O hidrogénio verde pode chegar à estrada nacional já em dezembro. Com mão chinesa, o projeto da HEN vai ter fábrica e posto de abastecimento, que fomos conhecer na Beira Alta.
A Beira Alta prepara-se para entrar no mapa europeu da produção de hidrogénio verde, com uma fábrica e posto de abastecimento com inauguração prometida para dezembro. Na semana passada viajaram da China até à Guarda, sede da promotora do investimento, os responsáveis pelo projeto e construção da unidade apresentada ao ECO/Local Online pelo presidente e cofundador da HEN, Carlos Oliveira.
“Estamos preparados para iniciar a construção física da central. Estamos apenas à espera de alguns estudos a nível de licenciamento. Espero que surjam rapidamente”, diz o responsável da empresa, que antevê o início da produção antes da chegada do ano novo.

Reconhecendo a obsolescência rápida da tecnologia, Carlos Oliveira nota que os eletrolisadores já atingiram um patamar de eficiência de 80% a 83%. “Estamos a refinar a eficiência do sistema. Obviamente, em grandes instalações, 3%, 5%, 10% de alteração da eficiência é muito impactante. Mas em instalações mais pequenas, a fiabilidade e a durabilidade é muito mais importante”, considera.
Há dois anos, numa cerimónia com o então primeiro-ministro António Costa e Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, este foi um dos 25 projetos com quem o Estado assinou uma linha de financiamento no âmbito Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). No total, no que António Costa designou de “mudança estrutural da economia”, estavam em jogo 237 milhões de euros, dos quais 102 milhões pagos pelo PRR. Passados 26 meses, quase tudo está por concretizar.
O projeto está fechado, os fornecedores dos equipamentos estão fechados, o contrato de engenharia e o projeto também estão fechados. Estamos em fase final do licenciamento da construção nas várias entidades.
A HEN está a ultimar a preparação da fábrica que produzirá hidrogénio para a mobilidade, numa cadência que poderá abastecer diariamente 170 autocarros. Uma tipologia de viatura que a região conhecerá no serviço de transporte público em breve. No final de março, o Governo anunciou o financiamento do Fundo Ambiental para aquisição de 11 autocarros de emissões zero pela ETUG, concessionária de transporte na Guarda, e de 31 pela Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Destes 41, mais de 30 serão movidos a hidrogénio.
Há poucos dias, Carlos Oliveira, presidente da HEN, recebeu uma comitiva chinesa na plataforma logística da Guarda, com quem selou o contrato de desenho e construção da fábrica, num processo chave-na-mão. Esta será a primeira experiência da empresa chinesa num projeto fora daquele país e a fábrica de Seia será um balão de ensaio para futuras instalações na Europa, assegura o presidente da HEN. “Eles querem fazer como uma montra de tecnologia e demonstrar aqui o melhor que têm”, conta.
Como é uma nova tecnologia, também tem a sua evolução e a sua maturação a nível de licenciamentos. Nós estamos a trabalhar em parceria, compreendemos as dificuldades que as entidades licenciadoras têm. Assim como nós temos dificuldades, eles também têm, e estamos a fazer um esforço bastante grande para que tudo chegue a bom porto.
Para que as rodas comecem a girar, falta ainda que o Estado finalize a parte que lhe cabe, a das autorizações. “As entidades estão bastante cooperantes, obviamente com o tempo que é necessário para entender este tipo de tecnologia e os pontos fortes e fracos e riscos inerentes”, explica Carlos Oliveira. “Também temos de compreender essa parte, e o que nós esperamos e acreditamos é que tudo correrá bem e teremos o combustível para vender em dezembro deste ano”.
A implementação ocorrerá na freguesia de São Romão, no concelho de Seia. Ali, tal como no século passado surgiu um cluster de lanifícios alicerçado na produção hidroelétrica, a HEN pretende fazer da abundância de água o “motor” para produção de hidrogénio verde – assim definido por recorrer a fontes renováveis, ao contrário do que sucede no designado hidrogénio cinzento, cujo fabrico depende do gás natural.
A empresa da Guarda aproveitou o edifício de uma antiga fábrica no lugar da Senhora do Desterro, na freguesia de São Romão — onde reza a história que houve a primeira central de produção hidroelétrica na região onde se instalou o cluster dos lanifícios –, e ali fará a sua fábrica de hidrogénio verde.
Esta unidade da HEN estará fora da “primeira liga” entre aqueles com quem o Fundo Ambiental assinou, em fevereiro de 2023, os contratos do primeiro Programa de Apoio à Produção de Hidrogénio Renovável e outros Gases Renováveis (em sede de PRR). Os sete milhões de euros que lhe foram destinados pelos fundos europeus representam menos de 7% do total consignado com a chancela do Governo.

A realidade veio esmorecer o entusiasmo inicial das autoridades, quando o primeiro-ministro antecipava um Portugal exportador de hidrogénio verde para a Europa. No terreno estão projetos pontuais, como o da Gestene no Seixal, cujo primeiro teste ocorreu há dois anos, com injeção de hidrogénio na rede de gás natural. Mas a HEN pretende passar das palavras à eletrólise já no final do ano.
No seu caso, abandonou a ideia de injeção de hidrogénio na rede de gás e pensa agora na produção com destino à mobilidade, com fábrica e um posto de combustível. Este, assegura Carlos Oliveira, surgirá em simultâneo com a unidade industrial. E esta, a confirmar-se a data de dezembro de 2025 para início de laboração, já virá 12 meses depois da data inicialmente prevista.
Atraso que diz ser “metade, metade” atribuível ao desenvolvimento interno na empresa e ao licenciamento, que cabe à Direção-Geral de Energia e à Agência Portuguesa do Ambiente, assume Carlos Oliveira. O presidente da empresa considera que, mesmo entre as consultoras e quem certifica esta tecnologia, há uma curva de aprendizagem que é preciso respeitar.
“Como é uma nova tecnologia, também tem a sua evolução e a sua maturação a nível de licenciamentos”, refere o engenheiro responsável pela empresa. “Estamos a trabalhar em parceria, compreendemos as dificuldades que as entidades licenciadoras têm. Assim como nós temos dificuldades, eles também têm. estamos a fazer um esforço bastante grande para que tudo se chegue a bom porto”.
Quem licencia são técnicos. Temos de compreender que nós, como pioneiros, estamos a adquirir know-how e conhecimento e os certificadores também estão.
Perante a velocidade da inovação neste segmento da energia, aquilo que o mercado enfrenta é, diz, “uma questão de maturidade” para se afinarem regulamentos, legislação e a formação dos técnicos. “Quem licencia são técnicos. Temos de compreender que nós, como pioneiros, estamos a adquirir know-how e conhecimento e os certificadores também estão”.
Um pioneirismo resultante na necessidade de ser o próprio país a criar jurisprudência legal, institucional e de certificações, explica. “Isto tem de ter muita exigência. Os países e o Estado que financia este tipo de projetos também têm de criar exigência”. Já no que concerne ao trabalho de casa, “como é uma tecnologia nova, as próprias empresas consultoras também necessitam, obviamente, de criar o seu know-how interno”.
Apesar de toda esta dinâmica de inovação, o cofundador da HEN diz que os responsáveis da empresa estão “bastante confortáveis” no que concerne à tecnologia a implementar na fábrica de Seia. “O projeto está fechado, os fornecedores dos equipamentos estão fechados, o contrato de engenharia e o projeto também estão fechados. Estamos em fase final do licenciamento da construção nas várias entidades”, resume.

Para tornar possível a construção da fábrica e do posto de abastecimento, a HEN recorreu ao know-how chinês. Se a localização da primeira está fechada para Seia, o segundo está ainda por definir. Ainda assim, o presidente da HEN salienta que terá de haver consonância geográfica do posto com o local de consumo.
Em termos de custo de construção do posto de abastecimento, o benchmark internacional aponta para uma banda entre um e cinco milhões de euros, consoante o modelo a implementar, sendo que, para já, a HEN não desvenda como será exatamente o seu. “Depende da dimensão, do número de dispensadores, da velocidade de transfega, da pressurização – a pressurização é muito importante, não é só disponibilizar hidrogénio, mas a que pressão é que o hidrogénio será disponibilizado. Isso faz variar muito o valor da bomba de combustível”, resume.
A HEN até admite fazer a distribuição para postos de terceiros – a candidatura ao PRR inclui os autotanques para atrelar no trator de camiões TIR –, mas Carlos Oliveira assegura que “a pretensão é ter a bomba de combustível para os veículos carregarem diretamente”.
Para já, antevê como provável levar a bomba até perto da central dos novos autocarros a hidrogénio que a ETUG e a CIM das Beiras e Serra da Estrela estão a adquirir. Fazendo-se valer também da proximidade à A23, A25 e às linhas férreas da Beira Alta e Beira Baixa, onde poderá ter mercado com o tráfego de camiões e autocarros internacionais. Se tal se justificar, poderá mesmo fazer distribuição para bombas em Espanha, diz o presidente da empresa ao ECO/Local Online.
[O custo do posto] depende da dimensão, do número de dispensadores, da velocidade de transfega, da pressurização – a pressurização é muito importante, não é só disponibilizar hidrogénio, mas a que pressão é que o hidrogénio será disponibilizado. Isso faz variar muito o valor da bomba de combustível.
Do lado da fábrica, os oito meses até dezembro tornam o prazo “muito apertado”, reconhece o empresário, mas “em termos de calendário é possível” construir e pôr a fábrica a laborar, assegura.
“Fizemos um upgrade tecnológico ao nosso sistema devido a reuniões com empresas fabricantes e com EPC. Temos um contrato assinado, de Engenharia, Projeto e Construção [EPC], visto que a tecnologia ainda não está muito disseminada e é necessário trabalhar com quem tem bastante know-how, porque sem ele não se consegue fazer um projeto destes. Um conjunto de máquinas não é o sistema de produção”, realça o mentor da HEN. “É preciso integrá-lo, ter sistemas de controlo, que os sistemas comuniquem uns com os outros e que tudo no conjunto funcione. Daí a dificuldade de construção deste tipo de centrais”, explica.
A tecnologia ainda não está muito disseminada e é necessário trabalhar com quem tem bastante know-how, porque sem ele não se consegue fazer um projeto destes. Um conjunto de máquinas não é o sistema de produção.
É aqui que entra o saber acumulado pelos parceiros chineses. Na China, diz Carlos Oliveira, o primeiro posto de abastecimento tem mais de uma década, e hoje existem 1.500 autocarros abastecidos com hidrogénio verde a circular na cidade de Foshan (província de Cantão). A mesma onde esteve em circulação, de 2019 até final do ano passado, uma linha de metropolitano de superfície movido a hidrogénio verde, num percurso com 6,5 quilómetros de extensão, cancelada devido às baixas receitas do serviço.
Em termos de abastecimento, negócio em que a HEN também se irá aventurar – embora só com uma bomba, metade do previsto aquando da assinatura do contrato de financiamento do PRR, em fevereiro de 2023 – há cerca de meio milhar de bombas ao longo da China, diz o engenheiro. As empresas daquele país têm tecnologia própria, patenteada e em fabrico, no domínio dos eletrolisadores, compressores, depósitos, tubagem e sistemas de gestão de controlo.
“Sou tecnólogo e cabe-me conseguir chegar à melhor tecnologia, mais fiável, amiga do ambiente e, com as pessoas que me rodeiam, que consigamos atingir os nossos objetivos. Não é um objetivo nada fácil construir uma central de produção. Quanto mais se estuda, mais se verifica que realmente está a crescer a nível tecnológico, as coisas estão muito longe de alcançar estabilidade tecnológica. O planeta todo está a crescer, em todas as áreas do hidrogénio verde”, explicita.
Não é um objetivo nada fácil construir uma central de produção. Quanto mais se estuda, mais se verifica que realmente está a crescer a nível tecnológico, as coisas estão muito longe de alcançar estabilidade tecnológica.
No caso da fábrica de Seia, estão em causa 4 MW. Em comparação, a Galp está a desenvolver um projeto de 100 MW em Sines, num custo de 100 milhões de euros. Contudo, e como explicou ao ECO o diretor de Hidrogénio Verde e Biocombustíveis da Galp, Sérgio Machado, até meados de março, a maior fábrica de hidrogénio verde em operação na Europa produzia 20 MW, cinco vezes mais que o projeto da HEN e um quinto do da Galp em Sines. Entretanto, a meio de março foi inaugurada uma operação de 54 MW na Alemanha.
Dos certificados ambientais à venda de eletricidade e agora ao hidrogénio
Nascida no início da década passada como fornecedora de certificados energéticos e projetos de eficiência energética, e depois reforçada com serviços de consultadoria para IPSS e autarquias em instalações de autoprodução de energia e reformulação de sistemas de iluminação, a HEN tem acumulado experiências na área da energia, incluindo enquanto comercializadora de eletricidade para mais de 2.000 clientes, área em que já desinvestiu por completo.
Sempre à procura de novos investimentos, a empresa virou-se para o mercado do hidrogénio verde, explica Carlos Oliveira. “Começou-se a falar que o hidrogénio verde poderia ser uma tecnologia para o presente e para o futuro. Verificámos e achámos bastante interessante. Começámos a especializar-nos na área e, entretanto, surgiu o primeiro programa comunitário para apoio às centrais de produção”.
A HEN candidatou-se na primeira fase de apoio e viu aprovado o projeto de produção em Seia. “Verificámos que havia dois grandes mercados, o do blending, da mistura em pipeline, e o mercado do hidrogénio puro pressurizado, que serve para a mobilidade. Por uma questão regional, optámos por hidrogénio puro pressurizado porque acreditámos sempre na entrada da tecnologia da mobilidade com hidrogénio verde”.
Ainda que não esperando para esta tecnologia um papel hegemónico, crê que o hidrogénio verde tem mais potencial do que a mobilidade com baterias elétricas “em certo tipo de viaturas e de mercado”.
Começou-se a falar que o hidrogénio verde poderia ser uma tecnologia para o presente e para o futuro. Verificámos e achámos bastante interessante. Começámos a especializar-nos na área e, entretanto, surgiu o primeiro programa comunitário para apoio às centrais de produção.
Atestar diariamente a frota de autocarros que o PRR irá financiar na Beira Alta, acima dos 30 autocarros nestes dois serviços rodoviários de transporte público, não chega a um quarto da capacidade máxima da fábrica. Com cerca de duas toneladas de hidrogénio por dia, poderá abastecer cerca de 170 veículos.
Carlos Oliveira diz ainda que, apesar de o cofinanciamento europeu inicial se cifrar em 7 milhões de euros, a alteração da tecnologia dos eletrolisadores para a solução alcalina – acompanhando a atualização tecnológica nesta área – fez baixar o investimento total, levando também à redução do apoio proveniente do PRR para 3,8 milhões de euros.
O total do investimento não é adiantado, sob pretexto de estar ainda por determinar o total de gastos associados ao projeto. Apesar de agora não arriscar valores, a empresa tinha avançado inicialmente com um custo previsto de 32 milhões de euros. “Como é um projeto pioneiro, poderá haver contratempos, coisas que nós não conhecemos. Eu gostaria primeiro de fazer este projeto e, depois dele fechado, verificar exatamente o custo final”, refere.
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Água que tornou Seia na capital dos lanifícios vai produzir hidrogénio verde
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