“Os nossos empresários não são propriamente inovadores”

O reitor da universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, critica a falta de estratégia na formação de quadros de ensino superior porque "não está minimamente adaptado às necessidades do país.

“Universidades e empresas aproximaram-se muito nos últimos anos.” Houve “alguma evolução, mas estamos ainda assim longe daquilo que seria desejável”. A radiografia é feita pelo reitor da Universidade de Coimbra. Amílcar Falcão considera que “as empresas têm uma lógica própria que os investigadores normalmente não acompanham” e, simultaneamente, não acompanham a capacidade de inovação das universidades, por falta de capacidade e de dimensão.

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“Onde está o maior problema” na relação com as empresas, “é que fala-se muito na inovação e em transferir o conhecimento para as empresas”, mas “nem o contexto nem as circunstâncias são muito favoráveis”. “Os nossos empresários, maioritariamente, não são propriamente inovadores, vamos pôr a coisa assim… Não quer dizer que não sejam bons empresários, mas enfim”, diz Amílcar Falcão no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.

Embora acredite que o tecido empresarial português “certamente gostaria de acompanhar” a capacidade de inovação das universidades, o facto de ser composto na esmagadora maioria por microempresas — que “têm dificuldade na área de inovação porque vive o dia-a-dia quase muitas vezes de sobrevivência. A inovação não se compadece com isso” — compromete esse objetivo. Até porque “não há instrumentos atrativos” para corrigir a situação.

Amílcar Falcão orgulha-se de ter aumentado o número de patentes registas de 260, em 2019, quando entrou para reitor, para mais de 600. “Na altura, os royalties que tínhamos eram insignificantes, agora temos mais de um milhão de euros, por ano, de royalties. E aumentámos muito o nosso portfólio de relação com empresas”, explica.

O reitor da Universidade de Coimbra defende a necessidade de aposta nas profissões mais técnicas das quais o país precisa. “Não há necessidade de estar a formar gente em quantidades exageradas e, na maior parte das vezes, sem haver uma estratégia”, critica. E dá como exemplo a falta de professores no país, “algo absolutamente incompreensível”, como um exemplo dessa falta de estratégia.

A incapacidade de os partidos se entenderem sobre questões como saúde ou educação, de não criticar propostas válidas só porque se está na oposição são alguns dos problemas que têm penalizado o país, na sua opinião. Frisando sempre que não se mete em política partidária, alerta: “Se os nossos políticos não agem com responsabilidade e com sentido de Estado, as coisas correm mal”; “o PS, neste momento, tem um problema muito grande para resolver”; e “enquanto não testarmos a capacidade do Chega em relação à governação, ele irá sempre crescer”.

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Uma das principais mudanças introduzidas pelo Plano de Recuperação e Resiliência foi a necessidade de empresas e universidades candidatarem-se aos fundos em conjunto. Podemos dizer que empresas e universidades já falam a mesma língua?

As universidades e as empresas aproximaram-se muito nos últimos anos. Esta linha que estamos a falar, das agendas mobilizadoras do PRR, também permitiu que isso se aprofundasse. Esses projetos são coordenados necessariamente por empresas e não por instituições de ensino superior. A Universidade de Coimbra está em bastantes e com um valor considerável de dinheiro.

São cerca de 60 os projetos que a Universidade de Coimbra tem no PRR?

Sim, globalmente. Nas agendas estamos em 19, mas com um valor de 45 milhões de euros. Estamos neste momento em reprogramação de duas delas e, provavelmente, chegaremos aos 50 milhões de euros, da parte da Universidade de Coimbra. Temos tido, de facto, bons resultados. Tem corrido bem. A nossa taxa de execução, ao dia de hoje, andará nos 70 a 72%. Portanto, iremos atingir os objetivos de 100% até a 30 de junho de 2026.

Uma das coisas que se notou muito nas agendas mobilizadoras, e com a relação com as empresas, foi o facto de termos aumentado de forma muito impactante o número de patentes. A Universidade de Coimbra, ao contrário do que muita gente pensa, tem um histórico forte de relação com empresas. Não que Coimbra tenha um tecido empresarial forte — não tem — nem a própria região, comparando com Lisboa e com Porto. Mas a Universidade sempre conseguiu mexer-se bem na área empresarial e temos relações com empresas de todo o país, até de fora dele. Quanto à linguagem, já houve alguma evolução, mas estamos ainda assim longe daquilo que seria desejável.

O que falta?

Bom, faltam várias coisas, na minha opinião. Desde logo, muitas vezes as coisas não são planificadas como deveriam ser. Ficam muitas coisas em aberto que depois trazem problemas burocráticos e às vezes até jurídicos. Por outro lado, as empresas têm uma lógica própria que os investigadores normalmente não acompanham. Quando tomei posse como reitor, criei uma divisão chamada UC Business, que é dedicada apenas à relação com as empresas e fazemos scouting interno, scouting externo, para colocar os nossos…

As empresas têm uma lógica própria que os investigadores normalmente não acompanham.

Os alunos nas empresas e para as empresas também procurarem soluções junto à Universidade.

Exatamente. Tem sido um sucesso. Quando entrei para reitor, em 2019, tínhamos cerca de 260 patentes, hoje temos mais de 600. Na altura, os royalties que tínhamos eram insignificantes, agora temos mais de um milhão de euros, por ano, de royalties. E aumentámos muito o nosso portfólio de relação com empresas: estágios empresariais, etc. Foi um processo que foi acontecendo. Agora, o problema que se levanta em Portugal, e que traz também problemas na relação com as empresas, é que fala-se muito na inovação e em transferir o conhecimento para as empresas, mas depois temos de ver qual é o nosso contexto, quais são as nossas circunstâncias Nem o contexto nem as circunstâncias são muito favoráveis.

Quer dizer que o nosso tecido empresarial não acompanha a capacidade de inovação das universidades?

Certamente gostaria de acompanhar. Muitas vezes não consegue. As ferramentas que existem, quer de financiamento, quer de acompanhamento para as nossas empresas, não são suficientemente atrativas para que consigam elas próprias entrar nesse caminho. E, por outro lado, somos um país onde trabalhamos esmagadoramente com microempresas. E uma microempresa tem dificuldade na área de inovação porque vive o dia-a-dia quase muitas vezes de sobrevivência. A inovação não se compadece com isso. Necessitamos de ter empresas de maior dimensão em que a aposta na inovação seja de facto uma aposta. Para apostar na inovação tem de se investir e esse investimento muitas vezes não é feito, ou é feito de forma inapropriada É verdade que o Estado tem uma ferramenta interessante para as empresas, que é o Sifide, que tem um impacto nos impostos que são cobrados à empresa, no caso de fazer I&D. Mas, se formos ver, o Sifide é uma boa ferramenta, normalmente mal aplicada, uma vez que não se está realmente a apoiar a investigação, estão-se a pagar salários de pessoas que, em alguns casos, supostamente, estarão ligados a algum tipo de Inovação & Desenvolvimento, mas muito precoce, muito pouco aplicado.

A solução deveria passar, por exemplo, por reforçar a capitalização das empresas, nomeadamente através do Banco de Fomento, para que ganhem dimensão e dessa forma poder dar esse salto?

Esse é um caminho e é um caminho importante. Mas o maior problema com a transferência de tecnologia para as empresas está no facto de não ser claro para muitos empresários, e os nossos empresários, maioritariamente, também não são propriamente inovadores, vamos pôr a coisa assim… Não quer dizer que não sejam bons empresários, mas enfim.

Não gostam de arriscar. É isso?

Basicamente. E é mais fácil, e vê-se isso constantemente, contratar três pessoas para uma empresa a pagar salário mínimo, do que contratar uma pessoa doutorada para fazer esse tipo de trabalho. Portanto, enquanto não houver a perceção genérica e generalizada de que o conhecimento, a incorporação de conhecimento é muito importante para a inovação e, para o desenvolvimento das empresas, isto por parte dos empresários, também é difícil avançarmos muito mais. E, claro, que há mecanismos para fazer isto de outra forma. Mas, por alguma razão ou por outra, no nosso país, não estamos a fazer isso tão bem quanto eu, por exemplo, desejaria que fizéssemos.

Necessitamos de ter empresas de maior dimensão em que a aposta na inovação seja de facto uma aposta. Para apostar na inovação tem de se investir e esse investimento muitas vezes não é feito, ou é feito de forma inapropriada.

Temos um problema em conseguir reter os jovens qualificados em Portugal. Provavelmente para eles é muito mais interessante ir tentar a sorte num qualquer outro país europeu onde têm um salário melhor e talvez uma capacidade de progressão muito maior também?

É verdade, embora tenha uma leitura um bocadinho diferente da maioria das pessoas. As novas gerações têm uma mentalidade substancialmente diferente das anteriores. E quando digo anteriores não estou a falar de pessoas da minha idade, mas de pessoas que hoje têm 40 anos, ou 35 anos. Hoje, os jovens sentem-se realmente europeus. Ao contrário do que acontecia há uns anos largos não procuram um emprego para a vida, não é essa a filosofia. Procuram viver o dia-a-dia da melhor forma possível como se fosse o último dia da vida deles. E, portanto, aquele esforço adicional de umas horas extras, de umas noitadas, já não existe como no passado. Por outro lado, movem-se naturalmente por melhores condições de trabalho. Tenho as minhas dúvidas que, numa parte importante dos casos, ao irem para o estrangeiro isso seja um grande benefício, porque é verdade que vão para locais onde ganham mais, mas também gastam mais. Agora é óbvio que temos um perfil de formação de quadros de ensino superior que não está minimamente pensado, nem adaptado, nem racionalizado para aquilo que são as necessidades do país. Temos falta de muita gente para fazer imensos trabalhos que não requerem um doutoramento, mas uma formação superior.

Como por exemplo?

Tudo o que tem a ver com eletrónica, com tecnologias de informação, novos materiais. Quando olhamos para uma casa e pensamos que temos um estore avariado, são curiosos que lá vão mexer. Não são pessoas com alguma formação que poderiam até aconselhar materiais mais sustentáveis, do ponto de vista ecológico, mas também das questões das temperaturas.

Isso também passa pela nossa incapacidade de valorizar esse tipo de profissões, desses quadros médios?

Não, acho que passa por uma falta de estratégia de longo prazo, que fomos perdendo nas últimas décadas. Toda a gente quer estar numa universidade, ser doutora. E o caminho que tem sido seguido é de vermos os institutos politécnicos a caminharem para ser universidades. E acabou, como havia há 20 ou 30 anos, aquela missão de formação de profissionais intermédios. Antes de Bolonha, antes de 2006, estaríamos a falar de bacharelados, dos cursos de dois anos, três anos. Hoje temos os Curso Técnico Superior Profissional (Ctesp) nos politécnicos, que são um sucesso. E bem. Mas deveríamos dar mais ênfase a essa formação. Não há necessidade de estar a formar gente em quantidades exageradas e, na maior parte das vezes, sem haver uma estratégia. A falta de professores no nosso país é algo absolutamente incompreensível.

“Quando entrei para reitor, em 2019, tínhamos cerca de 260 patentes, hoje temos mais de 600. Na altura, os royalties que tínhamos eram insignificantes, agora temos mais de um milhão de euros, por ano, de royalties“, conta Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra, em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos”Hugo Amaral/ECO

Os partidos do Bloco Central dificilmente se conseguem entender numa estratégia concertada em áreas como a saúde ou a educação.

Esse é um dos problemas do sistema que temos. Entre os sistemas que existem dizemos que é o melhor. Mas não é perfeito. A democracia não é perfeita. Se os nossos políticos não agem com responsabilidade e com sentido de Estado, as coisas correm mal, como é óbvio. Não me meto em política partidária, mas há duas coisas que são muito visíveis, independentemente do Governo que lá esteja, e já lá estiveram vários: a primeira é que quando um governo entra, normalmente as pessoas querem, “deixar a marca” e, portanto, resolvem fazer uma coisa diferente do que lá estava. Isto não dá confiança ao sistema, nem permite políticas de longo termo. Uma coisa que nos dá cabo da vida é quantas vezes temos leis que são contraditórias. Isso existe com muita frequência. Por outro lado, uma coisa de que não gosto, mas sei que faz parte da regra do jogo, com a qual não convivo bem, que é um partido está no poder e promove uma qualquer iniciativa que ajuda, por exemplo, na saúde. Mesmo que entre pelos olhos adentro, que aquilo é uma boa medida, a oposição critica sempre. Não há no país, pelo menos numa parte importante da nossa classe política, não há a consciência de que o país… o povo, as pessoas, principalmente os jovens, estão acima das querelas políticas e do poder, da gula pelo poder. Ou seja, tem de se deixar os governos governar. E ao fim de quatro anos, votamos. Se não gostarmos, mudamos.

O resultado eleitoral das legislativas de dia 18 é uma espécie de wake-up call, nesse sentido?

Acho que sim, mas não sei se vai a tempo, não é?

O facto de o PS ter tido um resultado tão mau obrigá-lo-á, em prol dessa estabilidade, a andar mais de mão dada com a AD?

A história diz-nos que sempre que chega o fim do ciclo de uma coligação que está desgastada, os partidos mais pequenos da coligação tendencialmente pagam um preço maior.

Vimos isso com o Bloco de Esquerda e PCP.

Foi muito visível com a geringonça. Não foi a primeira vez que aconteceu na história, já aconteceu com o CDS e o PPD/PSD.

O CDS foi banido do Parlamento em 2022.

Amanhã, quando o Governo acabar, o CDS não sei que futuro terá. Portanto, entendo isso e percebo que há uma regra de jogo a cumprir e há estratégias para isso também. O PS, neste momento, tem um problema muito grande para resolver. Para mim, o resultado mais significativo — isto é uma leitura de alguém que não está na política ativa partidária –, interessante e pouco falado é o facto de a esquerda toda junta não conseguir chegar à AD. Isso é importante para a governabilidade da AD, mas obviamente é um mau resultado para o país enquanto tal. Não sei o que é que o PS vai fazer do ponto de vista estratégico. Tem várias opções. Não me atrevo a dar nenhuma sugestão sobre o que deve ou pode fazer. Aquilo que me parece mais ou menos evidente é que, e isso já foi dito, enquanto não testarmos a capacidade do Chega em relação à governação, ele irá sempre crescer.

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