O cerco de Putin a Lisboa

Temos de redobrar esforços no uso das verbas do PT2030, que estão ativamente em desvalorização com o crescimento da inflação, que faz com que cada euro que temos para gastar valha menos a cada dia.

Quando no passado dia 31 de Janeiro o país acordava para a perspectiva de um governo estável de quatro anos a aplicar paulatinamente os Fundos Europeus conseguidos até 2027, longe estávamos de imaginar que dois meses depois, Lisboa seria (mais) uma capital “sitiada” e de olhar nervoso sobre o que o futuro nos pode reservar. O início da guerra a 24 de Fevereiro marca o início de uma nova fase no desenvolvimento europeu e pode ter desequilibrado em definitivo o frágil equilíbrio que sustentava os mecanismos de apoio da UE.

 

É por demais evidente que esta guerra na Ucrânia é tão cruel e despropositada que quaisquer análises e previsões sobre o pós-conflito são ainda meras conjecturas, mas uma coisa é certa: a Europa vai mudar, a estratégia de construção europeia, a vários níveis, vai sofrer alterações e a visão estratégica definida para Portugal pelo recém-empossado Ministro da Economia e do Mar, tem já pela frente um verdadeiro Adamastor, uma vez que os impactos das subidas de preços dos combustíveis e da quebra das cadeias de abastecimento afectam por igual todas as capitais europeias e não apenas as mais próximas do conflito.

Em termos de impactos, esta guerra vai seguramente centrar as atenções da Europa a Leste, seja no domínio da defesa militar (sector onde os nossos vizinhos Espanha e França são fortes, mas nós não), seja pela necessidade de apoiar a reconstrução de um país cuja infra-estrutura vai estar absolutamente debilitada. Pelo meio, a necessidade de “construir pontes” com novos parceiros comerciais e até com a “nova Rússia”, tudo são factores que distanciam a Europa do eixo Atlântico que tanto nos interessa desenvolver e no qual Portugal pode e deve ter um papel absolutamente determinante.

Se temos então que viver com a perspectiva de mais fundos europeus para o Leste da Europa (e eventualmente menos para o Ocidente), teremos que redobrar esforços na utilização das verbas disponíveis no “PT2030”, verbas essas que estão activamente em desvalorização com o súbito crescimento da inflação, que faz com que cada euro que temos para gastar valha menos a cada dia que passa… mais um incentivo para “gastarmos” depressa e bem(!), o que seguramente não é um exercício fácil.

Em termos de linhas estratégicas de desenvolvimento, a aposta em indústrias de alto valor acrescentado, assentes nos pilares de resiliência, sustentabilidade e digitalização, sem esquecer o Mar e as matérias-primas de que dispomos, continua a fazer sentido, mas a urgência e foco na execução ganhou toda uma nova dimensão com este conflito.

De facto, para “furar o cerco” imposto por Putin a Lisboa, é crítico que Portugal faça parte da solução do novo modelo de abastecimento de energia para a Europa, seja na distribuição de gás natural, seja na produção e distribuição de energia de fontes renováveis e que, simultaneamente, consiga utilizar os benefícios que daí derive para um esforço continuado de investimento na estratégia que definimos, para reduzirmos progressivamente a dependência que o país demonstra dos sucessivos programas de financiamento europeu.

Num momento em que os investimentos do PRR começam finalmente a poder ter impacto na economia real e que o novo quadro comunitário de apoio se apresta para ver a luz do dia, é fundamental que sejamos exímios e rigorosos na execução, assegurando ao mesmo tempo que os projectos vencedores transformam efectivamente a nossa economia e asseguram a empregabilidade dos nossos jovens e menos jovens.

O investimento na digitalização das actividades económicas, na inteligência artificial, na robótica, na cibersegurança, estará seguramente na base de toda esta transformação, e aí o papel das universidades e das empresas a formar novos “soldados” para o combate será crucial, dando a todos e a cada um de nós um novo propósito nesta década que já não será de euforia pós-pandémica como muitos alvitravam, mas sim de resistência e persistência, uma arte, essa sim, na qual os portugueses são doutorados e credenciados.

A mensagem é, pois, de esperança porque, apesar das dificuldades, Portugal inicia mais um ciclo difícil, armado com uma ideia estratégica, alguma capacidade de investimento e o engenho de um povo que sempre soube explorar as oportunidades e encontrar soluções onde outros só viram barreiras e dificuldades. A missão: romper o cerco e dar ainda mais sentido ao caminho estratégico que se definiu para Portugal!

Nota: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem reflectem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG.

O autor, por opção própria, escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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