Carlos Costa e Teixeira dos Santos isolam Isabel dos Santos

Dois comunicados divulgados quase em simultâneo, um do EuroBic liderado por Fernando Teixeira dos Santos, outro do Banco de Portugal, presidido por Carlos Costa, a dizerem basicamente o mesmo a partir de pontos de vista diferentes: Passa a existir uma espécie de ring fencing para tentar proteger o banco da sua maior acionista, desde logo por parte do EuroBic, que decidiu deixar de fazer negócios com Isabel dos Santos ou com pessoas suas próximas, enquanto o Banco de Portugal deixa no ar a possibilidade de inibir os seus direitos de voto.

Quando, este domingo, o consórcio internacional de jornalistas, do qual faz parte o Expresso e a SIC, revelaram as operações de transferências de fundos da Sonangol para a Matter Business Solutions, a sociedade do Dubai, através do Eurobic, colocou-se uma questão imediata: A administração do banco que é controlado por Isabel dos Santos cumpriu as obrigações em matéria de mecanismos de branqueamento de capitais? E o Banco de Portugal cumpriu o seu papel de supervisor? Passadas cerca de 24 horas, o EuroBic e o Banco de Portugal divulgaram comunicados (quase) em simultâneo. Coincidência ou não, ninguém o confirma, percebe-se um cuidado do banco em cortar os laços com o seu acionista principal e, por outro lado, o supervisor a garantir que vai investigar a forma como o EuroBic cumpriu as regras, mas a acrescentar que a avaliação de idoneidade de gestores ou acionistas está sempre em cima da mesa.

O que diz o comunicado do EuroBic?

  • Na sequência dos eventos mediáticos suscitados pela divulgação de informações reservadas relativas à Eng.ª Isabel dos Santos – apresentadas internacionalmente como Luanda Leaks – e a perceção pública de que este Banco possa não cumprir integralmente as suas obrigações pelo facto de a Eng.ª Isabel dos Santos ser um dos seus acionistas de referência, o Conselho de Administração do EuroBic deliberou: encerrar a relação comercial com entidades controladas pelo universo da acionista Eng.ª Isabel dos Santos e pessoas estreitamente relacionadas com a mesma

E o que diz o Banco de Portugal?

  • No que se refere às questões de adequação (de administradores e acionistas), o Banco de Portugal considera todos os factos novos que possam ser relevantes para efeitos de avaliação/reavaliação da adequação de quaisquer pessoas que exerçam funções de administração/fiscalização ou sejam acionistas de instituições por si supervisionadas. Para esse efeito, o Banco de Portugal interage e troca informação, nos limites do quadro normativo aplicável, com todas as entidades e autoridades, nacionais e internacionais, de forma a poder consubstanciar factos que possam ser relevantes no contexto desse juízo.

Afinal, o que é que está em causa? Neste momento, corre uma inspeção-geral ao Eurobic desencadeada em dezembro de 2019 para avaliar o cumprimento dos mecanismos de combate ao branqueamento de capital. Oficialmente, o supervisor esclarece que houve uma inspeção em 2015 e volta a haver outra agora, mas há no mínimo coincidências: A de dezembro de 2019 surge em simultâneo com a investigação do consórcio de jornalistas, que se iniciou em agosto e que resultou em perguntas enviadas a várias entidades na primeira quinzena de dezembro.

O Banco de Portugal não acompanha todas as operações de transferências realizadas por bancos em Portugal, e o próprio banco, qualquer que ele seja, tem a obrigação de comunicar às autoridades — leia-se Ministério Público e Polícia Judiciária e não ao Banco de Portugal — quaisquer operações consideradas suspeitas. Como se lê no comunicado do EuroBic, as transferências “respeitaram os procedimentos legais e regulamentares formalmente aplicáveis no âmbito da regular relação comercial existente entre este Banco e a Sonangol, designadamente os que se referem à prevenção do branqueamento de capitais”.

O Banco de Portugal pode substituir-se à administração do EuroBic. Não é claro do comunicado do supervisor, mas é possível concluir que as operações em causa com a Matter — uma sociedade controlada por uma amiga e sócia, Paula Oliveira, e que tem Mário Silva, gestor de confiança total de Isabel dos Santos, como gestor da sociedade — vão ser avaliadas agora no âmbito da inspeção que está em curso. E aí se saberá se o banco cumpriu as suas obrigações.

outra coincidência neste processo: Foi Teixeira dos Santos quem escolheu Carlos Costa para governador do Banco de Portugal em junho de 2010 e o próprio governador terá tido uma influência direta na escolha do ex-ministro das Finanças para presidente executivo do EuroBic. São amigos desde os tempos da Faculdade de Economia do Porto e agora estão numa posição no mínimo incómoda: É Carlos Costa que tem de avaliar o desempenho de Teixeira dos Santos.

Para o Banco de Portugal e para o próprio EuroBic, o resultado desejável destas investigações passará precisamente por um ring fencing, que proteja a estabilidade financeira do banco e a sua administração da principal acionista, até porque neste momento é tudo menos claro o que vai suceder nas próximas semanas. Já esta tarde, em entrevista ao Expresso, o procurador da República de Angola admitia a possibilidade de emitir um mandado de captura de Isabel dos Santos para responder em tribunal às acusações que lhe são feitas.

Só por uma vez o Banco de Portugal inibiu um acionista de exercer os seus direitos de voto. Sim, foi no caso BES, em 2014, quando a Espírito Santo Financial Group, holding a partir do qual a família Espírito Santo, deixou de poder exercer os direitos de voto no BES. Mas o Banco de Portugal já tinha sido o responsável direto pelo afastamento de Isabel dos Santos da administração do EuroBic em 2016, aquando da renovação de um mandato. E foi precisamente nesse momento que Teixeira dos Santos assumiu funções.

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