Inflação e seca são a “tempestade perfeita” para produtores de queijo Serra da Estrela

Produtores têm esperança que a chuva ajude a combater a seca, caso contrário as ovelhas não têm os pastos férteis e vão produzir menos leite. Inflação também pesa na carteira dos produtores.

A inflação, a seca severa e o grande incêndio que decorreu o ano passado na Serra da Estrela estão a causar grandes constrangimentos aos produtores dos queijos de denominação de origem protegida (DOP) da região. Apesar das dificuldades, os produtores conseguem escoar toda a produção tendo em conta “o valor do produto” e a procura.

A seca severa e a inflação são a “tempestade perfeita” para os produtores de queijo Serra da Estrela. Estes dois fatores “ameaçam qualquer atividade e sobretudo a fileira do queijo da Serra da Estrela”, afirma Joaquim Lé de Matos, presidente da Cooperativa de Produtores de Queijo da Serra da Estrela (Estrelacoop), em declarações ao ECO/Local Online.

Joaquim Lé de Matos constata que para além dos fenómenos climáticos é preciso ter em conta que “tudo ficou mais caro, desde caixas a etiquetas”, e a inflação veio agravar o cenário. “Isto é um tsunami de fatores que vieram agravar esta atividade”. Apesar da inflação ter impacto na procura dos queijos, constata que os “queijos DOP continuaram a ter procura” e justifica que isso acontece porque destinam-se a uma classe média/média alta”. “Quantos mais queijos DOP tivéssemos mais vendíamos”, diz. No entanto, salvaguarda que “não produzem mais porque não querem pôr em causa a qualidade dos queijos DOP”.

Na ótica do presidente da Cooperativa de Produtores de Queijo da Serra da Estrela, “os incêndios não são propriamente aquilo que fustiga a fileira do queijo serra da Estrela, aquilo que tem mais impacto em termos de fenómenos climáticos é a seca. O ano passado tivemos seca extrema na Serra da Estrela e neste momento estamos com severa. Estamos com muita esperança que chova neste início do alavão 2023/2024 (que decorre de setembro a junho), se isso não acontecer significa que as ovelhas não têm as terras férteis dos pastos o que dá uma menor produção do leite”, relembra o líder da Estrelacoop sediada em Celorico da Beira.

Os incêndios não são propriamente aquilo que fustiga a fileira do queijo serra da Estrela, aquilo que tem mais impacto em termos de fenómenos climáticos é a seca. O ano passado tivemos seca extrema na Serra da Estrela e neste momento estamos com severa.

Joaquim Lé de Matos

Presidente da Estrelacoop – Cooperativa de Produtores de Queijo da Serra da Estrela

O ano passado registou-se uma diminuição do volume de produção de leite de cerca de 10% a 12% o que “acaba por ter consequências na produção do queijo Serra da Estrela”. Joaquim Lé de Matos diz que num ano normal a produção ronda as cerca de 180 toneladas e o ano passado foi de 163 toneladas.

O líder da cooperativa está esperançoso que este ano a produção de queijos DOP aumente, mas relembra que a chuva tem que ajudar. “Esperamos que São Pedro nos ajude e que a chuva ajude a fertilizar os campos e os pastos”. Se tivermos pastos férteis, vamos ter uma melhor produção de leite”, afirma o líder da Estrelacoop, que conta com cerca de 80 produtores de leite e de queijo associados, dos quais 27 são produtores certificados do queijo Serra da Estrela com denominação de origem protegida (DOP).

Apesar das dificuldades, produção de queijo é absorvida pelo mercado

Na Queijaria de São Gião, o queijo Serra da Estrela DOP é produzido na Quinta do Tinte, em Santiago, em Seia. A Queijaria São Gião, que emprega dez pessoas, só produz queijo DOP da Serra da Estrela e requeijão. A quinta tem 300 ovelhas da raça bordaleira Serra da Estrela.

O gerente da Queijaria de São Gião, Pedro Freire, que pertence à segunda geração e deixou a consultadoria para se dedicar ao fabrico de queijos na empresa que já está na família há 40 anos, afirma que as vendas “têm corrido bem” e que a a “generalidade dos produtores têm conseguido escoar a produção toda.”

Apesar de o balanço ser positivo, o gestor realça que a inflação é uma pedra no sapato. “Tudo aumentou loucamente. Não é tão fácil repercutir esse aumento no preço do queijo. O queijo da Serra da Estrela consome bastante energia não só na recolha, como na produção, como na conservação. O aumento dos custos é complicado. Quando a energia sobe temos um problema significativo”, afirma em declarações ao ECO. Perante o aumento dos custos, Pedro Freire apela ao Governo para intervir e ajudar “pelo menos com os custos de energia”.

Rebanho de ovelhas da Queijaria de São Gião Queijaria de São Gião

À semelhança da Queijaria de São Gião, em Seia, na Queijaria Vale da Estrela, em Mangualde, que produz cerca de 500 queijos merendeiros (500 gramas) por dia, toda a produção é escoada. A Queijaria Vale da Estrela é o projeto de vida do ex ministro Jorge Coelho que investiu 1,5 milhões de euros para fundar a queijaria Vale da Estrela, na região de Mangualde, a sua cidade natal. Um sonho que nasce da vontade de homenagear o avô Raul que “era um relevante comerciante de queijos”. Apesar de Jorge Coelho ter falecido em 2021, a filha, a esposa e o genro (Pedro Arrais) continuam o seu legado.

Incêndios acentuaram a queda da produção de queijo DOP

Os incêndios, em particular, o grande incêndio que destruiu, o ano passado, um quarto da área do Parque Natural da Serra da Estrela e que foi considerado o maior em 47 anos, reduziu a área de pastorícia da região. Joaquim Lé de Matos, presidente da Cooperativa de Produtores de Queijo da Serra da Estrela (Estrelacoop) explica ao ECO/Local Online que “quando existem incêndios os pastos deixam de existir e os pastores têm que substituir com forragens” e que este fator “vai encarecer o valor do preço do leite porque o pastor tem custos acrescidos”.

Pedro Arrais, responsável da Queijaria Vale da Estrela, corrobora a ideia do líder da Estrelacoop e realça que os incêndios que ocorreram o ano passado na Serra da Estrela “levaram ao agravamento de um cenário muito difícil dos últimos anos devido à seca severa que reduziu a área de pastos“. Pedro Arrais constata que ao “reduzir a alimentação dos animais” é também “reduzida a quantidade de leite disponível no mercado para a produção do queijo serra da estrela DOP”. Essa é a realidade com que todas as queijarias da região da serra da Estrela têm defrontado nos últimos anos, mas agravada desde o ano passado com esses incêndios que vieram reduzir a área ardida da pastorícia”, remata.

Pedro Arrais, responsável da Queijaria Vale da Estrela, em Mangualde afirma em declarações ao ECO que “o incêndio do ano passado afeta” e lembra que “na última campanha as queijarias tiveram menos 20%/25% de leite disponível e isso reflete-se na quantidade de queijo produzidos e no volume de vendas de cada uma das queijarias”.

Joaquim Lé de Matos lembra que “os incêndios até hoje fustigaram mais a zona da Covilhã e não tem sido na zona onde está mais concentrada a região demarcada do queijo serra da Estrela”.

Apesar de estarem localizados numa zona afetada pelo grande incêndio da Serra da Estrela que destruiu 21 mil hectares de terra, o gerente da Queijaria de São Gião, que é produzido na Quinta do Tinte, em Santiago, Seia, conta que os “incêndios não afetaram a produção enquanto entidade produtiva”. A Queijaria de São Gião produz em média 30 toneladas de queijo ao ano. Contas feitas, “se for queijo de quilo estamos a falar em 30 mil queijos, se for queijo pequeno estamos a falar em 60 mil queijos, em números redondos”, diz Pedro Freire.

Para além dos incêndios, da seca e da inflação, o líder da Estrelacoop ressalva que existe o problema da mão-de-obra e que urge “atrair jovens” para a profissão. “A idade média dos pastores e produtores de leite já é superior a 60 anos e os jovens não pegam nisto. É preciso atrair juventude, caso contrário pode estar em causa a continuidade da fileira”, constata Joaquim Lé de Matos.

Missão passa por valorizar o produto

A Cooperativa dos Produtores de Queijo Serra da Estrela iniciou o processo de candidatura do queijo Serra da Estrela DOP (Denominação de Origem Protegida) a Património Imaterial Mundial da UNESCO. Uma forma de enaltecer “o processo, a história e tradição”. O propósito da Estrelacoop é ver reconhecido o processo do “saber fazer” do queijo Serra da Estrela, produzido com leite de ovelha das raças Serra da Estrela ou Churra Mondegueira, e que remonta ao século XI.

“A nossa missão é continuar a ajudar na valorização da Serra da Estrela, através de um produto único como é o queijo Serra da Estrela. Procuramos valorizar o produto através da qualidade”, diz o responsável da Queijaria Vale da Estrela que nos últimos anos tem ganho prémios nacionais. “O ano passado ganhamos a mais alta distinção no World Cheese Awards, onde o requeijão Serra da Estrela DOP foi distinguido como “Super Gold”, a maior classificação que se pode ganhar num mundial de queijos”, diz com orgulho Pedro Arrais, responsável da Queijaria Vale da Estrela e presidente da assembleia geral da Estrelacoop.

A nossa missão é continuar a ajudar na valorização da Serra da Estrela, através de um produto único como é o queijo Serra da Estrela. Procuramos valorizar o produto através da qualidade.

Pedro Arrais

Responsável da Queijaria Vale da Estrela

O gerente da Queijaria de São Gião, Pedro Freire, afirma que que os produtores “procuram, cada vez mais, valorizar o produto para trazer valor acrescentado para a região. Tentamos valorizar o preço do produto porque é fundamental não só para fazer face ao crescimento dos custos, mas também para conseguir para os produtores de leite um preço melhor”, conclui.

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