Raio-X à Política Agrícola Comum em Portugal. Quem recebe mais apoios? E quanto?

Quase 205 mil entidades nacionais beneficiaram dos fundos comunitários da PAC em 2022. A gestora do sistema de águas e resíduos da Madeira recebeu o maior apoio, de mais de 8 milhões.

Os últimos meses têm sido marcados por grandes protestos de agricultores em vários países da União Europeia (UE), que se queixam, entre outras razões, de uma enorme perda de rendimentos e do fardo da burocracia da Política Agrícola Comum (PAC). Em Portugal, um pacote de apoio de mais de 400 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), não travou as manifestações.

Agregando mais de um terço do orçamento da UE, a PAC é um dos instrumentos em vigor mais antigos do bloco comunitário, sendo composta por um conjunto de regras e financiamentos que visam ajudar os agricultores a fornecer alimentos de qualidade e a preços comportáveis aos cidadãos europeus através de um único grande mercado, dentro do qual os produtos agrícolas circulam livremente.

O financiamento das diversas medidas abrangidas pela Política Agrícola Comum é assegurado pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), nas medidas do seu primeiro pilar (apoio direto e medidas de mercado), e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), no que toca ao segundo pilar (desenvolvimento rural), apoiando sobretudo as regiões mais desfavorecidas da UE a modernizar as suas explorações.

Só em 2022, o último ano para o qual há dados disponíveis no portal do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), 204.992 entidades nacionais receberam cerca de 1,587 mil milhões de euros em apoios da PAC, correspondendo a um crescimento de 1,2% no número de beneficiários e a mais 17,6% de fundos recebidos face a 2021. Dá uma média de 7.743,59 euros concedida a cada entidade.

Os dez maiores beneficiários

Com verbas acima dos 8,5 milhões de euros, a A.R.M. – Águas e Resíduos da Madeira, S.A. foi a entidade que recebeu o maior cheque de fundos comunitários provenientes da PAC em 2022, tendo destinado grande parte do apoio a investimentos em ativos físicos.

No ano antes, a empresa responsável pela exploração e a gestão do sistema multimunicipal de águas e de resíduos da região autónoma da Madeira tinha recebido apenas 296.007,50 euros, o que equivale a um aumento homólogo de quase 2.800%.

Entre os 10 maiores beneficiários do FEAGA e do FEADER em 2022, encontram-se cinco entidades públicas – a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, o European Investment Fund, o IFAP, a Estrutura de Missão para o Programa Desenvolvimento Rural do Continente e a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte –, um município (Monção, no distrito de Viana do Castelo) e quatro empresas – a A.R.M., a GESBA, a Insular e a Finançor.

Comparativamente a 2021, apenas três dessas entidades tiveram uma redução dos apoios recebidos, designadamente a Insular (-2,32%), a Finançor (-6,93%) e a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (-14,09%). Das restantes, a madeirense GESBA, que em 2022 teve direito a 2,8 milhões de euros, registou o maior aumento das verbas, de mais de 50.000% (no ano anterior, havia recebido apenas 5.610,26 euros).

Distritos com maiores e menores fatias de apoio

Beja e Évora, dois dos distritos mais afetados pela seca em Portugal, foram as regiões que receberam mais apoios provenientes da Política Agrícola Comum em 2022 – cerca de 176,9 milhões de euros e 144,1 milhões de euros, respetivamente, que correspondem a aumentos de 18,43% e de 22,92% face ao ano anterior, na mesma ordem.

Com apoios no total de 137,4 milhões de euros, o distrito de Lisboa teve o terceiro montante mais elevado de verbas do FEAGA e do FEADER, 25,59% acima do que recebeu em 2021. Contrariamente às duas primeiras regiões, a maior fatia dos apoios na capital, no valor de quase sete milhões de euros, destinou-se a um serviço da administração direta do Estado: a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural.

No fundo da tabela surgem três distritos da zona centro do país. No ano de 2022, 4.746 entidades de Leiria receberam, no seu conjunto, cerca de 26,4 milhões de euros, seguindo-se Aveiro (7.958 entidades receberam, ao todo, 31 milhões de euros) e Coimbra (31,5 milhões de euros distribuídos por 7.513 entidades).

Olhando para os dados relativos a 2021, apenas Lisboa não repete o lugar no ‘top 3’ de distritos que receberam mais apoios. Nesse ano, o arquipélago dos Açores teve o segundo maior montante de verbas da PAC, no valor de cerca de 121,8 milhões de euros.

Bragança (24.474), Vila Real (21.188) e Viseu (16.715) lideraram no que toca ao número de entidades apoiadas em 2022, enquanto Setúbal (4.204), Leiria e Portalegre (5.020) foram os distritos com menos empresas apoiadas.

É ainda de assinalar que houve três regiões com uma quebra de apoios face a 2021, designadamente Setúbal (-7,58%), Açores (-5,79%) e Santarém (-2,64%). Nos restantes distritos verificou-se um aumento das verbas, tendo sido os maiores em Viana do Castelo (+52,27%), na Madeira (+47,46%) e em Bragança (+44,26%).

Aos municípios e às freguesias foram concedidos 12,29 milhões de euros em apoios da PAC, destacando-se a autarquia da Calheta (994,76 milhões de euros), na ilha da Madeira; a freguesia de Galveias (832,7 milhões de euros), em Portalegre; e o município de Câmara de Lobos (445,5 milhões de euros), também no arquipélago madeirense, como aqueles que mais receberam.

Apoios para representantes dos agricultores

No seu conjunto, as três organizações de cúpula do setor agrícola receberam 1.810.214,12 euros em financiamento da PAC em 2022, cerca de 0,11% do total de dinheiro concedido nesse ano. Comparando com 2021, em que tiveram direito a 2.042.693,89 euros, receberam menos 11,38% de apoios.

A nível individual, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) foi a associação que recebeu mais dinheiro do FEAGA e do FEADER em 2022, num total de 967.637,29 euros. Este montante destinou-se a 10 medidas, como por exemplo cerca de 40 mil euros para o setor vitivinícola, 12.400 euros para assistência técnica e 811 euros por levar a cabo práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente.

No entanto, a quantia recebida pela confederação liderada por Álvaro Mendonça e Moura baixou 12,50% relativamente a 2021, ano em que foi apoiada em 1.105.931,72 euros.

A quebra nos apoios recebidos foi ainda maior no caso da Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri): de 2021 para 2022 recebeu menos 28,53% em fundos comunitários. A maior fatia dos quase 500 mil euros financiados pela PAC destinou-se a serviços de aconselhamento, de gestão agrícola e de substituição nas explorações.

Já a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a terceira maior organização de agricultores do país, foi a que recebeu menos verbas. Em 2022, a confederação sediada em Coimbra contou com 343.589,78 euros, mas, contrariamente à CAP e à Confagri, os apoios a que teve direito aumentaram 44% face ao ano anterior.

Com os preços praticados pela grande distribuição a serem uma das principais razões de protesto dos agricultores, é ainda de notar que, em 2022, os hipermercados Modelo Continente, que pertencem ao grupo Sonae, receberam apoios no valor de 887.915,33 euros para ações de informação e promoção. O ECO não encontrou mais empresas do setor da distribuição na lista de apoios.

(Notícia atualizada às 17h47 do dia 8 de abril para corrigir que a CNA é a terceira maior organização do setor e não a segunda)

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