Tutti-Frutti abala imagem dos partidos a poucos meses das eleições autárquicas

A operação Tutti-Frutti terá impacto nas próximas eleições autárquicas? Politólogos alertam para o reforço da narrativa do Chega e "desgaste" dos políticos na opinião pública.

A sete ou oito meses das eleições autárquicas, o mediático processo Tutti-Frutti vem abalar ainda mais a imagem dos políticos que já mostra desgaste na opinião pública. Por enquanto, sai vencedor o Chega que “reforça a sua narrativa antissistema e anticorrupção”, mas o eleitorado tem “memória política curta” e “tolera” algumas práticas de corrupção nos partidos com que simpatiza, apontam os politólogos consultados pelo ECO/Local Online.

A esta distância das eleições autárquicas, agendadas entre setembro e outubro deste ano, a credibilidade dos políticos e da democracia pode sair beliscada junto dos portugueses com esta acusação do Ministério Público contra 60 arguidos por crimes de corrupção, prevaricação, branqueamento de capitais e tráfico de influência.

Pode acentuar essas perceções de nepotismo, de más práticas, de corrupção. E é claro que é negativo, nomeadamente para o PSD e o PS. Mas parece que o principal beneficiário neste momento será o Chega, com a ressalva de que a memória política dos eleitores tende a ser relativamente curta e normalmente os acontecimentos mais impactantes são os mais atuais”, assinala André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

No caso específico de Lisboa, aumenta substancialmente o custo político da Iniciativa Liberal em apoiar Carlos Moedas.

André Azevedo Alves

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica

O politólogo refere-se a outros casos mediáticos que já saltaram para as páginas dos jornais e que depois “não tiveram um impacto forte no momento eleitoral”. Como por exemplo, o “caso de políticos que foram condenados no exercício das funções, nomeadamente no poder local, e mais tarde até voltaram à vida política e foram reeleitos”. Ou até “a forma como o próprio António Costa saiu de funções e ainda os desenvolvimentos também recentes com o seu antigo chefe de gabinete”, aponta.

Mas o professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica não antecipa um “efeito drástico” na boca das urnas. “Não é o caso, por si só, que vai gerar alterações significativas [nas eleições autárquicas]. Mas pelo impacto mediático que tem, por ser em Lisboa, pelas figuras que envolve, vem reforçar os problemas de desconfiança e até de alguma rejeição dos partidos centrais, do sistema e das suas principais figuras”, assinala André Azevedo Alves em declarações o ECO/Local Online.

Por estes dias, agitam-se as águas nos bastidores da esfera política com os holofotes apontados para os principais acusados na Operação Tutti-Frutti: quatro presidentes de juntas de freguesia, dois vereadores da câmara de Lisboa – um do PSD e uma do PS – e dois deputados.

Um caso desta envergadura pode, por isso, “reforçar a narrativa do Chega de antissistema e anticorrupção contra os principais partidos da oposição, com a ideia de que, no fundo, são todos corruptos”.

Acresce a tudo isto, aponta, que “no caso específico de Lisboa, aumenta substancialmente o custo político da Iniciativa Liberal em apoiar Carlos Moedas”. O município foi notícia, por estes dias, a reboque da acusação ao vereador social-democrata Ângelo Pereira, e líder da distrital do PSD, no âmbito da operação Tutti Frutti, e que entretanto já suspendeu o cargo.

A este propósito, Pedro Silveira, professor da Universidade da Beira Interior, considera, por sua vez, que no caso do PSD perder a câmara de Lisboa ou as juntas de freguesia lisboetas, lideradas pelos social-democratas acusados neste processo, não se pode culpabilizar o processo Tutti-Frutti. Até porque, sustenta, “depois não haverá estudos pós-eleitorais que tenham esse grau de pormenor” para medir o impacto.

É difícil antecipar como é que o eleitorado vai olhar e penalizar um partido em relação ao outro”, afirma Pedro Silveira. Mas, “num país onde a confiança nos partidos, na política e nos políticos já é baixa”, este caso polémico pode muito bem refletir-se “na imagem que a opinião pública tem da política, dos partidos e do seu funcionamento”.

Ainda assim, alerta, “mais facilmente ganhará a abstenção do que propriamente os outros partidos”.

O Chega tem uma fragilidade visível muito recente e não perderá oportunidades, de certa forma, para desviar as atenções de todos os casos que surjam.

Paula Espírito Santo

Professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP)

Também Paula Espírito Santo, professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), acredita que estes casos podem fragilizar a credibilidade e confiança dos eleitores nos partidos e no processo democrático. Mas a esta distância das eleições será difícil medir esse impacto, a menos que mais próximo do ato eleitoral [os partidos da oposição] tragam este assunto para a ordem do dia”, nota a politóloga. Caso contrário, “só mesmo uma sondagem pós-eleitoral pode dizer o que influenciou o voto dos eleitores”.

Ainda assim, o descrédito na política pode ser acentuado, dependendo do tipo de aproveitamento que os partidos da oposição façam. “O Chega tem uma fragilidade visível muito recente e não perderá oportunidades, de certa forma, para desviar as atenções de todos os casos que surjam, como tem vindo a fazer, e que ponham em xeque políticos de vários partidos”, salienta Paula Espírito Santo. Aliás, reitera, “o que o Chega faz é aprofundar as fragilidades de quem está à frente de cargos públicos e que tem condutas que podem ser censuradas.”

Mais facilmente ganhará a abstenção do que propriamente os outros partidos.

Pedro Silveira

Politólogo, professor da Universidade da Beira Interior

Para Luís de Sousa, autor do livro “Corrupção”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, “é um facto que estes sucessivos escândalos têm danos reputacionais para as pessoas implicadas, para quem as escolheu para os partidos, para as instituições onde exercem funções e para a democracia em geral”.

Mas existe o risco de os eleitores desvalorizarem os atos praticados pelos acusados por simpatizarem com determinada cor partidária. Ainda que as pessoas censurem a corrupção, “há casos que até acabam por tolerar determinadas práticas, desde que elas sejam do partido com o qual se identificam”, realça o investigador principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e antigo presidente da associação cívica Transparência e Integridade. Uma situação comprovada pelo Barómetro da Corrupção publicado em 2024 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos de que fez parte.

Há casos que até acabam por tolerar determinadas práticas, desde que elas sejam do partido com o qual se identificam.

Luís de Sousa

Investigador principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e antigo presidente da associação cívica Transparência e Integridade

Mas os partidos na calha deste processo podem querer mitigar o impacto na opinião pública. Uma das medidas, aponta Luís de Sousa, passa por afastar das listas os visados desta operação com a justificação de que “podem prejudicar a lista candidata às autárquicas, mesmo que prevaleça a presunção de inocência”.

Ainda esta semana o líder parlamentar social-democrata anunciou que iria pedir a Carlos Eduardo Reis, acusado pelo Ministério Público no âmbito do processo Tutti Frutti, para suspender já o seu mandato de deputado do PSD.

Ainda assim, os autarcas podem candidatar-se às próximas legislativas. Tendo a ficha criminal limpa, não há nada que os possa impedir. “Numa fase de apresentação da acusação aos arguidos não há, à partida, nenhum requisito que possa impedir que eles sejam candidatos às eleições autárquicas”, explana, por sua vez, o advogado Eduardo Castro Marques.

Em declarações ao ECO/Local Online, o advogado refere que “na dimensão jurídica o que importa saber é se estão ou não aptos a ser candidatos, ou seja, se há ou não certificado de registo criminal sem nenhuma inscrição que os impossibilite de concorrerem às eleições autárquicas”.

Mas “a questão que se coloca é se devem candidatar-se”, mesmo acreditando na sua inocência, aponta, por sua vez, o politólogo Pedro Silveira. O professor da Universidade da Beira Interior defende que “havendo essa suspeita, a ética republicana implica um desprendimento dos cargos e uma certa cautela acrescida e uma lógica de exemplo público”.

O próprio partido também não pode ficar indiferente, “não pode deixar essa decisão aos próprios; tem de ter uma atitude de alguma cautela na escolha de candidatos que estão acusados, mesmo que possam revelar-se inocentes”, conclui Pedro Silveira.

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