

Novo enquadramento para os auxílios estatais no âmbito do Pacto da Indústria Limpa: Uma continuidade do Quadro Temporário de Crise e Transição?
É expectável o surgimento de novos mecanismos de apoio que sustentem a implementação de investimentos conducentes à descarbonização da indústria e que incentivem novos projetos de investimento.
Em virtude do impacto económico resultante do conflito na Ucrânia, a Comissão Europeia, criou, em março de 2023, o Quadro Temporário de Crise e Transição permitindo aos Estados-membro utilizar a flexibilidade prevista nas regras em matéria de auxílios. Esta iniciativa visou incentivar o crescimento económico, nomeadamente, através da aceleração de investimentos em setores estratégicos com o objetivo de se promover a transição para uma economia neutra em carbono.
Fruto da importância associada à descarbonização e à competitividade europeia, dois importantes vetores do desenvolvimento económico, e tendo presente a atual estratégia dos Estados Unidos da América, assente no denominado Inflation Reduction Act (e que irá mobilizar, até 2032, 330 mil milhões de euros para investimentos industriais verdes) e da China, nomeadamente através do seu plano quinquenal de investimentos nesta área em particular (i.e. investimentos em tecnologias verdes e pouco intensivas em carbono), de 260 mil milhões de euros, a Comissão Europeia estabeleceu, recentemente, um novo enquadramento para os auxílios estatais no âmbito do Clean Industrial Deal (Pacto da Indústria Limpa), que entrou em vigor no passado dia 25 de junho de 2025 e que se aplicará até 31 de dezembro de 2030 (o Quadro Temporário de Crise e Transição). Através desta iniciativa, a Comissão Europeia visa tornar a descarbonização como a principal driving force de crescimento do tecido industrial europeu.
O novo enquadramento para os auxílios estatais no âmbito do Pacto da Indústria Limpa (Clean Industry State Aid Framework – CISAF) apresenta-se, assim, como tendo uma elevada abrangência, com especial enfoque nas indústrias intensivas em energia e no setor das tecnologias limpas, introduziu medidas que visam fomentar a implantação de energias renováveis, investimentos na descarbonização industrial e na capacidade de produção de tecnologias limpas, estando prevista a mobilização de mais de 100 mil milhões de euros de fundos provenientes do Innovation Fund e da alteração do regulamento do InvestEU, assim como o lançamento de calls no âmbito do programa Horizon Europe.
Este novo enquadramento abrange o apoio:
- às energias renováveis e aos combustíveis hipocarbónicos;
- à flexibilidade não fóssil;
- à redução temporária dos preços de eletricidade para os utilizadores intensivos de energia;
- à descarbonização da indústria;
- à capacidade de fabrico suficiente no domínio das tecnologias limpas.
Importa ainda salientar que o CISAF objetiva o apoio de uma panóplia diversificada de tecnologias de descarbonização, como a eletrificação, a biomassa e o hidrogénio, entre outros, podendo os apoios ser concedidos com base (i) em montantes de auxílio predefinidos (para auxílios até 200 milhões de euros), (ii) no défice de financiamento, ou (iii) em procedimentos de concurso competitivo.
Neste contexto, os Estados-membro podem introduzir incentivos fiscais, medidas de apoio direto ao investimento e regimes de partilha de riscos para atrair investimento privado, sendo incentivados a utilizar todos os mecanismos já existentes na legislação europeia como o Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as orientações relativas aos auxílios à proteção do clima.
Numa primeira análise, o CISAF evidencia alguns pontos em comum com o Sistema de Incentivos “Investimentos em Setores Estratégicos” (do Quadro Temporário de Crise e Transição, de acordo com a Portaria n.º 306-A/2024/1, de 27 de novembro), nomeadamente no que se refere à possibilidade de existência de incentivos de natureza não reembolsável, assim como no que diz respeito à intensidade de auxílio, que se inicia nos 15% de taxa de incentivo e num montante de apoio de até 150 milhões de euros, mas que poderá ir até 35% e 350 milhões de euros, dependendo da região onde se localiza o investimento (de acordo com o disposto no mapa de auxílios com finalidade regional) e no contexto dos investimentos no âmbito da descarbonização da indústria.
Por outro lado, no contexto dos investimentos relacionados com a capacidade de fabrico de tecnologias limpas, o CISAF foi definido por forma a ser coerente com o Regulamento Indústria Neutra em Carbono, viabilizando assim a adoção de medidas e regimes de auxílios estatais que respeitem as condições previstas no referido Regulamento, nomeadamente para o apoio à produção de baterias, painéis fotovoltaicos, bombas de calor, eletrolisadores, células de combustível, tecnologias de captura e armazenamento de carbono, de fissão nuclear, entre outras.
Constata-se, assim, a existência de um paralelismo entre o Quadro Temporário de Crise e Transição e o CISAF, podendo este novo enquadramento, não só impulsionar o desenvolvimento de novas soluções de maior valor acrescentado, mas também contribuir para a redução da dependência energética e para a descarbonização da indústria europeia.
Interessa ainda revelar que, na sequência das oportunidades geradas pelo Quadro Temporário de Crise e Transição, alguns países europeus criaram mecanismos de apoio, podendo destacar-se o caso do (i) Governo alemão, que criou um orçamento de 3 mil milhões de euros para operações com finalidade ambiental, (ii) Governo francês, que concebeu um programa de apoio, orçamentado em 900 milhões de euros, para operações no domínio da produção de energia e combustíveis através do hidrogénio e da biomassa, e (iii) do Governo espanhol, o qual criou, com uma dotação de cerca de mil milhões de euros, um programa de investimentos na área ambiental.
Neste sentido, e pelo facto do CISAF facilitar a concessão de auxílios individuais, através da autorização, por parte da Comissão Europeia, de regimes de auxílios instituídos pelos Estados-membros para impulsionar a indústria limpa, é expectável, entre outros, o surgimento de novos mecanismos de apoio que sustentem a implementação de investimentos conducentes à descarbonização da indústria e que incentivem projetos de investimento capazes de criar a capacidade de fabrico de tecnologias limpas.
Assim, compete aos diversos stakeholders, onde se incluem as instituições nacionais e as entidades empresariais, identificar projetos e áreas que promovam a descarbonização da indústria nacional, o desenvolvimento da capacidade de fabrico de tecnologia limpa e a aceleração da implementação de energias renováveis, facto que contribuirá para o alcance das metas nacionais e europeias de neutralidade carbónica, sem esquecer o alcance de novos referenciais de competitividade e inovação.
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