Seixal exerceu direito de preferência em 30 casas do ex-BES. “Aqui não vamos deixar que haja essas jogadas”

Câmara do Seixal "pescou" cerca de 30 apartamentos em carteiras vendidas pelo sucessor do BES, contra a vontade do presidente do NB, diz o autarca. Estratégia local de habitação esbarra no IHRU.

Com preços de venda a crescerem acima de 10% no espaço de um ano e os arrendamentos numa escalada superior, a Câmara Municipal do Seixal tem uma estratégia de habitação que inclui aquisição de terrenos para construção, mas nos quais não se consegue construir por inoperância do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), acusa o presidente da autarquia, Paulo Silva.

Com olhos postos nos negócios imobiliários feitos no município, a câmara conseguiu retirar das carteiras de imóveis vendidas pelo Novo Banco a fundos “algumas dezenas” de apartamentos, que destinou a habitação para famílias com carências — às quais o autarca da CDU assegura que é exigido o cumprimento de regras nesses edifícios, sob pena de perderem a casa.

Estes imóveis vendidos pelo Novo Banco, provenientes dos ativos vindos do antigo BES, acabaram por ser adquiridos ao abrigo do direito de preferência que as autarquias têm sobre todos os imóveis de habitação vendidos no seu território, a preços muito inferiores aos do mercado, conta o presidente da câmara ao ECO/Local Online, numa entrevista realizada no recém-construído edifício da autarquia, numa zona habitacional a surgir defronte da baía do Tejo, onde saltam do solo prédios com apartamentos T3 por um milhão de euros.

À volta do edifício da Câmara Municipal do Seixal estão a surgir urbanizações com apartamentos à venda por valores até há pouco tempo invulgares neste concelho (imagem abaixo, de Idealista.pt)Hugo Amaral/ECO

Dados do INE apontam para subidas da mediana dos preços da habitação em mais de 10%, e arrendamentos ainda acima disso. Como é que isso se compatibiliza com o direito à habitação?

Nos arrendamentos, [as subidas] estão bem superiores. Isso tem a ver com a qualidade de vida existente no concelho de Seixal, que faz com que sejam cada vez mais aqueles a quererem vir para cá. Aumenta a procura e, consequentemente – isso é a lei do mercado – aumenta o preço. Como podemos combater isso? Com o programa que lançámos do arrendamento acessível. Construir casas para a classe média e média/baixa continuar a residir no concelho do Seixal. Agora, infelizmente, quanto a isso, continuamos à espera dos financiamentos do poder central.

O poder central delegou essa competência no IHRU. É aí que reside o problema?

É um dos grandes problemas que temos. A nível de execução do PRR, vamos ficar com centenas de milhões de euros que não se se vai conseguir executar, por responsabilidade do IHRU, que não foi rápido, não tem sido rápido a responder às propostas das câmaras municipais. Não estou a falar só do Seixal.

Recentemente houve o realojamento de famílias do Bairro da Jamaica, que pouco antes percorreu todos os noticiários devido a distúrbios. Como decorreu o processo?

Tínhamos três focos de habitação degradada e já resolvemos dois. Bairro da Jamaica — ou Vale de Chícharos –, e Rio Judeu, que era uma coisa pequena, 20 e tal fogos. E Santa Marta, onde já fizemos a primeira fase, quase 300 famílias realojadas, faltam 220 famílias.

As mais de 230 famílias [do Bairro da Jamaica] estão realojadas, num modelo de realojamento em que não quisemos criar novos bairros. Preocupámo-nos com a coesão social. Exercemos direito de preferência, muitas casas foram compradas ao Novobanco a preços muito baixos.

As mais de 230 famílias [do Bairro da Jamaica] estão realojadas, num modelo de realojamento em que não quisemos criar novos bairros. Preocupámo-nos com a coesão social. Exercemos direito de preferência, muitas casas foram compradas ao Novobanco a preços muito baixos.

Compraram casas do Novobanco para realojamento?

Comprámos casas ao Novo Banco, exercemos direito de preferência nas mesmas, por 60, 70 mil euros. Preços muito abaixo dos que se praticam.

Imóveis que estavam a ser vendidos a fundos em carteiras? Quantos fogos?

Sim, a fundos. Foram cerca de 30 que comprámos ao Novobanco. Aliás, o presidente do Novobanco até me disse no início que éramos os únicos que estávamos a exercer os direitos de preferência, quase zangado, por estarmos a fazer isso. Mas disse-lhe: “É claro que vamos exercer o direito de preferência para salvaguardar a habitação”. “Ah, mas isto continuava no mercado habitacional porque depois seriam vendidos…” Assim, vamos fazer uma política de realojamento.

Foram umas dezenas que comprámos ao Novobanco por preços muito abaixo dos que eram praticados. Agora, como é que o Novobanco vendia tão baixo quando depois ia ao Fundo de Resolução pedir para ser ressarcido das imparidades relativamente a património? Isso devia ser investigado. Mas o Seixal esteve ali ativo. Aqui no nosso território não vamos deixar que haja essas jogadas. Exercemos direito de preferência e comprámos muita coisa ao Novobanco. Tudo o que tivemos hipótese, fomos comprando.

Foram umas dezenas que comprámos ao Novobanco por preços muito abaixo dos que eram praticados. Agora, como é que o Novobanco vendia tão baixo quando depois ia ao Fundo de Resolução pedir para ser ressarcido das imparidades relativamente a património? Isso devia ser investigado.

Como foi feito esse processo de realojamento numa lógica de distribuição das famílias por edifícios que à partida já tinham uma comunidade de vizinhos formada?

Em termos de realojamento, não queremos fazer construção, queremos espalhar aquelas famílias pela malha urbana, para fazermos coesão social. E o que fizemos? Cerca de 30 famílias realojadas por trimestre. Esta era a capacidade que os nossos técnicos tinham durante três meses para acompanharem diariamente essas famílias na sua inserção na nova realidade. Os novos hábitos que tinham de adquirir, as novas obrigações, tudo. Achamos que é o tempo necessário para aquelas famílias estarem integradas na nova realidade. A seguir, fazemos outros 30 realojamentos.

Quem faz o realojamento?

Técnicos superiores e também assistentes técnicos da câmara, que vão fazendo o acompanhamento diário, falando com os condomínios, com os vizinhos, como tem de se fazer a integração daquelas famílias na nova realidade.

E há alguma penalização para quem não cumpra?

Posso dizer, e digo com muito orgulho, que das quase 300 famílias que foram realojadas, todas estão a pagar a sua renda, renda social.

Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal do Seixal, em entrevista ao ECO/Local OnlineHugo Amaral/ECO

Já se registaram problemas com essas famílias realojadas?

Há problemas. Não vou dizer que não há, mas também eu já vivi num prédio e houve sempre problemas no condomínio. Mais um barulho, há sempre.

O que faz a câmara perante queixas fundamentadas de outros condóminos?

O condomínio entra em contacto connosco e nós estamos lá para falar com os nossos inquilinos, ver a situação e dizer que eles têm o direito à habitação, mas também têm regras a cumprir. E se não cumprirem essas regras, perdem o direito à habitação. Temos de fazer esta responsabilização.

O condomínio entra em contacto connosco e nós estamos lá para falar com os nossos inquilinos, ver a situação e dizer que eles têm o direito à habitação, mas também têm regras a cumprir. E se não cumprirem essas regras, perdem o direito à habitação. Temos de fazer esta responsabilização.

Podem perder a casa?

Não tenho dúvidas disso. Temos de ser muito duros. As pessoas têm regras para cumprir e, nesta integração, tem de haver responsabilização. Temos de ser muito duros com essa situação, e muitos fortes. Não podemos deixar que todo o trabalho se perca por falta de acompanhamento. E digo com orgulho que todos estão a pagar a sua renda e a sua água, que é o que diz respeito à câmara municipal.

Nesse processo que levou à identificação de imóveis do Novobanco, a câmara tem alguém que olha para as vendas fechadas no concelho?

Temos dois trabalhadores que estão encarregues dessa fase de analisarem os direitos de preferência e proporem. E depois a última palavra é minha. Estou ali todos os dias a despachar os direitos de preferência para não deixarmos passar nenhum que interesse.

Com fundos PRR?

Nós compramos e depois pedimos, no âmbito dos acordos feitos com o IHRU, para sermos ressarcidos do valor. Agora, o IHRU esteve um ano e três meses sem fazer qualquer pagamento. A câmara chegou a ter 20 milhões de euros de adiantamentos. Mas para termos 20 milhões aí, tirámos de outro lado. O orçamento não é elástico.

Esse valor com verbas que vieram da Europa já foi acertado?

Ainda nos estão a dever cerca de dez milhões de euros. Se têm sido mais rápidos a responder, já estaríamos mais avançados na estratégia de habitação. O IHRU é que não tem capacidade de resposta. Na questão da habitação é preciso vontade política para resolver. Temos primeiro de ver terrenos disponíveis, propriedade do Estado e das autarquias. Identificámos no concelho cerca de 20 terrenos de propriedade do Estado com capacidade construtiva, mandámos para o Ministério das Infraestruturas e Habitação. Ligaram-nos a perguntar como sabemos que estes terrenos são do Estado… É fácil. Vamos ao site das Finanças, metemos o código do concelho e o número de contribuinte do Estado e dá-nos quais são os prédios de que é proprietário. Não custa nada. Fizemos esse trabalho e até ao momento não nos deram resposta sobre esses prédios.

Com 120 mil euros, havendo terrenos, conseguimos fazer construção de qualidade para pormos no mercado. Se esses 120 mil euros fossem amortizados a 40 anos, dava um valor da amortização de três mil euros ano, 250 euros por mês. Com juros, conseguia pôr-se casas no mercado a 350, 400 euros, e isto seria acessível para a maioria das bolsas. O que não é acessível são rendas 1200, 1300 euros, como hoje estão a ser praticadas aqui.

Presumo que, considerando o prazo de execução do PRR até junho e o tempo que demora a construir um edifício, esse instrumento europeu já não vá financiar a obra.

Não financia. Com 120 mil euros, havendo terrenos, conseguimos fazer construção de qualidade para pormos no mercado. Se esses 120 mil euros fossem amortizados a 40 anos, dava um valor da amortização de três mil euros ano, 250 euros por mês. Com juros, conseguia pôr-se casas no mercado a 350, 400 euros, e isto seria acessível para a maioria das bolsas. O que não é acessível são rendas 1200, 1300 euros, como hoje estão a ser praticadas aqui. Quem ganha ordenado mínimo, quem ganha 1000, 1100 euros, não pode pagar 1200, 1300 euros.

O que está a falhar?

É preciso ter vontade política e querer resolver o problema, e é isso que falta. Na câmara municipal investimos, em 2023, três milhões de euros na aquisição de terrenos para construção de habitação acessível. Os nossos trabalhadores estiveram aqui assim numa Páscoa e abdicaram da quinta-feira, que havia tolerância de ponto, da sexta-feira Santa e estiveram no sábado, que era o último dia para entregarem todas as candidaturas. Isto em 2024. Páscoa de 2024.

Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal do Seixal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

As candidaturas foram entregues ao IHRU? É, mais uma vez, aí que está o entrave?

No IHRU. Isto dava 150 fogos. Não é a fundo perdido, isto é empréstimo. Até ao momento, mais de um ano depois, o IHRU respondeu-nos com a aprovação de 12 fogos e, mesmo assim, nesses 12 fogos ainda não podemos iniciar a construção porque não está toda a burocracia liberta.

Em julho de 2024 apontou um impasse com o IHRU relativo à Quinta do Cabral e à Quinta da Princesa. Já foi resolvido?

Na Quinta da Princesa, o IHRU vendeu algumas frações em prédios que eram da sua propriedade. Num prédio vendeu uma ou duas, noutro prédio uma ou duas… O que diz o IHRU? Que para fazer reabilitação desses prédios, essas pessoas têm que comparticipar. É regra, é verdade. Mas penso que o IHRU poderia fazer uma linha de crédito para essas pessoas, porque muitas vezes já estão aflitas para pagar a mensalidade, e não dispõem de 30 mil euros para a sua quota-parte de reabilitação do prédio. Estamos a falar de prédios com coberturas que têm amianto, estão degradadas, onde chove lá dentro e é um perigo para a saúde pública. Na Quinta do Cabral temos terrenos da câmara e há terrenos do IHRU, e devia-se fazer um projeto integrado para a construção de fogos para arrendamento acessível.

E o que impede a progressão do processo?

O IHRU ficou de resolver isso em reuniões que teve com a Câmara, Mas até ao momento…

Quando foram essas reuniões?

Há um ano e muito, quase dois anos. Temos vindo a insistir e não há resposta rápida do IHRU.

Esses terrenos da câmara são os 12 lotes na Arrentela, para 96 fogos anunciados em 2022?

Esses lotes que comprámos tinham sido propriedade do IHRU, que vendeu, mas quem comprou entrou em insolvência e a câmara foi comprar à massa insolvente. O IHRU disse “ainda bem que vocês compraram, vamos fazer um plano integrado para arrendamento acessível na Quinta do Cabral. Se calhar, é melhor ser só uma entidade a avançar, e será o IHRU”. Queremos é avançar, não nos interessa se é o IHRU, se é a Câmara Municipal do Seixal. Queremos é casas acessíveis para a população. Querem avançar, então avancem. Mas o avançar do IHRU é a passo de caracol.

Um morador na entrada de uma das casas no Bairro da Jamaica, Seixal, em 2020.MÁRIO CRUZ/LUSA

A chaga dos bairros de barracas, terminada há 30 anos e que agora regressa…

Nunca terminou.

O Bairro da Jamaica era, até há pouco, disso exemplo.

Almada tem o Segundo Torrão. Agora, acrescentou a Penajóia. Só um, era pouco…

E o Seixal, como está nesse particular dos bairros ilegais?

É um problema que temos, e com que temos estado a lidar. Como estamos a fazer realojamentos, a tendência era virem de outros concelhos, Almada, Loures, Barreiro, Amadora, fazer — entre aspas — uma barraca no concelho do Seixal. Nomeadamente agora em Santa Marta, para depois reivindicarem direito ao realojamento. Temos estado a fazer monitorização quase diária e a não deixar haver novas barracas. O Seixal não consegue resolver o problema de habitação a nível da área metropolitana de Lisboa. Temos sido muito diligentes a não deixarmos que haja um alastramento da habitação degradada no concelho.

Temos estado a fazer monitorização quase diária e a não deixar haver novas barracas. O Seixal não consegue resolver o problema de habitação a nível da área metropolitana de Lisboa. Temos sido muito diligentes a não deixarmos que haja um alastramento da habitação degradada no concelho

Quantas famílias estão nessas condições?

De momento, cerca de 220 que estão em Santa Marta, que falta realojar.

Vamos para a outra ponta do espectro de habitação, a de luxo, que recebe quem entra no Seixal junto à baía. De que forma lida a Câmara com este tipo de projetos?

Os projetos entram, são analisados, se estiverem de acordo com as normas, temos de os aprovar. Não há uma situação de cortar habitação de luxo. Isso é impossível. Estando de acordo com o que está no PDM, temos de aprovar. É muito apetecível a zona da baía, pela sua magnífica vista, sabemos que cada prédio que nasce na zona da baía é para habitação de luxo, porque é logo muito procurado. Aliás, os prédios que estão a ser construídos estão praticamente todos vendidos. Há aqui, na zona da baía, prédios que ainda não começaram a ser construídos e já têm vendas.

Quantos fogos estão já licenciados?

Umas centenas. Aqui para a zona da baía, a zona da Arrentela, fábrica de lanifícios, Ponta da Fraternidade, quer essa zona, quer aqui na Quinta dos Franceses, temos umas centenas de fogos.

É muito apetecível a zona da baía, pela sua magnífica vista, sabemos que cada prédio que nasce na zona da baía é para habitação de luxo, porque é logo muito procurado. Aliás, os prédios que estão a ser construídos estão praticamente todos vendidos

Dois movimentos migratórios distintos entre imigrantes de classe baixa e imigrantes de luxo.

Aqui na Quinta da Trindade temos os imigrantes de luxo, brasileiros, franceses, nórdicos, e que dizem que foi um dom de Deus terem descoberto o Seixal. E muito participativos. Aliás, os franceses com algumas reivindicações, “falta só um campo de petanca” (riso).

Quem são essas pessoas que estão a chegar ao Seixal?

Estes imigrantes de luxo… pronto…

Fui eu quem usou o termo.

São principalmente já de alguma idade, estão reformados nos seus países e vêm para cá usar a reforma, porque com o valor das reformas que têm nos países de origem, aqui têm uma vida de excelência. E por isso a reivindicação do campo de petanca para poderem estar e divertir-se com os amigos. E é giro porque eles são muito participativos. Como têm tempo disponível, nós fazemos um evento e lá estão eles a participar. Dizem que têm de participar na vida do concelho onde estão a viver, e conseguimos ter uma interação muito interessante.

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