Alcácer do Sal é a freguesia que mais recebe no Orçamento do Estado. Veja quanto cabe à sua

Quase 400 milhões de euros do Orçamento do Estado de 2025 vão para as freguesias. A maior transferência segue para uma com menos de dez habitantes por km2, mas uma área maior que a Madeira.

A Proposta do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) contempla as 3.091 freguesias com 396 milhões de euros por via do Fundo de Financiamento de Freguesias (FFF) e do valor adicional relativo ao excedente fiscal recebido pelo Estado central em sede de IVA, IRS e IRC. O valor representa um acréscimo de 13,5% face aos 349,4 milhões de euros do OE2024, em que o valor mais elevado vai para uma união de freguesias no concelho de Alcácer do Sal.

Receber mais dinheiro dos ‘três F’ é normal. Somos a maior freguesia do país, maior que a Madeira”, realça ao ECO/Local Online Arlindo Passos, o presidente da junta que mais dinheiro recebe da dotação direcionada do OE2025 para as freguesias.

Descrevendo a dimensão dada ao território pela chamada “lei Relvas” — em alusão a Miguel Relvas, o ministro dos Assuntos Parlamentares que em 2011 assinou a lei 11-A/2013 — como “a maior aberração que criaram”, Arlindo Passos desenha ao telefone as fronteiras que tem de gerir diariamente, a tempo inteiro: “a seguir a Águas de Moura [EN5] começa em Vale Cão, são 23 ou 25 quilómetros até Alcácer. A caminho de Montemor [EN253], antes de São Cristóvão, está um aldeamento, e são mais 27 quilómetros”.

O valor total consignado à União das freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana no Orçamento do Estado para 2025 é de 744 mil euros. Destes, 678 mil (ou cerca de 91%) provêm do FFF e 66 mil euros são alocados por via do designado adicional.

Estas distâncias, analisadas a partir do centro da freguesia mais populosa de Portugal, Algueirão-Mem Martins, no concelho de Sintra, equivalem a uma viagem dali até ao Marquês de Pombal, no centro de Lisboa, atravessando pelo caminho o concelho da Amadora, ou até ao centro da vila de Mafra.

Nas receitas provenientes da proposta do OE2025, Algueirão-Mem Martins nem aparece no TOP20 (é a 23.ª do ranking), sendo-lhe destinados 549 mil euros (caso seja aprovado o OE2025). Já a União das freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, que é maior que a Região Autónoma da Madeira mas com uma densidade populacional inferior a dez habitantes por quilómetro quadrado (km2), é líder, ao ver-lhe destinados 744 mil euros.

No ranking feito pelo ECO/Local Online a partir do mapa 13 da Proposta de OE2025, as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto são quase hegemónicas no “top 20” das receitas do FFF. A destoar do centralismo nacional está, claro, a enorme freguesia alentejana no primeiro lugar da tabela das transferências.

Com esta verba, a união de freguesias da margem do Sado consegue manter as contas no verde, apesar do investimento em diversas áreas, designadamente “nas aldeias, limpeza ervas, varredura dos espaços, jardins, manutenção”, explica o presidente, atualmente a desempenhar o último mandato, depois de ter transitado de uma das freguesias para a união.

“Temos 21 localidades, pelas quais andamos sempre. Gastamos mais de 25 mil euros só em gasóleo. Tenho uma equipa permanente para bermas e ervas, com uma carrinha, quatro pessoas a correr sempre a freguesia. Não param o ano todo. Em cada localidade, temos pelo menos um funcionário para tratar dessas localidades, apesar da equipa móvel que dá a volta a toda a freguesia”, prossegue Arlindo Passos.

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As contas das transferências para as freguesias

A Lei 73/2013, no artigo 36.º, define que a distribuição do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), que representa a participação das autarquias locais e entidades intermunicipais nos impostos do Estado (IVA, IRC, IRS), se rege pelos seguintes cálculos: 20% com base na densidade populacional, 50% na razão direta do número de habitantes e 30% na razão direta da área. Ora, o ponto onde a freguesia de Alcácer do Sal é “campeã nacional”, a área, tem um peso inferior a um terço na ponderação total.

A acrescentar ao FFF está uma variável designada “adicional”, ligada à Lei das Finanças Locais, e que depende de excedentes de recolha de impostos pelo Estado central. Esta parcela substitui, erradamente, na visão da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), o que deveria ser o aumento da dotação para as freguesias.

“A ANAFRE deu parecer desfavorável ao Orçamento do Estado”, diz Jorge Veloso, presidente da associação. Enquanto o FFF cresce 4,56%, o total da dotação para as freguesias aumenta 32,44%, nota o responsável da associação. “Significa que a recolha de impostos pelo Estado continua a gerar receitas extraordinárias, enormes, mas este e o anterior governo não fazem o que devem”.

A pretensão da ANAFRE é que a Lei das Finanças Locais seja atualizada para aumentar a parcela que cabe às freguesias dos impostos gerados pelo Estado em IVA, IRC e IRS. Em vez dos 2,5% que há muito vigoram, a representante das freguesias exige que se chegue aos 5% no espaço de cinco anos. Numa situação de fraca arrecadação de impostos pelo Estado, as freguesias correm o risco de perder o bolo do adicional, que este ano supera os 100 milhões de euros.

No caso da União das freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, o valor total consignado no Orçamento do Estado para 2025 é de 744 mil euros, mais 6,5% face aos valores de 2024, sendo que 91% deste bolo provem do FFF, ficando o remanescente (66 mil euros) alocado por via do designado adicional.

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Gestão da maior freguesia do país

Na lista de obras da freguesia que mais dinheiro recebe do Orçamento do Estado há vários anos constam parques infantis construídos nas aldeias, duas casas comunitárias em Santa Catarina e Monte Novo de Palma, e serviço de transporte até unidades de saúde para a população de menor rendimento. Arlindo Passos garante que o orçamento da freguesia alentejana chega ao terreno para apoiar destinatários de todas as idades.

“Admitimos uma dinamizadora sociocultural, ela vai às escolas fazer trabalhos com as crianças e temos um ATL nas férias”, refere o autarca, notando ainda que foram criados núcleos nas aldeias para trabalho com idosos para combater a solidão. “Criaram as cantadeiras das aldeias, à volta de 35 idosas, entre 60 e 90 anos, que fazem atuações com música típica da região. Pessoas que nunca cantaram e agora sobem ao palco com naturalidade”, diz.

“É raro o dia que não haja uma carrinha que vá com os idosos com parcas reformas das aldeias a um hospital, seja Setúbal, Évora, Santiago do Cacém, e chegamos a ir a Lisboa. No ano passado fizemos 420 transportes”, conta o autarca. O problema que temos aqui é a extensão da freguesia, e não temos transportes públicos. Para ir a Santiago do Cacém a uma consulta às 9h, não há transporte disponível”. Para breve, está a construção de um estaleiro: “mais de 400 mil euros que andámos a poupar este tempo todo. Sem dívida bancária”, revela Arlindo Passos.

Jorge Veloso, presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), defende uma atualização da Lei das Finanças Locais em que a parcela que cabe às freguesias dos impostos gerados pelo Estado em IVA, IRC e IRS duplique nos próximos cinco anos, passando dos atuais 2,5% para 5%. Lusa

No site do município de Alcácer do Sal, lê-se que a freguesia homónima se estende por 916 km2 e aloja 7.733 pessoas. Numa perspetiva comparativa, Algueirão-Mem Martins, freguesia com quase 69 mil habitantes, é nove vezes mais populosa que Alcácer, mas estende-se por apenas 16,37 km2. Significa isto que “caberiam” 55 Algueirão-Mem Martins na união de freguesias banhadas pelo Sado.

Ali, na União das freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, existem “realidades bastante diversas, unindo a área urbana da cidade de Alcácer do Sal, onde vive a maior parte da população do concelho, a áreas rurais de povoamento disperso e pequenos aglomerados”, explica o site da Câmara. Dela é também dito que “abrange igualmente extensas áreas de sapal, riquíssimas em avifauna, pertencentes à Reserva Natural do Estuário do Sado”.

Esta dimensão, uma “aberração”, como lhe chama Arlindo Passos, foi constituída no âmbito da reorganização do território negociada com a “troika” e que baixou o número de freguesias de 4.260 para 3.092, número entretanto encurtado para 3091, por se considerar que o Corvo, nos Açores, não tem freguesia.

Para o autarca da mais extensa freguesia do país, o ideal seria criar novas fronteiras. O mapa de Arlindo Passos ficaria da seguinte forma: Santa Susana, que está “isolada a cerca de 20 quilómetros” do centro, Santa Maria e São Miguel, “embora muito rural, são duas freguesias que ficam no núcleo urbano”.

Encontrando-se atualmente a analisar um processo de redefinição de fronteiras, que poderá elevar o total nacional para perto de 3.250 freguesias, o Parlamento deverá tomar uma decisão final até final de dezembro. É essa a expectativa do presidente da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), Jorge Veloso, que antecipa ao ECO/Local Online que a 4 de dezembro haverá uma reunião da associação com a comissão. A União de Freguesias que Arlindo Passos lidera pelo último ano, ao abrigo da lei da limitação de mandatos, está na lista daquelas cujo processo estará em discussão no Parlamento.

“Pusemos toda a papelada para vermos se revertemos. A comissão [parlamentar] diz que até finais de janeiro vai levar à votação [na Assembleia da República]. Há 150 freguesias que vão a votação, somos uma destas”, explica Arlindo Passos, esperando que o processo iniciado em dezembro de 2020 pela então ministra Alexandra Leitão no Governo de António Costa se conclua até às próximas autárquicas. Uma expectativa que já se ouvia de vários dos defensores da reversão quando se estava na reta final para as autárquicas de 2021.

Jorge Veloso lamenta a exclusão de parte das freguesias que pretendiam anular os efeitos da lei de 2013, algumas por terem feito entrar o processo de reversão fora do prazo definido pelo Governo de António Costa (22 de dezembro de 2022, data que a ANAFRE contesta), outras por não fazerem demonstração de existência de erro na novo desenho de fronteiras de 2013. Ainda assim, poderão vir a reentrar na equação por via da lei geral.

Para o autarca da mais extensa freguesia do país, o ideal seria criar novas fronteiras. O mapa de Arlindo Passos ficaria da seguinte forma: Santa Susana, que está “isolada a cerca de 20 quilómetros” do centro, Santa Maria e São Miguel, “embora muito rural, são duas freguesias que ficam no núcleo urbano”, mas esta vontade não é compaginável com a determinação de Alexandra Leitão e António Costa. “Na própria organização da freguesia, eu faria outra alteração, que não se pode fazer. Com esta lei, ou revertemos as três freguesias para o que havia antes, ou fica tudo na mesma”, assume Arlindo Passos que, numa hipótese de reversão da fusão das freguesias, poderá voltar a candidatar-se. Mas, ressalva, aos 68 anos já não se vê inclinado a seguir essa vida.

  • Alexandre Batista

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