Mais médicos no interior, menos casas devolutas e uma resposta mais rápida do Estado central aos projetos de habitação para arrendamento, são reivindicações de Sérgio Costa, autarca da Guarda.
Bons serviços de saúde e disponibilidade de habitação são dois argumentos para “vender” o interior às empresas que ali se queiram instalar, admite o presidente da câmara da Guarda, Sérgio Costa, em entrevista ao ECO/Local Online.
Na habitação, o presidente da câmara, eleito pelo seu movimento independente em 2021, após ter abandonado o PSD quando o partido escolheu outro para candidato, lança ao próximo Governo da República o desafio de promover uma solução para as casas devolutas que existem no país, designadamente na sua cidade, sem que os autarcas consigam impedir que estes fogos se mantenham devolutos.
Do lado da saúde, entre as condições criadas para atrair pessoal médico para serviços do SNS, o município investe em casas de função – disponíveis também para outros profissionais qualificados –, mas recusa a solução de outras paragens, como a oferta de um vencimento mensal extra aos clínicos.
“Estamos a inverter a pirâmide das coisas. Quem é que o responsável pela saúde pública no país? É o Estado. Então, mas as câmaras é que têm que estar a tirar dinheiro do seu orçamento para fomentar a atração de profissionais na área da saúde”, questiona.

Para uma empresa que equacione uma cidade do interior, valências como habitação e saúde são importantes, imagino. Que condições oferece a Guarda?
No círculo das empresas, atração de pessoas, habitação, tem que entrar na equação cada vez mais a saúde. As vagas que vão sendo abertas ficam sistematicamente desertas. Tem que haver uma ação musculada do Estado Central a colocar aqui médicos. Houve medidas no passado, algumas delas penso que ainda estão em vigor, para que os médicos possam vir para estas zonas.
Mas recordo aquilo que foi feito há 50 anos, os médicos da periferia, os médicos que se deslocavam. Há muitos médicos na Guarda, muitos deles já reformados, que não são de cá. Vieram para cá porque houve uma oportunidade que lhes foi dada pelo Estado Central na altura para se poderem deslocar para estas zonas. Cada vez mais isso vai ter que acontecer. Não é por obrigação. Hoje em dia, já ninguém vai obrigado a lado nenhum, mas tem que se criar essas condições.
Algumas câmaras oferecem um vencimento adicional a profissionais médicos que reforcem os serviços do SNS nestes territórios. É o vosso caso?
Estamos a inverter a pirâmide das coisas. Quem é que o responsável pela saúde pública no país? É o Estado. Então, mas as câmaras é que têm que estar a tirar dinheiro do seu orçamento para fomentar a atração de profissionais na área da saúde? No município estamos a finalizar um regulamento de casas de função. À moda antiga, mas não só para médicos. São para médicos, quadros superiores, forças de segurança.
Até porque foi deslocado para a Guarda há cerca de um ano o comando da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro da GNR, que tem neste momento já 200 militares na nossa cidade. É a primeira vez que um general da GNR sai de Lisboa para operacionalizar um comando. Este regulamento de casas de função é precisamente para dar resposta a essas necessidades de quadros superiores. Mas nós defendemos que a saúde pública tem que ser de excelência na nossa cidade, na nossa região.
O Estado central tem que fomentar. Todos nós temos que lutar muito pela saúde pública, pelo SNS, pelo Serviço Nacional de Saúde. E no que diz respeito aos privados, serão sempre excelentes complementos, têm que andar os dois articulados. Por isso é que nós alienámos um terreno recentemente na Guarda, de uma empresa que concorreu, já foi adjudicado, estamos a programar a escritura, para a construção de um hospital privado na Guarda.
[São] 25 milhões de euros de investimento para a criação de 200 postos de trabalho, o Hospital de São Mateus, Guarda. É o grupo que já está em Viseu há muitos anos e agora avança para a Guarda para criar aqui também um novo hospital feito de raiz junto ao parque industrial, próximo do nó das autoestradas.
Todos nós temos que lutar muito pela saúde pública, pelo SNS, pelo Serviço Nacional de Saúde. E no que diz respeito aos privados, serão sempre excelentes complementos, têm que andar os dois articulados. Por isso é que nós alienámos um terreno recentemente na Guarda, de uma empresa que concorreu, já foi adjudicado, estamos a programar a escritura, para a construção de um hospital privado na Guarda.
Houve contrapartidas do município?
O município criou as condições, colocou um terreno à venda, e poderia ser para várias atividades económicas. Mas aquele que ganhou, que apresentou uma proposta, foi para o hospital privado. Será um hospital similar ao que têm em Viseu, até porque já estão muito implementados nesta região da Beira Interior, CIM das Beiras e Serra da Estrela e na CIM da Beira Baixa, Guarda e Castelo Branco.
Os hospitais privados parecem ser a solução na região, designadamente na Covilhã, onde se somam aberturas.
Há hospitais e clínicas, temos que saber fazer a distinção. Mas é perfeitamente normal, até porque tem lá uma faculdade de medicina. E ainda bem que está na Covilhã, porque estando na Covilhã é melhor do que estar fora da região. Estando bem, nós também ficamos bem. É assim que devemos sempre olhar para estas coisas e trabalharmos em sintonia. E é normal que, junto da Faculdade de Medicina, junto do hospital público, haja outras iniciativas privadas.
Olhemos então para a habitação. Na campanha prometeu 260 fogos que prometeu criar e requalificar.
Já vamos quase no dobro. O programa é para construção de 450 novos fogos habitacionais.
Do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)?
Do PRR, e já há mais vida para além do PRR, como sabemos, com o Governo anterior, e o atual continuou. Esperamos que as contratualizações estejam finalizadas no mais curto espaço de tempo, para que o Banco Europeu de Investimento possa financiar no futuro também a habitação.
Ainda que não a 100%.
Aguardemos para ver as condições. Até porque o PRR foi afunilado de tal forma e andou tão devagar que agora estamos com estes constrangimentos. Nós, autarcas, não podemos estar à espera meio ano, ou um ano, de qualquer aprovação para fazer avançar as obras.
Falha do IHRU?
Nomeadamente… sabemos que os problemas de resposta do HRU não são de agora. É transversal a nível governamental e é uma questão que está a ser resolvida, e esperamos que seja resolvida.
Vão perder financiamento em quantos fogos?
Veremos no final do tempo do PRR as obras que teremos todas executadas e aquelas que não estarão. Espero que não fique nenhum [sem financiamento], entre PRR e BEI.
As que estiverem a meio, o PRR não paga.
Veremos a seguir como se faz. Sistematicamente, os atrasos que são incutidos por essas aprovações tardias levam aos atrasos nas obras. Já conseguimos aprovação, uma empreitada está já em curso e a outra está para ser lançada. Estamos a falar, em números redondos, cerca de 100 habitações da área social, com as candidaturas aprovadas.
Na habitação acessível estamos a caminho de 50, uma já a lançar empreitada e outra a aguardar aprovação, a todo o momento. Mas já temos todo o restante até às 450 já apresentadas ao IHRU. Uma delas já está há dois anos apresentada e sem resposta.
Não há certeza de financiamento.
Veremos as condições, até porque já foi assumido pelo Estado Central, e na descabimentação do PRR que terá sido feita recentemente, tudo o que é a habitação poderá passar já para o BEI. Os cerca de 16 ou 17 mil milhões de euros do PRR, a parte da habitação acessível, pouca dela era comparticipada a 100%. Já era um empréstimo do Governo português, e por isso, empréstimo por empréstimo, continuem com os empréstimos para podermos continuar os investimentos.
Na Guarda e no país. Isto é a chamada pescadinha de rabo na boca. Atração de empresas, atração de pessoas e habitação. Podemos atrair as empresas e atraímos as pessoas e os migrantes, que estão cada vez mais nesta equação. Mas temos que ter habitação para as pessoas se poderem fixar nos territórios. E a habitação não pode ser só a construção de nova habitação.
Nestas candidaturas que fizemos, há habitação nova de raiz e reabilitação no centro histórico. Nós estamos a aproveitar para reabilitar muitos fogos no centro da Guarda, 44 fogos que vão surgir novos no centro histórico.
Temos que ter habitação para as pessoas se poderem fixar nos territórios. E a habitação não pode ser só a construção de nova habitação. Nestas candidaturas que fizemos, há habitação nova de raiz e reabilitação no centro histórico.
Imóveis próprios, ou adquiridos pela autarquia com base no PRR?
Adquirimos casas devolutas.
Quanto investiram?
Só em aquisições, um milhão de euros.
Arrendamento social e acessível?
Há das duas situações.
Que valores praticam nas rendas? Conseguem ser mais competitivos que nas duas grandes áreas metropolitanas?
Será de acordo com o que está plasmado na regulamentação. Os técnicos estão a trabalhar nisso, seja na habitação social, seja na acessível, para depois se poder lançar o concurso pelo mínimo possível. Será certamente bem mais barato que em Lisboa e Porto.
A regulamentação está a ser operacionalizada pelo grupo de trabalho dentro do município para poder lançar o concurso tão breve quanto possível, para quando as casas estiverem prontas já tenhamos as pessoas para as poder habitar.
Há dias, a sua colega de Almada alertava, numa entrevista ao ECO/Local Online, para o crescimento de bairros ilegais, realidade que se verifica em vários municípios da área de Lisboa. Chamar as pessoas para o interior não seria uma forma de resolver o problema da habitação?
Nós estamos preocupados, e bem, em construir novas habitações, mas o país, o Estado, o Governo, tem que encontrar uma solução para as casas que estão fechadas. Há muitas casas fechadas, que as pessoas não querem arrendar, não querem reabilitar, estão simplesmente fechadas, em stock.
Estamos preocupados, e bem, em construir novas habitações, mas o país, o Estado, o Governo, tem que encontrar uma solução para as casas que estão fechadas. Há muitas casas fechadas, que as pessoas não querem arrendar, não querem reabilitar, estão simplesmente fechadas.
Realidade que existe também na Guarda?
Existe muito, na Guarda. Muito stock de casas. Já para não falar nos imóveis devolutos que existem na Guarda, nomeadamente nas áreas mais antigas, e que nós não temos o poder de atuar sobre eles, a menos que estejam a pender para a via pública e colocando a segurança de pessoas e bens.
Leva-nos mais longe, tem a ver com a propriedade, mas temos que encontrar uma qualquer solução, porque senão não saímos deste marasmo. Temos muito edificado, fechado, parado, ao abandono e devoluto.
Que solução defende?
Temos que encontrar uma solução para isso. É um bom desafio para o próximo Governo.
Mas há algo pensado? Ou é só “vamos ver”?
Os autarcas vão pensando, mas não há uma varinha de condão. Precisamos de muito apoio jurídico para isto. É um bom desafio para o novo Governo.
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