A Web Summit e o Contrato do Tio Patinhas

  • Vasco Morgado
  • 14 Novembro 2025

Eis o drama: Carlos Moedas, mesmo que não queira, tem de pagar. Todos os fevereiros, a autarquia transfere milhões para a conta da Web Summit.

Por estes dias, decorre, ou decorreu, mas sem ninguém dar muito por isso, um contrato assinado em 2018 pela gestão socialista na altura. Um contrato de DEZ ANOS. Há contratos, e há castigos. O da Web Summit é ambos. Lisboa, pobre cidade de luz e despesa, continua a pagar todos os anos pela sua breve aventura tecnológica, uma paixão de juventude que envelheceu mal, como quase todas.

Desde 2018, quando o Partido Socialista, cheio de entusiasmo e selfies, assinou o famoso contrato com o senhor Paddy Cosgrave, Lisboa tornou-se refém de um documento mais blindado que o cofre do Tio Patinhas. Um tratado de amor eterno com a “inovação”, mas com o romantismo de uma hipoteca.

O contrato tem dez anos. Dez! Como se o mundo da tecnologia não mudasse a cada semestre. Assinar um acordo de uma década num setor onde a novidade dura seis meses é o equivalente político a casar com o fax e esperar que ele evolua para smartphone. É ruinoso, mas com requintes de arte. Dir-se-ia mesmo digno de ser caricaturado pelo mestre Bordalo Pinheiro, com Paddy de cartola e Carlos Moedas de mão estendida, debaixo da legenda: “Inovação à Portuguesa”.

E eis o drama: Carlos Moedas, mesmo que não queira, tem de pagar.
Todos os fevereiros, a autarquia transfere milhões para a conta da Web Summit, num ritual tão previsível quanto uma procissão de Santo António. Pode ranger os dentes, suspirar pela austeridade e até rezar a São Excel, mas o contrato, esse filho bastardo do PS de 2018, não permite hesitação.

Mesmo que Moedas não queira, tem de pagar. O documento, concebido em segredo, sem consulta pública, sem Tribunal de Contas, e sem vergonha, obriga Lisboa a continuar a financiar um evento que já foi inovação e agora é apenas repetição.

De 2018 a 2021, a Web Summit ainda fazia sentido. Trouxe visibilidade, hotéis cheios e a ilusão de que Portugal estava no mapa digital do mundo. Mas o encanto passou, e o que antes era investimento, hoje é despesa pura. Cada euro gasto na Web Summit é um eco caro de um tempo em que o país ainda acreditava em fadas de powerpoint.

Agora, o evento é uma feira cansada, um desfile de “visionários” com PowerPoint em modo automático e copos de gin tónico no networking. O brilho apagou-se. Lisboa continua a pagar por um espetáculo que já ninguém vê com entusiasmo, uma espécie de festival de gambuzinos da tecnologia, mas sem música e sem alma, como qualquer sistema binário.

E para agravar a ironia, há mais quatro edições da mesma procissão pelo mundo: Rio de Janeiro, Qatar, Vancouver e Toronto. O que era exclusivo virou franquia. Lisboa, outrora palco principal, agora é apenas uma sucursal obediente de um império de conferências em série.

Mas o contrato é o contrato.
E assim, todos os anos, enquanto os cofres públicos se esvaziam, Paddy Cosgrave ri-se com sotaque irlandês e Lisboa chora com sotaque de contribuinte.

Sim, o PS assinou. Sim, o contrato é blindado. E sim, mesmo que Moedas não queira, tem de pagar.

A ironia disto sobe de tom ainda mais, quando o PS goza com a Fábrica de Unicórnios, que em vez de despesa, traz lucro, impostos e milhares de postos de trabalho. Faz muita confusão ao tal Bloco das Esquerdas cenas que trazem dinheiro e lucro, mas felizmente faz-lhes confusão do lado certo da bancada… Na oposição!

A Web Summit foi o meteoro brilhante que prometeu modernidade e deixou uma cratera orçamental.
Hoje, já não simboliza o futuro, simboliza o passado que ainda se paga.

  • Vasco Morgado
  • Antigo presidente da Junta de Freguesia de Santo António (Lisboa)

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