PRR: Hora de enfrentar o Adamastor e rumar a porto seguro!

2023 foi um ano de enormes mudanças, culminando no naufrágio inesperado de uma maioria absoluta, mas quanto ao PRR e à tão falada execução, como vamos? Não vamos assim tão mal, apesar do nosso fado.

O ano de 2023 terminou com o anúncio da retenção por parte da Comissão Europeia de cerca de 700 milhões de euros (relativo a três reformas que a EU considerou não apresentarem ainda evidências satisfatórias de cumprimento), relativos ao 3º e à 4ª tranche de pagamentos.

Se tivesse sido satisfeita na íntegra a solicitação de pagamento apresentada pelo Estado Português, teria sido possível “dobrar o Cabo da Boa Esperança” e apontar a nau ao destino final, mas o progresso insuficiente na área da saúde e a meticulosa insistência da Presidência da República na revisão do estatuto das ordens profissionais, deixou uma pequena marca num percurso, até então, imaculado.

A verdade é que, apesar de alguns atrasos aqui ou ali, alguns sustos e alguma polémica, podemos comprovar que o ano de 2023 foi de substantivos progressos na execução do famoso Plano de Recuperação e Resiliência. Para além dos muitos contratos-programa assinados com beneficiários e intermediários, da contratualização de quase todas as Agendas Mobilizadoras, da ampliação das verbas disponíveis, é sobretudo na catadupa de concursos públicos lançados nos últimos meses por quase todos os quadrantes da Administração Pública, que se comprova que estamos mesmo a tentar andar para a frente.

E a economia dá sinais de já ter percebido isso: a superação das metas do crescimento económico, a (muito) reduzida taxa de desemprego e o crescente afluxo de imigrantes ao nosso país demonstra que há dinheiro (e não é pouco!) a entrar na nossa economia. Sendo fácil de constatar que o turismo, continuando forte, não teve em 2023 um crescimento tão significativo, e que o investimento estrangeiro continua algo tímido, é objetivamente a despesa pública e o consumo privado que vão fazendo girar a roda e mantendo a nau a boa velocidade.

E por mais que o enquadramento macro-económico e sobretudo a conjuntura geopolítica se tenha agravado, a verdade é que neste jardim à beira-mar plantado, não são evidentes os sinais de preocupação que ciclicamente anunciam alguns “velhos do Restelo”. Mas afinal, quão real e enorme é esse “Adamastor” que temos pela frente e que ameaça afundar a nossa esperança?

Vejamos: o ano de 2024 começa turbulento com alguns desafios importantes ao nível da execução dos Fundos Europeus:

  • O primeiro obstáculo será seguramente a (re)organização do governo português após o dia 10 de março. O volume de concursos dos últimos meses permite à “máquina” continuar a trabalhar, mas será essencial ter um novo executivo a carburar a 100% para não entrarmos em zona de risco nos 18 meses finais de execução;
  • O segundo grande desafio é a gestão do 5º pedido de reembolso, em paralelo com a resolução das questões apresentadas pela Comissão e que levaram à retenção dos já referidos 700 milhões. O novo executivo não poderá correr o risco de nova rejeição e, muito menos, que isso acabe por afetar a dimensão do próximo cheque;
  • E porque falamos de execução de Fundos, o terceiro, e talvez mais complexo dos desafios, tem a ver com a capacidade de mobilizar e compatibilizar recursos cada vez mais escassos, para manter ou acelerar as iniciativas do PRR, enquanto muitas organizações já olham para outros instrumentos e novas verbas há muito esperadas: o PT2030 está aí e não chegou sem um enorme coro de protestos e dúvidas sobre as regras da sua execução.

Mais do que um gigante, temos pela frente uma conjugação de obstáculos que em breve estarão a deixar com os nervos em franja a nova geração de marinheiros. Muitos dirão que não há comparação possível entre a coragem e perigos enfrentado pelos navegadores das naus do nosso Vasco da Gama, com o que os próximos ocupantes de São Bento terão que enfrentar… mas a verdade é que o nosso herói navegante não tinha uma data de chegada para cumprir… “apenas” tinha que encontrar o caminho para o destino e voltar para contar a história. E no caso dos fundos do PRR… tic, tac, tic, tac…

É inegável que já muito foi feito, mas este é seguramente o semestre mais crítico deste caminho. Com um novo executivo em São Bento, um novo Orçamento de Estado e 18 meses para acabar de executar o PRR com o relógio a contar, não haverá tempo a perder.

Seria por isso muito, mas mesmo muito importante, que num momento de intensa campanha eleitoral, os dois principais candidatos ao lugar de comandante da nau, tivessem a fineza de nos assegurar de que forma e com que determinação planeiam enfrentar os obstáculos, contornar o “gigante” e rumar a porto seguro.

Portugal começou relativamente bem este caminho, mas é como acaba esta história que determina se a memória futura do ano 2025 recordará sobretudo as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, ou como uma importante fase de emancipação da nossa economia. Têm a palavra os novos protagonistas!

Nota: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem refletem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG em Portugal.

 

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