Autarquias orçamentam despesa a mais para evitar défice, conclui CFP

Investigação do Conselho das Finanças Públicas mostra que os "desvios" sobretudo do lado da despesa decorrem de "compromissos transitados de anos anteriores de volume significativo".

Uma investigação do Conselho das Finanças Públicas aos desvios orçamentais dos municípios, detetados no ano passado para o exercício de 2022, mostra que as autarquias inscreveram despesa e receita a mais para evitar um défice orçamental de 2,1 mil milhões de euros em contabilidade pública. Assim, a Administração Local conseguiu alcançar “um excedente de caixa de 413 milhões”, segundo um trabalho assinado por Rui Dias, divulgado esta terça-feira.

“Nos anos mais recentes, os desvios nos orçamentos municipais têm sido maiores do lado da despesa efetiva do que da receita efetiva, o que tem permitido que o subsetor da Administração Local tenha vindo a apresentar um saldo orçamental positivo em termos de execução (413 milhões de euros em 2022), o que contrasta com o défice em contabilidade pública subjacente aos orçamentos municipais (-2,1 mil milhões de euros)”, escreve o técnico especialista em Finanças Locais do Conselho das Finanças Públicas (CFP).

Para esta situação, lê-se no relatório, “contribui a necessidade de acomodar volumes significativos de compromissos assumidos anteriormente, conjugada com o respeito pelo equilíbrio global dos orçamentos”.

Assim, em 2022, “a taxa de execução da despesa municipal foi de 76,8%”. Ou seja, as autarquias inscreveram 13,7 mil milhões de euros mas apenas gastaram 10,55 mil milhões, uma diferença de 3,18 mil milhões de euros. Nesse bolo que não foi executado estão 1,5 mil milhões de euros de compromissos a transitar para anos seguintes e 259 milhões de obrigações por pagar.

“Os maiores desvios absolutos entre a despesa orçamentada e executada (paga) ocorrem na despesa de capital e nas aquisições de bens e serviços correntes. A taxa de execução destes dois indicadores da despesa municipal, que “correspondem também àqueles com maior volume de compromissos a transitar”, atingiu apenas “59,4% no primeiro e 74,1% no segundo”, salienta o investigador da instituição liderada por Nazaré Costa Cabral.

O estudo destaca a baixa execução (69,5%) das despesas de capital “destinadas a investimento por parte das freguesias, ao abrigo, nomeadamente, de protocolos de delegação de competências”. Mas não só. Dentro da rubrica das despesas de capital, Rui Dias indica que “o maior desvio, tanto em termos absolutos como relativos ocorreu no investimento: a aquisição de bens de capital registou uma execução de 58,3% em 2022, representando um desvio de 1,6 mil milhões de euros”.

“Em termos de despesa efetiva, o desvio foi equivalente, o que mais do que compensou a menor execução da receita efetiva em -0,7 mil milhões de euros, permitindo que, ao invés de um défice (na ótica da contabilidade pública) implícito às previsões agregadas dos orçamentos municipais, se tenha registado um excedente de caixa positivo, de 413 milhões de euros”, conclui o relatório.

Também ao nível da receita, verificou-se uma sobreorçamentação, ainda que em menor grau. “A taxa de execução foi, em 2022, de 92,9%. Dos 13,8 mil milhões de euros previstos, foram cobrados 12,8 mil milhões de euros, menos mil milhões de euros”, constata o trabalho do CFP.

“O maior desvio entre o previsto e o executado ocorre na receita efetiva, muito em particular na receita de capital, em que a receita cobrada em 2022 representou pouco mais de metade (52,3%) do previsto”. Ou seja, dos 1,9 mil milhões orçamentados, as câmaras apenas encaixaram 997 milhões, menos 910 milhões de euros.

Nas verbas de capital, detalha Rui Dias, “são as transferências relativas a fundos provenientes da União Europeia destinadas a financiamento de despesas de investimento as que apresentam um maior desvio absoluto”. “Com uma taxa de execução de 49% em 2022 são determinantes para o nível de execução da receita de capital, dado que mais de metade da receita prevista pelos municípios para este subagregado diz respeito a estas verbas”, lê-se no mesmo documento.

Idêntica situação “se passa com as transferências correntes relativas a fundos europeus (execução de 54% em 2022), embora com menor impacto, dado o volume financeiro destas (relacionadas sobretudo com o Fundo Social Europeu) ser bastante inferior às transferências para comparticipação de investimento municipal”, aponta o técnico do CFP.

Pelo contrário, ressalva o investigador, “a execução da receita fiscal superou a previsão, sobretudo no que diz respeito ao IMT em resultado da dinâmica favorável do mercado imobiliário nesse ano comparativamente aos anos anteriores, e, em menor grau, quanto à receita da derrama municipal sobre o IRC”.

Para o investigador o “problema essencial” quanto à sobreorçamentação da despesa e da receita municipal “parece residir no dilema entre a obrigatoriedade quanto ao equilíbrio total do orçamento a apresentar e a necessidade de assunção de responsabilidades perante terceiros assumidas em exercícios anteriores”.

“Este dilema leva a distorções nas previsões de receita anuais necessárias para cobrir toda a despesa prevista, uma vez que esta tem também de ter em conta a decorrente de compromissos anteriores”, reforça Rui Dias.

Deste modo, “para que a previsão de execução do orçamento não seja afetada por aquelas distorções, seria necessário que os orçamentos locais distinguissem, de facto, a despesa e a receita relativa a períodos anteriores, quer na sua elaboração, quer na sua apresentação e divulgação”, aconselha o técnico do CFP. “A legislação, muito em particular o SNC-AP (sistema de normalização contabilística para Administrações Públicas), já providencia as ferramentas necessárias para que isto aconteça. Caberá às entidades delas fazerem uso“, sublinha.

Para além disso, “acresce a atenção ao princípio da especificação (classificação económica das receitas e despesas públicas), evitando o recurso abusivo a rubricas residuais, situação, aliás, que não é exclusiva da Administração Local, e que, em parte, decorre de alguma desadequação do classificador económico à realidade atual”, alerta o investigador.

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