Quisemos assinalar ao primeiro-ministro que a reforma do Estado tem também de ser pôr a funcionar as atuais estruturas do Estado. Estamos inteiramente de acordo com a necessidade de se pensar a sério numa reforma do Estado. Mas a reforma do Estado não pode ser vista apenas em termos muito macro, esquecendo os pequenos detalhes que é pôr a funcionar o que existe. É como numa empresa. Se pensássemos em reformular a estrutura da empresa, esquecendo pôr a funcionar aquilo que existe.
Já teve algum feedback dessa missiva?
Pedimos uma audiência ao ministro da Agricultura e o secretário de Estado responsável pela Reforma do Estado vai-nos receber no próximo dia 7 e, obviamente, este será um dos pontos a discutir.
Podemos concluir que o estado de graça do ministro da Agricultura chegou ao fim?
Estado de graça é uma expressão que normalmente se usa para os primeiros 100 dias de qualquer Governo. Este Governo é largamente o anterior. E, portanto, o Estado de graça normal vai já há algum tempo, porque este Governo, podemos dizer, e este ministro da Agricultura, está em funções há mais de um ano. Uma coisa é o estado de graça, em que as pessoas dão tempo antes de fazerem crítica. Nesse aspeto, obviamente, que não estamos em período de estado de graça.
A relação dos agricultores com a anterior ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, era muito crispada. Este ministro pareceu gozar de um período muito mais amplo de paz com os agricultores. Mas as críticas estão a subir o tom à medida também que os problemas vão persistindo.
Primeiro, e isto é mérito do atual ministro e do atual Governo, o discurso em relação à agricultura mudou. E mudou radicalmente. E isso tem de ser posto a crédito, quer do primeiro-ministro, obviamente, quer do ministro José Manuel Fernandes. Ambos têm dito repetidamente que dão a maior importância à agricultura, que a agricultura é um setor estratégico para a economia do país e isto não ouvíamos há muitos largos anos. O primeiro ponto é reconhecer que o ministro tem vindo a centrar a importância da agricultura no contexto da política nacional. Isso é, obviamente, muito positivo. E temos dificuldade em discordar do discurso do ministro. Há aqui uma mudança muito grande em relação ao que era o discurso anterior.
Temos dificuldade em discordar do discurso do ministro. Há aqui uma mudança muito grande em relação ao que era o discurso anterior.
Mais do que o discurso, há as ações.
Por isso é que tem razão quando diz que parece haver uma insatisfação crescente dos agricultores, o que é verdade. A verdade é que está a demorar a vermos este discurso traduzido na realidade. Não temos uma discordância de política comparando as nossas posições com o que o ministro tem anunciado. A nossa dificuldade é não ver traduzido no terreno essa política. Antes de ir diretamente aos pontos de crítica, quero recordar que este Governo, que é a continuação do anterior, cumpriu dois pontos que eram muito importantes: voltar a pôr as florestas no Ministério da Agricultura — ponto essencial, e que, aliás, tinha provocado, mesmo no seio do Partido Socialista, grandes divisões, porque havia muita gente que nos acompanhou no sentido de não entender o porquê — e retomar a sua autoridade sobre o que eram as delegações regionais de agricultura agora inseridas nas CCDR.
Esses pontos foram cumpridos e não esquecemos os aspetos positivos. Só que, feito isso, agora precisamos do resto. Precisamos efetivamente de um Ministério da Agricultura que funcione.
Um dos pontos que aborda na carta é dizer que há mais de 255 milhões de euros que estão comprometidos para este ano, mas que não há dinheiro para os pagar. Como é que isto é possível?
Bom, em primeiro lugar, a informação foi-nos dada diretamente pela Autoridade de Gestão dos Fundos. É o Ministério da Agricultura que nos dá essa informação. Isso é completamente inaceitável. O PDR 2020 termina o seu período do N+3, agora em 2025, em dezembro de 25. Antigamente, quando uma determinada verba não era gasta durante um determinado plano, podia ser paga no plano seguinte. Isso deixou de ser possível. É um regulamento comunitário que obriga a executar as verbas de cada fundo dentro do período do fundo mais o número de anos adicionais, o N+2 ou N+3. E este ano é o último para fazer os pagamentos. O que está comprometido para o N+3, não é possível pagá-lo senão neste período. Ora, diz-nos a autoridade de gestão, informação dada pelo Ministério da Agricultura, que estão comprometidos 255 milhões e que, neste momento, não há verba para os pagar. Ora, o que isto revela é uma total incapacidade de gestão. Qualquer gestor responsável de um programa tem de prever como vai alocar as verbas e como vai garantir que são executadas naquele período. Isto não é possível. Isto é uma questão de gestão, é uma questão de…
De expectativas também dos agricultores que viram esses projetos aprovados e que agora não têm verbas.
Obviamente, mas isto é uma questão, perdoe-me a dureza da palavra, de incompetência. Qualquer gestor sabe isto e qualquer gestor empresarial percebe perfeitamente isto: tem um determinado plano, tem de o executar e tem de pensar previamente como é que o vai executar.
Perante a ausência desse dinheiro, o que é que vai acontecer? Tem a expectativa que o Executivo consiga encontrar tesouraria para pagar os 255 milhões? Ou esses agricultores vão ver as suas expectativas goradas?
Não, não. É impensável que sejam os agricultores a suportar a incompetência da gestão. Isso não é possível. Os agricultores assumiram, de boa-fé, determinados compromissos, compromissos com o Estado. Não podem ser eles a arcar com a incompetência de quem gere e idealizou este programa. Isso é impensável. E por isso dizemos que não se imagine que recorrer a uma linha de crédito que implique a assunção de encargos pelos agricultores é uma solução, porque obviamente isso estaria a transferir para os agricultores encargos financeiros com os quais eles não estavam a contar. Eles comprometeram-se a fazer determinados investimentos sem esses encargos adicionais. Portanto, isso não é uma solução. Obviamente, o Ministério da Agricultura terá que encontrar uma solução para este caso.

Neste podcast, o ministro da Agricultura disse, claramente, que não atendia a uma das reivindicações da CAP que era o Estado pagar juros de mora quando se atrasava nos seus pagamentos, porque não se iria atrasar. Não é isso que temos assistido?
Dizia o doutor Oliveira Salazar, há muitas décadas, que o Estado é uma pessoa de bem. Nunca acreditámos que o Estado o fosse, porque uma pessoa de bem paga atempadamente aquilo que tem a pagar. Ora, não temos visto isso. O Estado deve ser uma pessoa de bem. Quando se assumem compromissos, como nós assumimos na nossa vida privada, temos de os respeitar. Caso contrário, o banco não tarda em nos lembrar que temos de pagar juros se nos atrasarmos em qualquer pagamento. Assim como a Autoridade Tributária.
Outra das críticas que fazem na carta diz respeito ao Pedido Único 2025: “foi marcado por uma incompreensível sucessão de trapalhadas, uma elevada opacidade e uma notória incapacidade de gestão de procedimentos, com atrasos incompreensíveis nos controlos de campo, revisões arbitrárias e inexplicáveis das candidaturas, um sistema informático complexo e inoperante”. O que é preciso corrigir para que o pedido único decorra de forma tranquila?
O chamado Pedido Único são as candidaturas que os agricultores fazem aos apoios comunitários, em que cada agricultor tem de dizer qual é a sua superfície e as culturas que vai fazer, etc. É algo que se repete todos os anos. Um procedimento que tem décadas. Ocorre, em princípio, entre 1 de fevereiro e 30 de abril.
Este ano sofreu várias prorrogações…
Houve prorrogações. Estamos a falar de uma atividade que é feita todos os anos. Há décadas. E é inexplicável que ocorra sempre mal. Usando o exemplo dos impostos, é como pagar o IRS. Sabemos que todos os anos temos de entregar o IRS e a autoridade tributária não se esquece de tomar as devidas precauções.
Enviar as notas de liquidação.
Tudo isso. É uma rotina. Não se percebe porque é que há de ser complicado efetuar estas candidaturas ao Pedido Único. Porque repetem-se todos os anos. Porque é que não pode ser algo automático? Como o IRS.
Não se percebe porque é que há de ser complicado efetuar estas candidaturas ao Pedido Único. Porque repetem-se todos os anos. Porque é que não pode ser algo automático? Como o IRS.
É um problema informático? De plataformas?
É um problema de incapacidade de pôr a funcionar um serviço do Estado.
Mas como é que justifica essa incapacidade ano após ano?
O Pedido Único pressupõe inspeções de campo. Os controlos de campo têm de estar feitos antecipadamente. Não é aceitável que, durante o período em que a pessoa está a elaborar a sua candidatura, haja alterações ao sistema, até ao sistema informático. O que obriga, muitas vezes, com a inserção de novos dados, a exigência de novos elementos, pessoas que tinham entregado as suas candidaturas a verem-nas rejeitadas por lhes aparecerem X erros, como aparece na nossa declaração de IRS, quando nos enganamos.
De repente, aparecem candidaturas com N erros. Porque as exigências são diferentes, porque os controles de campo não estavam efetuados a tempo devido, porque o sistema informático estava em baixo. Escrevemos isso na carta: na própria CAP e na generalidade das nossas associadas pelo país fora, houve técnicos a passar fins de semana inteiros, noites, feriados, para terminar estas candidaturas. Isto não é normal, não é possível. Uma atividade que não é extraordinária, é rotineira, anual.
Há também um problema de falta de técnicos, no caso dos controlos de campos?
Vimos a assistir, há muito, a um depauperamento do Ministério da Agricultura, quer ao nível dos serviços centrais, em Lisboa, quer ao nível das então chamadas delegações regionais. Iam saindo técnicos, não eram substituídos. Temos dito que a inserção nas CCDR, sob a autoridade do Ministro da Agricultura, pode ser uma boa solução, mas é preciso ter em conta que não há milagres. Tem de haver um reforço de meios humanos e técnicos porque chegámos ao ponto de não se poderem fazer controlos de campo por não haver automóveis para os técnicos se deslocarem ao campo. Isto não faz sentido.
Como não fazia sentido a obrigatoriedade de se comprarem automóveis elétricos, algo que, felizmente, já no tempo deste ministro, foi alterado. Como compreenderá, automóveis elétricos para fazer controlos de campo não é propriamente o veículo mais recomendável… Estou a dizer isto como graça, mas para mostrar ao ponto de absurdo a que chega o disfuncionamento do Estado.
A inserção nas CCDR, sob a autoridade do ministro da Agricultura, pode ser uma boa solução, mas é preciso ter em conta que não há milagres. Tem de haver um reforço de meios humanos e técnicos, porque chegámos ao ponto de não se poderem fazer controlos de campo por não haver automóveis.
Mas, voltando à sua pergunta, é preciso reforço, efetivamente, de meios humanos. Mas seja como for, essa é uma responsabilidade do ministro. Em última análise, o agricultor não quer saber se falta o técnico na CCDR do Norte ou do Centro. O agricultor quer é que as coisas funcionem. E é isso que exigimos do Estado. Se faltam técnicos, a obrigação do Estado é contratar novos técnicos. Mas estou convencido que, para além, de uma falta de meios humanos, há uma falta de condução, há uma falta de chefia, há uma falta de visão para pôr os serviços a funcionar.
E como é que isso se vai ultrapassar?
Isso é uma responsabilidade clara do ministro. O ministro tem de pôr a funcionar os seus serviços. Compreendo que são duas coisas diferentes: definir a política e criar as condições necessárias para que ela possa ser executada. Mas ambas são competência do ministro.
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